Miguel Relvas contagia último debate entre Rio e Santana

Entre os temas debatidos neste frente-a-frente esteve um introduzido pela entrevista de Relvas ao PÚBLICO: o da demissão, em caso de derrota nas legislativas. Nenhum dos dois assumiu fazê-lo . Mas Rio deixou uma ameaça às “lapas”: “Deixe-me ganhar e vamos ver como é”.

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Coube a Maria Flor Pedroso e Anselmo Crespo dirigirem o último debate entre candidatos à liderança do PSD, com participação dos ouvintes através das redes sociais. Rui Rio, que foi o primeiro a apresentar a candidatura, foi, por essa mesma razão, o primeiro a falar.

Defeitos e virtudes

Depois de assumir alguma dificuldade em falar bem de si próprio, Rui Rio respondeu à pergunta sobre a sua maior virtude como líder, escolhendo não uma, mas duas qualidades. "A coerência e a estabilidade. Uma certa coerência ligada à estabilidade, com maior capacidade de fazer do que de falar". E defeito, perguntou Maria Flor Pedroso: a idade que o amoleceu. "Quando temos 20 ou 30 anos, temos mais inflexibilidade. A idade agora permite uma certa flexibilidade".

Já Santana sublinhou "a capacidade de estar junto dos portugueses, de decidir e de fazer obra" como virtude. No capítulo dos defeitos assumiu um que "pode ser entendido até como qualidade": a generosidade. "A tal condescendência. Às vezes é um defeito. Gosto de reunir, unir e perdoar. Em política, é preciso um certo killer instinct".

Autárquicas e peso na consciência

Pedro Santana Lopes recusa ter qualquer peso na consciência na derrota nas autárquicas em Lisboa. Diz até que informou o PSD por escrito da sua decisão em tempo devido. Na mesma pergunta mas sobre o Porto, Rui Rio disse não sentir nenhuma responsabilidade sobre a derrota do PSD nas autárquicas. O ex-autarca assume que não apoiou Luís Filipe Menezes por ele ter feito o “contrário” na câmara de Gaia e ir “destruir” o que fez no Porto durante 12 anos. E que o voltaria a fazer: “Se fosse hoje faria a mesma coisa. A minha liberdade não está à venda”.

Rio falou sobre a dívida que Menezes deixou em Gaia e Santana aproveitou para o questionar sobre as contas da câmara do Porto, duvidando que Rio as tivesse deixado assim tão bem. O ex-autarca justificou com a necessidade de fazer obras por causa do Euro 2004. Mas acabou por criticar a direcção de Passos Coelho: “O PSD nacional esteve mal, quis fazer me uma afronta e o PSD pagou desta maneira. Não tive problema em apoiar Álvaro Almeida”. E confrontou Santana com um artigo de opinião elogioso para Rui Moreira em Março de 2017 quando Álvaro Almeida já era candidato pelo PSD no Porto.

Que condições para viabilizar um governo do PS?

Aproveitando que os candidatos já falaram, noutros debates, sobre a viabilização ou não de governos minoritários do PS, os jornalistas questionaram os candidatos sobre se colocariam condições para isso. "Aquilo que eu digo tem a ver com o historial do PSD", começou por responder Rio. "Isso já sabemos. Queremos dar um passo em frente", assumiram os moderadores. "Quando António Guterres teve uma minoria, as condições que Marcelo Rebelo de Sousa pôs não foram nenhumas. Disse, diploma a diploma, os senhores façam o favor de tentar manter esse governo. No meu caso, o que eu prefiro, e que é para mim o terceiro cenário (o primeiro é ganhar com maioria absoluta ou incluir o CDS e o segundo é ganhar com minoria), é retirar o PCP e o BE da esfera do poder. Fazer uma gerigonça entre aspas, mais à direita", explicou o ex-autarca do Porto.

