Polícia de Israel acusada de usar programa Pegasus contra os seus próprios cidadãos

Programa de vigilância da empresa israelita NSO permite transformar um telemóvel num aparelho de espionagem, gravando em audio e video e transmitindo a quem espia.

Foto
Sede da NSO, a empresa que desenvolveu e comercializa o programa Pegasus AMIR COHEN/Reuters

Primeiro descobriu-se o uso por países que fizeram acordos com Israel, depois por forças israelitas contra palestinianos, e agora Israel está a debater-se com a acusação de que o poderoso programa Pegasus, feito para ser usado em casos de contra terrorismo e criminalidade organizada grave, terá sido usado para espiar civis israelitas, incluindo líderes de um grupo de protesto contra Benjamin Netanyahu, quando este se mantinha na chefia do Governo mesmo após uma acusação judicial de corrupção.

A notícia do jornal económico israelita Calcalist surge quando se põe a hipótese, tida pela imprensa israelita como improvável, de um acordo em que Netanyahu se declarasse culpado de algumas acusações com a condição de que não voltasse à actividade política.

O mais recente caso de possível uso do programa Pegasus, feito e comercializado por uma empresa israelita, segue-se a inúmeros no mundo, desde activistas e jornalistas mortos por regimes opressivos, até vigilância de políticos mundiais, passando por casos pessoais de políticos poderosos.

Não era esperado que a polícia usasse o software em cidadãos israelitas (a utilização para vigiar palestinianos já fora noticiada) que não estivessem envolvidos em acções de terrorismo ou de crime organizado, e aparentemente sem autorização judicial. Aliás, a utilização do Pegasus contra israelitas é proibida, diz o diário israelita Haaretz.

Segundo o Haaretz, a polícia usa o programa desde 2013, tendo-o alargado substancialmente em 2015. A investigação do jornal Calcalist diz que em 2020 a polícia começou a usar o software para investigar telefones de activistas anti-corrupção que organizavam os protestos semanais contra a continuação de Netanyahu no cargo apesar de uma acusação formal (em Israel, apenas os ministros são obrigados a demitir-se caso sejam acusados, o primeiro-ministro pode manter-se), segundo o Washington Post.

“Durante muito tempo, partiu-se do princípio de que Israel não tem necessidade de um serviço destes porque o Shin Bet [segurança interna] terá muito provavelmente estas capacidades e não precisa de uma empresa privada. Se for verdade, esta informação mostra como a cultura de espionagem do Shin Bet passou para a polícia que, sem conseguir desenvolver estas ferramentas sozinha, usou a NSO”, explica o jornal.

O programa é especialmente poderoso porque não exige que o utilizador do telefone clique em nenhum link, mas permite na mesma o acesso remoto a todos os conteúdos do telemóvel: mensagens, fotografia, geolocalização, permitindo ainda activar remotamente a câmara e o microfone do aparelho, transmitindo para quem está a fazer a vigilância. Tudo sem despertar suspeitas de quem está a se espiado – o uso do software tem sido detectado através de análises forenses feitas por parceiros na investigação deste caso pela ONG Forbidden Stories e um consórcio de jornalistas (dos quais fazem parte o Haaretz e o Washington Post, entre outros) e a associação de defesa de direitos humanos Amnistia Internacional.

O ministro da segurança pública, Omer Bar-Lev, disse que iria verificar se houve aprovação judicial para a vigilância, sublinhando no entanto que “não há prática de vigilância telefónica ou electrónica pela polícia israelita sem aprovação de um juiz”.

A polícia nega a notícia, dizendo que a força de segurança “age de acordo com a autoridade que lhe é dada por lei e quando necessário por ordens do tribunal de acordo com as regras e regulamentos dos organismos responsáveis”.

Sugerir correcção
Comentar