Perguntas (ainda) sem resposta

Lamento dizê-lo: tudo o que tem sido dito e insinuado até hoje tem servido apenas para descredibilizar a Lei dos Sefarditas e os seus intervenientes, meio caminho andado para acabar com ela. Será esse, afinal, o verdadeiro objectivo que norteia esta campanha sem propostas, sem provas e sem argumentos credíveis?

Segui com atenção as reuniões da Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais Direitos, Liberdades e Garantias sobre a Lei da Naturalização dos sefarditas em que foram ouvidos, na primeira, o senhor ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Dr. Augusto Santos Silva e, na segunda, a Comunidade Israelita de Lisboa representada pelo Dr. José Ruah, membro da sua direcção. Ambas as reuniões foram dirigidas pela deputada do Partido Socialista, Constança Urbano de Sousa. E segui com atenção, na expectativa de que estas pudessem contribuir para o esclarecimento das propostas de alteração da Lei por parte do Grupo Parlamentar do Partido Socialista e, sobretudo, do seu empenho em alterá-la…

Como é do domínio público, estas propostas começaram por defender a introdução de uma cláusula obrigando os requerentes a viverem durante dois anos em Portugal, proposta abandonada e substituída pela obrigação de uma “efectiva ligação à Comunidade Nacional Portuguesa”, cuja tradução na prática nunca foi esclarecida até à data. Por seu turno, a senhora ministra da Justiça sugere um limite temporário da Lei em 2025. Ou seja, sucedem-se e arrastam-se ao longo dos meses as sugestões e os alvitres, sem nunca se responder de forma cabal à questão, essa sim decisiva, das razões que tornam tão imperativa a sua alteração.

Na verdade, tem sido apresentado um motivo recorrente: a imagem de Portugal no estrangeiro, nomeadamente na União Europeia, que terá sido muito prejudicada pela publicidade de algumas empresas de advogados “oferecendo” a nacionalidade portuguesa como meio de adquirir o passaporte europeu. É de facto lamentável, tal como o é a publicidade de tantas outras empresas por esse mundo fora “vendendo” a nacionalidade portuguesa, não aos descendentes de sefarditas, mas aos descendentes de portugueses “tout court”. Basta consultar, por exemplo, a revista brasileira Veja de 30 de Janeiro de 2019, listando as condições de venda de dez países, entre os quais Portugal, para obtenção da cidadania respectiva. É lamentável? Talvez, mas, como se costuma dizer, “é a vida”! E haverá sempre quem o faça mesmo com todas as alterações que a lei possa vir a sofrer, como também acontecia com a Lei espanhola que tantos entraves tinha e é agora repentinamente tão celebrada…  

Relativamente a este argumento, só posso dizer o seguinte: em primeiro lugar, é um erro confundir a árvore com a floresta. A maioria dos advogados que representam requerentes não tem esse comportamento, e falo com conhecimento de causa. Até agora, muitos dos exemplos com os quais se pretende “provar” este tipo de argumento demonstram precisamente o contrário. Mas o mais importante é que esta argumentação induz o publico em erro porque faz crer que quem outorga a nacionalidade sãos os advogados quando, na realidade, quem o faz é o Ministério da Justiça com base em inúmeros requisitos da Lei, entre os quais está o certificado de descendência de judeu sefardita passado pelas Comunidades Israelitas, incumbidas dessa tarefa pelos sucessivos governos. E não, as comunidades não são um “alçapão”, como insinua Paulo de Morais nas páginas deste jornal, as comunidades estão abertas, como já o afirmaram repetidamente, a inquéritos, auditorias e, sobretudo, a darem a conhecer in loco como trabalham, quem consultam e como investigam.

Um outro argumento invocado tem sido a ausência de ligação ou mesmo de interesse manifestado pelos requerentes em melhor conhecerem o país do qual adquirem a naturalização. Mais uma vez, esta é uma afirmação lançada sem provas nem fundamento concreto. Pelo que sei, há sim numerosas pessoas, nomeadamente israelitas e brasileiros, cujo passaporte português os estimulou a virem a e para Portugal: casais israelitas que vieram e adquiriram terras no Alentejo e nas Beiras para cultivo; desenvolvimento de actividades culturais; investimentos em imobiliário e no comércio ou simplesmente para morarem em Portugal, inserindo-se no mercado de trabalho, nomeadamente no da inovação. Há mesmo uma página de Facebook cujo nome traduzido do hebraico é “Israelitas em Portugal”, com mais de cinco mil seguidores, que procura ajudar os recém-chegados a instalar-se no país e a manter a relação comunitária, tal como os franceses ou ingleses o fazem. Não posso garantir que todos os que estão em Portugal tenham sido beneficiários da Lei, mas está em curso uma tese de doutoramento na Universidade Católica de Lisboa sobre a imigração israelita em Portugal que fará luz sobre esta questão.

Em todo o caso, poucas ou muitas, essas pessoas serão sem dúvida benéficas para o país: gente com formação, pronta para trabalhar e habituada a isso, com capacidade de inovação e transformação. É por isso que mais uma vez não consigo entender por que razão é tão premente alterar uma lei que de qualquer maneira contempla uma minoria ínfima comparada com todos os outros proponentes à nacionalidade portuguesa e que desfaz por completo a perspectiva absurda de milhões de pessoas. Quem tal afirma, saberá ao menos que o número de judeus no mundo não chega a 15 milhões, menos aliás do que eram antes de 1939 (perto de 17 milhões)? Alguém no seu perfeito juízo acha que os judeus de Israel ou dos EUA virão para cá em massa apoderar-se da “bandeja que Portugal lhes oferece ao abrigo da Lei dos Sefarditas”, como refere o já mencionado Paulo de Morais? Os números transcritos no PÚBLICO em artigo de 12 de Junho deste mês são claros: num total de 180 mil pedidos de nacionalidade portuguesa só em 2019, os referentes à Lei dos Sefarditas não passam de 14%. Aparentemente são demais e eu gostava de saber porquê…

A Lei dos Sefarditas é uma Lei generosa e haverá sempre forma de corrigir e melhorar o que a experiência revelar como necessário, para a aperfeiçoar e não para a destruir. E lamento dizê-lo: tudo o que tem sido dito e insinuado até hoje tem servido apenas para descredibilizar a Lei e os seus intervenientes, meio caminho andado para acabar com ela. Será esse, afinal, o verdadeiro objectivo que norteia esta campanha sem propostas, sem provas e sem argumentos credíveis?

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