E ainda acrescentou: "Eu prefiro que o PS, num cenário desses, fique livre para poder ser mais condicionado pelo PSD, em vez de ter logo um acordo escrito com o Bloco e o PCP. O que eu digo é: Podem votar no PSD que têm hipóteses de tirar o PCP e o BE da esfera do poder e para evitar a maioria absoluta do PS". Maria Flor Pedroso registou então que não serão colocadas condições. "Estou longe de saber o que é o programa do governo do PS. Mesmo que tenha coisas inaceitáveis temos sempre hipótese, diploma a diploma, de rejeitar no Parlamento", respondeu.

"Este ponto é muito importante. É um dos pontos-chave", registou Santana na sua resposta. "Sempre houve um pouco esta diferença no partido. A ideia de que devemos aproximar-nos ao PS para evitar acordos à esquerda, para moderarmos o PS. Eu não viabilizo governos minoritários do PS. Sempre fui conta o bloco central desde 1983. Considero um erro. Bloco Central, nunca! Nós vamos para ganhar", disse o ex-primeiro-ministro que se queixou de ser desagradável falar da hipótese de derrota. "Um dia, e foi isso que disse ontem, quando o PS voltar à boa prática, não é só pedir desculpa, é viabilizar primeiro um governo minoritário do PSD, podemos voltar a conversar sobre o assunto".

"E se o PSD e o CDS ganharem as eleições e não tiverem maioria absoluta, vai pedir ao PS?", quiseram saber os moderadores. "Sim, porque os partidos têm de funcionar no sistema político de acordo com as regras. A sua pergunta é hábil, mas o PS tem de voltar a demonstrar um dia que respeita as regras existentes", insistiu Santana.

O "efeito Relvas" no debate

Os dois candidatos consideram que é possível ganhar as eleições em 2019. E se não conseguirem, demitem-se? Nenhum coloca esse cenário. Mas Rui Rio deixa já um aviso contra o género de declarações – “truques e rasteiras” como as de hoje ao PÚBLICO de Miguel Relvas. “Está a abrir a porta a quem não teve coragem para ir. Se o clima dentro [do PSD] é já este, já com as rasteiras e com isto e com aquilo, estamos mal, e se eu ganhar vamos estar mesmo muito mal, porque não vou admitir uma coisa destas”, afirmou, referindo-se ao antigo número dois de Passos Coelho, ameaçando pôr a um canto no partido os que vierem com este tipo de discurso.

Questionado sobre se vai propor a expulsão de militantes, Rio disse não ser necessário e fazer de maneira a que "fiquem encurralados num cantinho". E acrescentou: “Sei fazer isto, ando nisto há muito anos. Deixe-me ganhar e vamos ver como as coisas são”, afirmou, acrescentando que Relvas até teve a coragem de dizer que o futuro líder é para dois anos mas que há outros que não o fazem publicamente.

Santana Lopes esclareceu que Miguel Relvas “não participou” na sua candidatura, mas disse ser seu “amigo”. Disse não ter lido a entrevista, embora discorde de Miguel Relvas, mas cada um é “livre” de dizer o que pensa.

O partido está bem como está?

Santana Lopes foi o primeiro a responder a esta questão para defender uma "maior ligação à sociedade, modernização tecnológica e funcionamento em plataforma (...).Ter as suas apps, trabalhar por email e não só, haver contacto directo do modo que as tecnologias permitem". A seguir, piscou o olho aos jovens: "A JSD pode ser uma grande ajuda", avançou. Santana ainda defendeu que nas regras de funcionamento do partido deve estar inscrito que só podem ser candidatos a deputados os indivíduos que nascem ou residem nos concelhos em que querem ser eleitos, além da norma da paridade nos órgãos dirigentes.

