Trump recorre a todo o seu poder para tentar garantir um Congresso republicano

“Não estou no boletim, mas estou no boletim”, diz o Presidente, que transformou as eleições intercalares de dia 6 de Novembro num referendo à sua presidência. Numa tentativa de repetir o seu sucesso de 2016, fez da imigração o tema único da recta final da campanha.

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Trump na chegada a um comício em Illinois Reuters/ALEXANDER DRAGO

O Presidente Donald Trump está a mobilizar os vários poderes do governo federal, incluindo os militares, para redobrar os esforços eleitorais dos republicanos. Numa tentativa de impor os temas finais da campanha, avançou com propostas dirigidas aos medos e ansiedades dos seus apoiantes.

Nos últimos dias, Trump anunciou medidas drásticas que têm como objectivo fazer aprovar políticas que ajudem os candidatos republicanos antes das eleições intercalares de terça-feira: anunciou que enviará milhares de militares para a fronteira com o México (na maior operação deste tipo desde a Revolução Mexicana); propôs acabar com o direito à cidadania de filhos de imigrantes nascidos no país e avisou repetidas vezes que fará tudo para travar a caravana de imigrantes oriundos de diferentes países da América Central que pretende chegar aos Estados Unidos.

“Esta é a tentativa mais focada e estruturada de usar todos estes poderes da presidência para moldar uma eleição intercalar que já vi”, diz William Galston, veterano analista do Programa de Estudos de Governação da Brookings Institution e antigo conselheiro de política interna na Casa Branca de Bill Clinton.

O Presidente tomou também medidas para reduzir o preço dos medicamentos da Medicare (programa de seguros de saúde) e propôs um corte de 10% nos impostos da classe média, o que pôs a sua própria Administração e os responsáveis do Congresso em alvoroço para conseguirem conceber uma nova política fiscal.

No conjunto, estas medidas reflectem até que ponto Trump transformou partes da burocracia federal numa fábrica de ameaças, ordens executivas e acções – é o resultado da estratégia que o Presidente e os seus conselheiros concluíram ser a melhor hipótese para assegurar a maioria republicana no Congresso.

“O Presidente Trump está a puxar todos os cordelinhos e a mobilizar por inteiro o poder do governo federal, incluindo o das comunicações, em nome da campanha do seu partido para estas eleições”, acrescentou Galston.

A ideia é apostar em conseguir a participação eleitoral dos militantes de base e dos apoiantes que reuniu em 2016, considerada a melhor forma de preservar a maioria no Senado e na Câmara dos Representantes. Daí a obsessão com o tema da imigração.

Numa entrevista ao site Axios, divulgada na terça-feira, o Presidente sugeriu que pretende acabar com o direito constitucional à cidadania para crianças nascidas nos Estados Unidos mas filhas de imigrantes em situação irregular.

Vários especialistas em Direito e até o porta-voz da Câmara dos Representantes, o republicano Paul Ryan, avisaram já que o Presidente não tem autoridade para avançar sozinho com esta alteração. Não faz mal: a sugestão tem o propósito de reavivar o debate sobre os “anchor baby” (expressão que muitos consideram pejorativa para referir filhos de mães que residem irregularmente nos EUA) que ajudou Trump a ganhar as eleições primárias e a ser o candidato à presidência do Partido Republicano.

A “invasão”

Trump tem passado o tempo a alertar para uma “invasão” de imigrantes da América Central, apesar de estes viajarem a pé, serem cada vez menos e estarem a semanas de alcançar a fronteira.

A Administração anunciou na segunda-feira que quer enviar 5200 militares, helicópteros e arame farpado para a fronteira. Trump destacou ainda funcionários de topo, incluindo a secretária para a Segurança Interna, Kirstjen Nielsen, para que façam a ponte com os media e sublinhem a sua posição rígida sobre o assunto, chamando assim a atenção para a caravana.

Entretanto, Trump tem estado a preparar uma nova política de imigração – que esperava anunciar com estrondo na terça-feira, mas teve de adiar por causa do massacre numa sinagoga em Pittsburgh – que deverá incluir a possibilidade de fechar temporariamente a fronteira e de negar a imigrantes a oportunidade de pedir asilo.

No interior da Casa Branca e entre as pessoas próximas de Trump, conselheiros e confidentes opõem-se às sugestões de que o Presidente está a usar o governo para alcançar os seus objectivos políticos. Em vez disso, dizem, o que acontece é que as políticas de imigração de Trump e aquilo em que ele acredita desde há muito vão ao encontro de acontecimentos actuais, ao mesmo tempo que beneficiam politicamente o Partido Republicano.

“Esta não é uma situação em que Trump esteja a fazer cálculos políticos para políticas que encaixem no que ele quer que seja feito”, diz um antigo funcionário da Casa Branca que, como outros, só aceitou ser entrevistado na condição de permanecer anónimo. “Pura e simplesmente, o que o ajuda politicamente está em perfeita sintonia com as suas políticas.”

Como um candidato

No mesmo sentido, o vice-presidente Mike Pence defendeu na terça-feira que o destacamento de militares não é uma manobra política, é sim uma resposta apropriada e necessária à “crise na fronteira a sul”.

