Países com Zika devem garantir direito ao aborto e à contracepção, diz ONU

Grupo de advogados, académicos e activistas brasileiros está a preparar uma acção no Supremo Tribunal para legalizar o aborto de fetos com microcefalia, uma sequela grave da infecção.

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Uma bebé com microcefalia, na praia em Olinda, no Brasil Ueslei Marcelino/REUTERS

Os países afectados pelo vírus Zika devem garantir o acesso à contracepção e ao aborto às mulheres, afirmou o Alto-Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, pois suspeita-se fortemente que a infecção provoca malformações congénitas quando as grávidas ficam infectadas durante a gestação.

Não é realista pedir às mulheres que não engravidem durante um ou dois anos, para evitar o risco de nascerem bebés com microcefalia – uma cabeça anormalmente pequena, e um cérebro reduzido, com consequências neurológicas e de desenvolvimento que podem ser graves. “Como podem exigir às mulheres que não fiquem grávidas, sem lhes oferecer meios para impedir a gravidez?”, interrogou a porta-voz de Zeid Ra'ad Al Hussein, o Alto Comissário para os Direitos Humanos.

Segundo a ONU, na América do Sul e América Central, cerca de 24 milhões de mulheres não têm acesso a métodos contraceptivos modernos – os obstáculos não são apenas económicos, mas também sociais e culturais, pois trata-se de países vincadamente católicos. De acordo com o Instituto norte-americano Guttmacher, especializado em saúde sexual, 56% das gravidezes nestes países, os mesmos onde agora está presente o vírus Zika, não são planeadas. Fazem-se cerca de 4,4 milhões de abortos anuais, a maioria dos quais de forma ilegal, nesta região, diz o El País.

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“O conselho de adiar a gravidez faz tábua rasa do facto de que que muitas mulheres pura e simplesmente não têm o poder de decidir quando ficarão grávidas, num ambiente onde a violência sexual é moeda corrente. Compete aos governos garantir que as mulheres, os homens e as adolescentes tenham acesso a serviços e informações de qualidade relativos à reprodução, sem discriminação”, sublinha o responsável da ONU.

Esta é também uma das regiões do mundo mais restritivas do aborto. Em sete países, não é sequer permitido para salvar a vida da mulher. Em El Salvador, onde o acesso à contracepção é difícil – e o Governo pediu às mulheres que não engravidassem durante dois anos, confiando na abstinência – o aborto, seja em que circunstância for, pode ser punido com 50 anos de prisão.

Mas a taxa de violações em El Salvador é da mais elevadas do continente Americano – ocorre uma a cada quatro horas, segundo o Instituto Nacional de Medicina Legal – e também a de gravidez adolescente. As vítimas preferidas são meninas de 14 anos, e a violação é usada como arma pelos gangs salvadorenhos para intimidar comunidades. Metade dos bebés que nascem em Salvador têm mães entre os dez e os 19 anos, relata a Newsweek e três em cada oito mortes de grávidas são de meninas com menos de dez anos, de acordo com números oficiais de 2014.

É neste cenário de pesadelo que aterra o vírus Zika – e as suspeitas de que a transmissão por via sexual possa ser importante. Esta sexta-feira, a Fundação Fiocruz, no Brasil, anunciou que foi detectado o vírus activo (numa forma capaz de provocar) infecção na saliva e na urina.

Os Centros de Controlo e Prevenção das Doenças dos Estados Unidos dão uma nova indicação esta sexta-feira: que o teste serológico para detectar o vírus Zika seja oferecido a todas as mulheres grávidas e em idade fértil que possam ter estado expostas à infecção, mesmo que não apresentem sintomas. Estas análises ao sangue, no entanto, são falíveis, se uma pessoa tiver alguma vez estado infectada com vírus da mesma família (flavivírus), como o da febre amarela, dengue ou do Vírus Ocidental.

Embora ainda não esteja provada passo a passo a relação entre a infecção e o nascimento de bebés com microcefalia, o disparar o número de casos desta deformação congénita no Brasil – segundo o Ministério da Saúde, subiu numa semana de 3718 para 4074 – faz suspeitar fortemente de que se trate de uma sequela.

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Por isso, um grupo de advogados, académicos e activistas brasileiros está a preparar um pedido para legalizar o aborto de fetos com microcefalia, que deve ser apresentado ao Supremo Tribunal Federal nas próximas semanas. Trata-se do mesmo grupo que obteve, em 2012, o direito a abortar bebés com anencefalia (sem cérebro), que mesmo que nasçam morrem em breve após o parto.

O grupo obteve o apoio de um antigo ministro da Saúde do Presidente Lula, José Gomes Temporão, um médico. Se tivesse nascido no Congresso e não por iniciativa da sociedade civil, “o projecto já nasceria derrotado”, disse ao jornal Folha de São Paulo. “Jamais passaria. Este é talvez o mais reaccionário corpo de deputados e senadores da história republicana".

O ex-ministro referia-se ao domínio dos órgãos legislativos por políticos conservadores, o que resulta em projectos como o apresentado pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, próximo dos evangélicos, para dificultar o aborto legal, até mesmo em caso de violação.

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