Amor entre mulheres

Nunca pensou nas tantas formas do amor, nas infindáveis metamorfoses com que se nos apresenta, só para “plimgar” uma mensagem — nunca saberemos nada.

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Mag Rodrigues

Uma mensagem, vinda do céu virtual, “plimgou” no aparelho portátil. Nunca se sentira atraída por mulheres — tirando uma ou outra brincadeira na adolescência sob o efeito de muito álcool, as suas experiências amorosas e sexuais foram sempre com homens. Entendia a possibilidade de uma mulher se apaixonar por outra, mas nunca lhe acontecera. A imagem do sexo feminino, da vagina propriamente dita, não a atraía. Sentia até um certo nojo, criado certamente por dezenas de mitos sobre o cheiro e o sabor da vagina, e, portanto, nunca antes desejara o sexo de uma mulher. Só as maminhas, sim, achava-as muito belas. E, contudo, apenas as paradoxais — as cálidas e de aspecto marmoreado.

Apercebera-se ainda de que era um pouco bizarro sentir um vago tesão por estátuas da Grécia Antiga. Também duvidava da junção entre uma mulher de aspecto feminino e outra de aspecto masculino, não entendia a reprodução do paradigma heterossexual. Não percebia como se podia desejar uma mulher que se assemelhasse, no estilo e no comportamento, ao modelo tradicional masculino. Porque se preferiria uma mulher que se assemelhasse a um homem a um homem propriamente dito? Enfim, a sua ignorância, preconceito e tacanhez sobre estes assuntos tinham a extensão de um deserto imenso, e o volume de todo o areal. 

Quando a mensagem “plimgou” no aparelho portátil, a mulher nunca saberia o quanto iria mudar a sua vida. Afinal, era apenas um elogio profissional vindo de uma desconhecida. Que apreciava muito o seu trabalho e que deixava um beijo. Pelas fotografias de perfil, dava para antever uma orientação sexual contrária à sua. Tratava-se de alguém bonito, uma mulher andrógina, com um estilo exótico (tatuagens, cabelo rapado) e um jeito arrapazado. Não conhecia ninguém vagamente semelhante. Uma pessoa muito mais jovem, talvez com uns dez anos a menos. Soube cativá-la desde o primeiro instante, com uma personalidade encantadora e uma inteligência mordaz, simultaneamente doce e viril, disponível e independente. Nunca pensou que seria alguém com quem viria a querer reconstruir a sua vida, e cuja paixão inflamaria até os heterossexuais mais descrentes. Nunca pensou nas tantas formas do amor, nas infindáveis metamorfoses com que se nos apresenta, só para “plimgar” uma mensagem — nunca saberemos nada.

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