Também Rui Rio defendeu que o "funcionamento administrativo do partido tem de ser modernizado". E assumiu: "Temos de abrir o partido à sociedade. Aquilo que é fundamental é o PSD ter a sociedade cá dentro". Questionado sobre se será preciso um novo processo de refiliação, Rio afirmou que deixou tudo pronto para não haver um processo novo. Mas não fugiu a falar sobre a questão eleitoral interna: "Não vamos ser hipócritas, havia 20 mil com quotas pagas e agora há 70 mil. E dentro disto tudo, não há fenómeno de pagamento em massa? A percepção que eu tenho é que isso aconteceu. Não sei onde. Mas temos de mudar isso. Não suspeito do processo eleitoral por causa disso".

Santana aproveitou este tema para dizer que discorda das primárias e da opção de colocar os simpatizantes a escolher o líder do partido. E também falou sobre as lapas que existem no PSD. "As lapas são aqueles que se colam a todos os líderes. O que menos gosto é de feijões frades, os que têm duas caras".

É preciso rever a Constituição?

Tanto Rui Rio como Santana Lopes gostavam de uma Constituição menos marcada do ponto de vista ideológica. Para Santana Lopes deve ser mais “isenta” para permitir que cada Governo execute o seu programa. Mas não está nas suas prioridades. Rui Rio também preferia uma Constituição “mais curta”, mas abre mais a porta a alterações. “É quase impossível não mexer se quisermos fazer uma reforma do sistema. Admito fazer propostas para o sistema político e justiça e daí decorrerá onde se tem de mexer na Constituição por força dessas ideias”, afirmou.

Novo líder do PSD será indiferente para o Presidente?

Ao final da primeira hora do debate, Marcelo entra no debate. Maria Flor Pedroso e Anselmo Crespo perguntaram se o comportamento do Presidente mudará com a troca de líder do PSD. Rui Rio respondeu um pouco ao lado, dizendo que Marcelo não terá dificuldade nenhuma em lidar consigo. "Até será mais fácil. Somos diferentes. Tenho postura mais sóbria e por isso há maior complementaridade." Santana optou por dizer que "ele tem de respeitar de igual modo o que os militantes decidirem. Tem de ser solidário com o Governo e correcto com a oposição". Ainda nesta resposta, Santana repetiu o que havia dito antes no debate da TVI: "A popularidade não se contagia".

Sobre o facto de o Presidente da República estar a funcionar como seguro de vida do Governo, Santana disse apenas que "no geral tem sido solidário" como se deve fazer. Rio registou que tem havido uma evolução no comportamento, com a qual concorda. "Estou de acordo com a evolução do Presidente. Primeiro segurou bastante, depois libertou-se mais. Se ele mantivesse a postura inicial durante quatro anos, as coisas seriam diferentes. Foi uma postura política que se compreende e agora as coisas já não estão da mesma maneira."

Apoio a recandidatura de Marcelo Rebelo de Sousa

Rui Rio começou por dizer que se as eleições presidenciais “fossem amanhã” o apoio seria para o actual Presidente. Mas o mandato ainda não vai a meio e não é este líder do partido que tomará a decisão. Santana contrapôs: “Então só achas que ficas dois anos, como o Miguel Relvas”. E afirmou partir do princípio que, se for agora eleito, continuará depois do congresso de 2020. “Se recandidatar deve ter o apoio do partido”, reiterou. Rui considerou que Santana Lopes deu já o apoio a uma eventual recandidatura de Marcelo Rebelo de Sousa por este ter uma “popularidade enorme”. “Quem eu?”, ironizou Santana. Também tens alguma popularidade, riu-se Rui Rio.

Questão da procuradora-geral da República

Para introduzir o tema da Procuradoria-Geral da República, os moderadores tentaram saber se partilham da avaliação feita pela bancada do PSD, que fez a leitura política de que a posição do Governo está ligada à forma como o Ministério Público tem actuado. "Acho que não devemos fazer considerações desse tipo. Nunca falei nem nunca critiquei a justiça por processos que estão em curso. Acho que todos se devem unir para assegurar que a PGR termine o mandato com dignidade e que este intervalo que levou a avaliações sobre o seu trabalho não prejudique o resto do seu mandato. É um apelo à normalidade", explicou.

