Uma troika de questões internacionais

Entre o silêncio português em relação ao que se passa na Catalunha, o autocrata violento e perigoso que mora na Casa Branca e a arrogância de Angola face a Portugal.

1. O nosso vergonhoso silêncio perante as prisões políticas em Espanha

Estamos sempre prontos para protestar contra tudo e contra todos. Há mil e um movimentos de solidariedade com os presos de Guantánamo, em Israel, no Irão, na Arábia Saudita, na Venezuela, em Angola, na Guiné Equatorial, em Cuba, na Rússia, etc., etc. e aqui, ao nosso lado, permanecem presos membros do governo catalão, dirigentes de associações independentistas, deputados e alguns que não estão presos estão exilados como é o caso do presidente da Generalitat. A justificação estatal é de que se não se trata de presos políticos. Então o que é que são? São presos comuns?

Foram presos pela sua participação num processo independentista, que resultou da vontade da maioria dos catalães e que foi reafirmado nas eleições que o Governo espanhol convocou ao abrigo de um artigo da Constituição que lhe permite suspender os direitos autonómicos. Nessas eleições, os partidos e associações a que estão ligados os presos tiveram uma maioria de deputados, pelo que mesmo numas eleições convocadas com o objectivo de travar nas urnas o processo independentista, mas que acabaram por ter um significado referendário, a intenção do Governo espanhol resultou num reforço e não num enfraquecimento da legitimidade das posições políticas dos presos.

O catalanismo, mesmo com a violência da guerra civil, tem sido no essencial um dos movimentos independentistas mais pacíficos em Espanha, e, nas últimas décadas em particular, é essencialmente um movimento cívico, linguístico, cultural, democrático, e, como se vê, com enorme apelo popular. Pelo contrário, o espanholismo militante, o centralismo monárquico castelhano, que existiu sempre e que veio agora ao de cima com intensidade, tem uma longa história de crimes e violência. Constituiu e constitui uma espécie de fundamento de movimentos como o falangista, de que toda a extrema-direita e muita da direita espanhola permanece próxima ou herdeira. Tem na sua história uma componente autoritária, antidemocrática e antiliberal, que semeou mártires por toda a Espanha no século XX. O modo como Rajoy respondeu com intolerância e violência ao processo catalão é directamente subsidiário dessa tradição e levantou a lama desse fundo espanholista agressivo da direita.

Os socialistas apanhados nas suas contradições contam cada vez menos, a não ser para legitimar Rajoy e o PP. O Ciudadanos aproveita e bem a sua oportunidade política de substituir, pelo menos na Catalunha, um PP quase inexistente. E os independentistas têm o seu próprio labirinto para nele caminhar. Mas, seja como for, existem os presos políticos e os presos políticos são também responsabilidade nossa.

A União Europeia de há muito que está longe de ser o local da democracia e dos direitos dos povos e tem critérios dúplices. Fecha os olhos ao Governo da Áustria, que entregou à extrema-direita pastas cruciais para a segurança do Estado e para a emigração e refugiados, é complacente com os húngaros, e, mesmo com os polacos, faz muito menos do que exigia a gravidade da situação. Mas o silêncio face a um país-membro que tem nas cadeias presos políticos é inadmissível.

É também por isso que a responsabilidade de solidariedade para com os presos políticos catalães é também uma exigência cívica para nós portugueses.

2. Vamos admitir que Trump está mesmo meio demente

Independente de um julgamento clínico sobre o presidente Trump, a discussão sobre as suas capacidades para exercer o cargo mais poderoso do mundo tem aspectos ambivalentes. Nalguns casos, ajudam-no, ao baixar de tal modo as expectativas que, perante qualquer comportamento razoavelmente normal, Trump parece um pequeno génio; noutros tratam como loucuras aquilo que é incompetência ou opções políticas extremistas, minimizando o seu valor político a favor de gaffes e trapalhadas. Acresce que essa tese da demência tende a desvalorizar aquilo que são os defeitos de personalidade em que Trump abunda — o seu narcisismo, a sua opulenta vaidade, a obsessão com o tamanho (“O meu botão é maior do que o teu”), o infantilismo, o ressabiamento, a vontade de vingança, o insulto grosseiro e o vilipêndio de todos que o confrontam, a preguiça face ao trabalho intelectual, o bullying sistemático, o pendor autoritário, etc.

Porém, do outro lado do caso, vamos admitir que ele tem mesmo incapacidades mentais, ou seja, como se diz em bom português “não está bom da cabeça”. E por medo deste tipo de afirmações e suas consequências permite-se-lhe continuar políticas desastradas, perigosas e com custos para milhões de pessoas? Depois, dizem os que afirmam a incapacidade de Trump, se ficam calados perante a evidente anormalidade do comportamento de Trump, tornam-se responsáveis pelo que vier a acontecer. É um claro recado para os republicanos, que por interesse das suas carreiras políticas pessoais ou do partido fecham os olhos para as enormidades que Trump pratica.

Eu, por mim, não preciso da tese da demência, embora não esteja certo que tal seja impossível, e fico-me pela absoluta anormalidade política de num país democrático haver um homem que se comporta como um autocrata violento e perigoso. Chega.

3. A contínua arrogância de Angola face a Portugal

Não sei se as medidas realizadas em nome da luta contra a corrupção afastando o clã familiar de José Eduardo dos Santos são efectivamente aquilo que dizem ser e não uma mera substituição de grupos cleptocráticos roubando as riquezas de Angola. Penso que aqui ainda se pode dar o benefício da dúvida. Só que a contínua arrogância do poder angolano, o antigo e o novo, face a Portugal e à Justiça portuguesa é uma excepcional garantia de impunidade para a longa lista de poderosos angolanos que transitam com o seu dinheiro obscuro entre Angola e Portugal. Imaginem que o caso das acusações ao antigo vice-presidente de Angola tinha origem na Justiça francesa, inglesa ou norte-americana. Certamente que não veríamos os actos hostis e a chantagem que é continuamente feita a Portugal, aos portugueses que vivem e trabalham em Angola. Aqui a política é de continuidade.

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