Gaia quer reabilitar reclusos através do contacto com cães “sem família”

O projecto Pelos Dois lidará com um universo de 360 indivíduos da população reclusa masculina dos estabelecimentos de Santa Cruz do Bispo, Izeda e Vale do Sousa, e de 360 cães “sem família”.

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Chama-se Pelos Dois e vai juntar reclusos e cães “sem família”, numa lógica de desenvolvimento das competências pessoais, sociais e emocionais dos reclusos, promovendo a sua reabilitação através do contacto com animais de estimação. O projecto, submetido a candidatura pela associação DTC Social através do programa Parcerias para o Impacto da Portugal Inovação Social, foi agora aprovado e a Câmara Municipal de Gaia é o seu investidor social.

Tendo em conta “a elevada prevalência de perturbações psiquiátricas na população reclusa portuguesa”, o que aumenta os factores de risco de reincidência, e a “sobrelotação dos Centros de Recolha Oficiais (CRO) de animais errantes”, o projecto tem como objectivo a reabilitação de reclusos ao atribuir-lhes a responsabilidade de “cuidar, educar e treinar cães”, informa a autarquia em comunicado. 

O projecto incluirá um universo de 360 indivíduos da população reclusa masculina dos estabelecimentos prisionais de Santa Cruz do Bispo, Izeda e Vale do Sousa e 360 cães do Centro de Reabilitação Animal de Gaia ou de associações de protecção animal locais. Para além disso, a iniciativa prevê a existência de alojamento para os animais nas instalações dos estabelecimentos prisionais para que se garanta “o bem-estar dos cães”, não só “treinando-os”, mas também promovendo a adopção numa plataforma.

Esta não é a primeira vez que a DTC Social, uma associação sem fins lucrativos cujo principal objectivo passa por “ajudar as pessoas através do trabalho com cães”, lança uma iniciativa direccionada à população reclusa. Apesar de trabalharem com vários públicos-alvo (desde crianças a seniores), em 2016 deu-se início ao trabalho em estabelecimentos prisionais, como foi o caso do projecto Fronteiras, que promovia sessões de terapia semanais com cães para a população reclusa feminina de Santa Cruz do Bispo. O objectivo era promover o desenvolvimento da “gestão emocional, do controlo de impulsos, da valorização do eu, da comunicação assertiva e a higiene pessoal”, segundo explicou Inês Vieira, membro da DTC, ao P3. 

Desta vez, o Pelos Dois vai para além das terapias semanais, com os cães presentes no estabelecimento prisional durante determinado número de meses. A ideia, expõe Inês, consiste em perceber que “os passados negativos do cão e do recluso podem tornar-se em presentes positivos", numa actuação que promove a “reabilitação” e não puramente a “questão correctiva”. Por um lado, esta reabilitação poderá permitir que, a longo prazo, os reclusos possam vir a trabalhar com cães, ajudando até na formação de outros reclusos. Por outro, possibilitará perceber qual o “temperamento” dos cães e quais as “funções” que poderão desempenhar no futuro: “Se são cães de busca e salvamento, de terapia assistida, de detecção de drogas ou de outros tipos de actividade.”

O orçamento total ronda os 780 mil euros, dos quais 165 mil serão financiados pela autarquia. O projecto pretende “causar um forte impacto positivo na sociedade”, promovendo a saúde mental e o desenvolvimento pessoal e social do recluso, ao capacitá-lo e ao dar-lhe uma ocupação de tempo livre “estruturante, educativa e útil”, contribuindo, assim, para a diminuição da lotação dos centros de recolha animal, ao torná-los “mais aptos a serem adoptados”.

Texto editado por Amanda Ribeiro

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