“Posso dizer-lhe que, depois de ter ouvido muitos americanos, existe uma grande preocupação e alarme, e que vêem este grupo enorme de pessoas a dirigir-se para cá com o único propósito de entrar no nosso país ilegalmente”, disse Pence durante um evento da newsletter Politico Playbook. “O Presidente só está determinado em garantir que temos pessoal na fronteira.”

Sam Nunberg, antigo assessor de campanha de Trump, diz que as medidas mais recentes para a imigração são politicamente inteligentes. “O facto de o Presidente enviar militares para a fronteira e ter a secretária de Segurança Interna a anunciar que nenhum dos imigrantes ilegais irá conseguir atravessar torna este assunto algo da máxima importância, o que irá aumentar a participação eleitoral dos apoiantes nesta última e crucial semana”, defende Nunberg.

Trump tem tentado tornar as intercalares num referendo sobre si próprio, acreditando que os seus apoiantes só irão votar nos candidatos republicanos se acharem que a sua presidência está em risco.

“Não estou no boletim, mas estou no boletim”, disse num comício este mês em Southhaven, no Mississipi. “Eu quero que votem. Finjam que faço parte da votação.”

Nas últimas semanas, Trump também tentou anunciar medidas noutras áreas para mostrar progresso e motivar os eleitores. Sugeriu o corte de 10% nos impostos das famílias de classe média – e garantiu que o Congresso negociaria a medida antes das eleições, apesar de não existir nenhuma proposta de lei oficial e de não estar previsto que os congressistas se reúnam antes das intercalares.

Mas Trump tem-se focado maioritariamente na imigração, o tema mais discutido durante a sua campanha em 2016. Ao fazê-lo, está claramente a pôr o seu nome e os seus planos no boletim, não por escrito, mas em espírito. Como um outro funcionário da Casa Branca diz, “a imigração dá um certo toque de 2016” às intercalares.

Com Trump a juntar-se à campanha eleitoral para participar ainda em onze comícios (depois de já ter passado por alguns estados chave) com o tema Make America Great Again nos seis dias antes da votação, a imigração tornou-se no tema central de todos os seus discursos.

“Não podemos deixar que invadam e ataquem o nosso país”, disse no sábado em Murphysboro, Illinois. “Vocês viram a caravana. Quer dizer, olhem para aquilo. Às vezes é enorme. Como poderemos aceitá-los a todos? E algumas daquelas pessoas são pessoas que não queremos cá.”

E economia?

As sondagens demonstram sistematicamente que a imigração é uma questão especialmente crítica para os eleitores republicanos. Para três quartos dos republicanos recenseados é mesmo “um dos assuntos mais importantes” ou “um assunto muito importante” para as suas escolhas nas intercalares (com esta preocupação a ser só ultrapassada pela economia e os impostos), de acordo com uma sondagem realizada no início de Outubro pelo jornal Washington Post e a ABC News.

“A imigração é claramente um tema importante. Não há dúvidas sobre isso”, afirma o perito em sondagens do Partido Republicano David Winston. “Trump acredita claramente que esta foi uma peça essencial para o seu sucesso nas primárias republicanas. Por isso, é um assunto onde se sente particularmente à vontade e sempre que acha necessário volta a introduzi-lo. Posto isto, o que é importante para a posição dos republicanos neste momento é o estado da economia.”

A imigração é um assunto poderoso e capaz de mobilizar os eleitores republicanos em muitos dos campos de batalha do Senado – estados onde costumam vencer os democratas, como o Indiana, Missuri, Dakota do Norte, Tennessee e Virgínia, zonas onde Trump é popular. Mas o seu foco neste tópico também traz complicações aos republicanos da Câmara dos Representantes vulneráveis e que têm dificuldades em defender-se dos desafios democratas em distritos suburbanos de estados como a Califórnia, a Florida ou a Pensilvânia.

O poder do medo

Mas ao contrário de 2016, quando o Partido Republicano estava indeciso sobre que distância deveria manter da retórica Trump, o partido agora está largamente em linha com o Presidente.

Muitos dos candidatos republicanos ao Senado e a governadores têm replicado a narrativa de Trump nas suas campanhas. A republicana Marsha Blackburn, que concorre ao Senado no Tennessee, por exemplo, tem um anúncio de campanha centrado na caravana de imigrantes onde um narrador afirma que o grupo inclui “membros de gangues, criminosos conhecidos, pessoas do Médio Oriente, e se calhar até terroristas” [a caravana começou nas Honduras, formada por pessoas que fogem precisamente da violência de gangues].

A semana passada, Trump foi bastante criticado por ter publicado tweets garantindo que há “criminosos e pessoas do Médio Oriente na multidão” – admitiu mais tarde não ter como provar o que escrevera.

Jennifer Duffy, editora da newsletter Cook Political Report, admite estar admirada por ver a retórica de Trump sobre a imigração tão disseminada na recta final da campanha. “O medo é uma emoção muito poderosa e, por isso, um motivador muito poderoso”, diz Duffy. “Existe alguma desvantagem? A nível das políticas, sim. A nível político, não.”

Exclusivo PÚBLICO/Washington Post

Tradução de Ana Silva

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