Onde pára a Justiça?

No nosso país presume-se a culpa; andamos ao revés da equidade e do respeito pelos nossos iguais...

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Valentin Flauraud/ Flickr

O que me assusta não é apenas e tão só a falta de justiça – o que me apavora, melhor dizendo até, aterroriza - é a prisão de alguém inocente. No nosso país presume-se a culpa; andamos ao revés da equidade e do respeito pelos nossos iguais... nada nos garante que eu, ou alguém que me lê neste preciso momento, seja um dia destes preso para só daí a uns quantos meses saber ao certo do que é acusado. E como o segredo de Justiça não é e nunca foi respeitado (sem que daí resulte qualquer penalização seja para quem for) os outros saberão sempre mais do que nós, especialmente se formos inocentes. Um chorrilho de verdades, meias verdades, mentiras, sem que às páginas tantas, se consiga distinguir o que “é o quê”. Algo vai mal, o rei vai nu ou pelo menos despidito – certamente um Jurista sentar-se-ia à minha frente e convencer-me-ia em três tempos das vantagens da prisão preventiva – e eu acreditaria. Mas uma desvantagem grita. E se alguém for inocente? Quem o livrará da condenação pública; da eterna dúvida? Quem poderá reparar os efeitos nefastos de uma vida destruída?

Vou falar de um só menino, hoje homem, da casa Pia por ter eterna resistência à generalização: cada caso é sempre um, e único, caso. O Ricardo foi abusado, segundo história vinda a pública, aos cinco anos pelo padrasto e, depois, por pessoas que nem soube ao certo quem eram. É uma vítima. Todo o seu discurso ao longo dos anos, as entrevistas a dizer e a desdizer-se, foi de alguém que teve de sobreviver. E como se sobrevive depois de uma história de vida assim? Dá-se-lhe 50 000 euros e solta-se-o no mundo? Ele e outros tantos, meninos e meninas anónimos, precisavam de ajuda e acompanhamento. Psicoterapia, tutores, alguém que os guiasse e os fizesse acreditar que poderiam começar de novo uma nova vida sem fantasmas – quebrar aquele ciclo tremendo de pobreza e vício e miséria. As feridas custam a cicatrizar, provocam transtornos dos quais muitas vezes nem o próprio toma, no imediato, consciência. Moldam a personalidade, levam a comportamentos desviantes. O corpo humano é algo extraordinário – a forma como resiste e se adapta com o objetivo apenas de continuar vivo. E continuar vivo não é, muitas das vezes, viver – é apenas s-o-b-r-e-v-i-v-e-r. Creio no Ricardo enquanto vítima. Lamento tanto e sinto-me revoltada por ele e por todos os meninos a quem foi roubada a infância... Dito isto, não creio que Carlos Cruz seja culpado. Se a acusação fosse contra cidadãos comuns, anónimos, teria todo este processo tomado as proporções que tomou? Aquela criança teria sido ouvida se o abusador fosse o Zé da esquina? Terá a Justiça de dar a mão à Comunicação Social para provar ou fazer crer que funciona? Duas pessoas saberão a verdade e nós, espectadores, ficamos na eterna dúvida, como dizia Agostinho da Silva “Uma coisa na vida é que nunca sabemos se a coisa parece ou é na realidade...": de facto.

Também presumo a inocência de José Sócrates. O que por vezes a opinião pública tem dificuldade em discernir é que ele não está a ser julgado pela sua governação: não estão em causa as PPP, as Swap, nem os desvarios de uma legislatura. São outras coisas que carecem de prova – até hoje só li “o diz que disse” dos jornais. Espero pacientemente pelos factos. Ambos os casos, Casa Pia e José Sócrates enfermaram de mediatismo. E os Tribunais são constituídos por pessoas de carne e osso, que se esperam íntegros e imparciais. Mas será possível ignorar a Comunicação Social e a pressão da opinião pública por ela induzida? Temos uma tendência perniciosa à generalização: no caso Casa Pia tenho uma certeza: os acusadores eram todos vítimas: em criança, ao longo da vida... nenhum ser humano deveria ter sido sujeito a tais atrocidades. Não sei no entanto se todos os acusados seriam culpados. Cada caso será um caso. Mas nós Seres Humanos temos tendência ao juízo por atacado: todos inocentes, todos culpados, todos vítimas... Costumo dizer que não há pior racismo no mundo do que aquele que dita “os pretos são todos bons”, exactamente pelo mesmo motivo: uns serão; outros não... tal e qual como os brancos, castanhos ou amarelos...

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