Um 2015 igual aos outros

Em dois mil e quinze, hás-de enfurecer-te. Contra o governo, contra o vizinho que continua a dar pauladas no telhado, contra os que amas porque não te amam de volta, contra os que odeias porque já nem dão pica à batalha

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Eric Gaillard/ Reuters

Dois mil e catorze foi simpático?

As acrobacias que se fazem para obter respostas: em final de ano, balanços, balancetes e outras artes mensuráveis direccionam esforços para nos ajudar a perceber se as oito mil setecentas e sessenta horas que passaram nos deixaram motivos para sorrir. Embora acreditemos, todos sabemos que só a posteridade nos haverá de mostrar o quão determinante foi este ano. No olho do furacão nunca sabemos dizer quantos estão mortos e quantos felizardos sobreviveram.

O tudo faz-se sempre de pequenos nadas. Por isso é que a catalogação da vida individual em anos não faz qualquer espécie de sentido. Sendo mais brusco: o teu ano vai ser igualzinho aos outros. Se adaptarmos a teoria económica de Kondratieff à vida do dia-a-dia, o teu quotidiano será feito de ciclos. Hás-de ter crescimentos, prosperidades, recessões e depressões. Não necessariamente por esta ordem, este vai ser o teu dois mil e quinze.

No fim, daqui a trezentos e sessenta e cinco dias, mais coisa menos coisa, vais puxar do merceeiro que há em ti e colocarás os pesos e as medidas na balança para registar se o 2015 foi simpático contigo. Assim como foste senhor dos teus actos, serás capataz das tuas consequências, sejam elas as melhores ou as piores.

Em dois mil e quinze, não percas tempo a tentar ser feliz. As alegrias hão-de vir tocar-te à porta se estiveres capaz de ouvir a campainha. Hás-de sentir o peito explodir-te em cadências que te parecerão inéditas, hás-de achar-te o sujeito mais sortudo que algum dia pisou a Terra. Em dois mil e quinze, contudo, terás de estar preparado para as lágrimas que hão-de brotar dos teus olhos. Serás, por longos e demasiados dias, triste e cabisbaixo, não verás esperança em nenhum raiar de sol ou despontar de vida. Em dois mil e quinze, hás-de enfurecer-te. Contra o governo, contra o vizinho que continua a dar pauladas no telhado, contra os que amas porque não te amam de volta, contra os que odeias porque já nem dão pica à batalha. Em dois mil e quinze, hás-de renascer, hás-de redescobrir o sabor das brisas que te entram pulmões adentro. Saberás então, de novo, o quanto te vale a existência.

Se os meus conselhos servissem para alguma coisa, haveria de te dar uns quantos. Podes não os ler ou não lhes prestar a mínima atenção, mas mesmo assim não me pouparei à presunção de esborratar uma folha de papel com eles. Lixa-te para o teu umbigo e para as resoluções que aí enfias à força. Olha, antes, em diante. Para o outro. Mantém-te grato, sente a fortuna que trazes no ser que deste por ti a ser. Desembrutece essa maneira de ser e entrega-te aos outros. Sê um orgulho, um modelo, mas não te esqueças de ser rebelde e de mandar às urtigas as autoridades que quiserem fazer de ti mais um na carneirada. Civiliza-te. Não te entregues às mãos do destino. Afinal de contas, não mudou assim tanta coisa desde há um ano para cá. Mexe-te, faz, trabalha, erra, engana-te, melhora, faz mais, mexe-te ainda mais. Tu não és um ano, mas qualquer ano pode (e deve) ser teu. Toma as rédeas do dois mil e quinze.

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