Rio preferiu dizer que "não acompanha nada nem ninguém a não ser o Presidente da República. Qual é a vantagem de estar a politizar essa questão a esta distância?". Sobre o facto de ter dito que faz uma avaliação negativa do sistema de Justiça em Portugal, Rui Rio explicou que "não é por lá estar lá a ou b" que passa a concordar que os processos estejam todos nas páginas dos jornais".

Santa Casa e Montepio

Instado a explicar porque defendeu a entrada da Santa Casa no Montepio, Pedro Santana Lopes lembrou que "a instituição faz investimentos e aplicações financeiras desde sempre. A Santa Casa fez isso antes, também em companhias de seguros." Rui Rio aproveitou para voltar a tentar colar Santana ao PS. “Aqui está uma alma gémea de Santana que é António Costa que é não ter tido a ideia”, afirmou, mostrando-se contra a participação da Santa Casa da Misericórdia numa operação do Montepio porque existe “para fazer a misericórdia e não misericórdia à banca”. Santana Lopes teve de justificar a sua decisão para pedir auditorias sobre essa eventual operação: “Tem as mais altas figuras do Estado a pedir para estudar e eu digo que não?”.

As perguntas dos ouvintes

Entrados na fase das perguntas dos ouvintes, os candidatos começaram por responder sobre se, uma vez eleitos primeiro-ministro, reverteriam medidas de António Costa. Santana disse que sim. "O facto de não apoiar a capitalização das empresas, de não aceitar que os lucros das empresas sejam aplicados". Num ponto, os dois candidatos concordaram: "Algumas medidas têm de ser alteradas. A do IRC seguramente", disse Rio.

A seguir, o tema foi a revitalização do interior. "É uma pergunta decisiva", assumiu Rio. "Ao fim desta maratona de dezenas de encontros com militantes, qual é a ideia número um? É a descentralização, as assimetrias territoriais. É o assunto que mais me colocam, sempre, em todo o lado. Aquilo que temos de fazer é uma reforma do Estado que leve a uma descentralização e desconcentração". Rio defendeu que isto terá de ser feito, contudo, através de um amplo debate público. Santana responde que esta sondagem já ele fez há muito tempo. E lançou uma farpa a Rio: "Não aprendi isto nesta campanha". Rio interrompeu: "É um perigo falar em primeiro, porque ele a seguir, na dobra, faz uns truques..." Mas Santana continuou. "Eu decidi, espalhei secretarias de Estado pelo país. É a minha orientação. Estímulos fiscais, isenções, transferir institutos. Para mim, o grande desígnio é coesão territorial. É a motivação principal".

Cannabis, prostituição e convites para o futuro

Na recta final do debate foram colocadas quatro perguntas para resposta rápida. Tanto Rui Rio como Santana admitiram que contarão com a colaboração do outro, independentemente de quem vier a ganhar as directas de sábado. Santana foi mais longe e convidou Rio para integrar a lista ao Conselho Nacional, a eleger no congresso de Fevereiro.

Relativamente à prescrição de cannabis com fins medicinais, Rio mostrou-se a favor desde que haja receita médica, o que vai contra a posição adoptada pela bancada parlamentar sobre os projectos de lei debatidos esta tarde. Já Santana disse estar em concordância com a bancada e criticou a “quase ditadura moral da esquerda” que se vive.

A legalização da prostituição foi outro tema em que os dois candidatos divergiram. Rio disse “nem ser a favor nem contra”, já Santana mostrou oposição.

Nenhum dos candidatos quis assumir se vai convidar o adversário para ministro, caso venha a ganhar as eleições em 2019. Mas os dois elogiaram as capacidades políticas um do outro. No final, Santana Lopes apelou ao voto no próximo sábado. Rio contrapôs: "Nem que seja para votar em branco". Santana Lopes aproveitou para uma farpa: "Lá estás tu com as cadeiras vazias."

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