Dúvidas sobre a sentença atrasam decisão sobre abertura de processo a Ronaldo

Chanceleres das Ordens Honoríficas, a quem cabe tomar a decisão que pode retirar condecorações ao jogador, aguardam pela chegada a Belém da sentença oficial espanhola. Presidente também está atento a uma situação considerada delicada.

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Ronaldo na chegada ao tribunal de Madrid na segunda-feira Reuters/SERGIO PEREZ

O Conselho das Ordens Honoríficas Portuguesas, que tem como grão-mestre o Presidente da República, aguarda “a versão autêntica da decisão final das autoridades espanholas” para avaliar a possibilidade de abrir um processo a Cristiano Ronaldo, que pode levar à perda das duas condecorações que recebeu de Belém.

“Depois de apurados os factos, se tal se justificar, os competentes chanceleres das Ordens Honoríficas pronunciar-se-ão, nos termos da lei”, disse ao PÚBLICO um membro da assessoria de imprensa do chefe de Estado. Em causa está a condenação aplicada a Ronaldo em Espanha de 23 meses de prisão com pena suspensa e uma multa de 18,8 milhões de euros por quatro crimes de burla fiscal que o jogador confessou.

O comportamento que levou a esta condenação pode ferir alguns dos deveres a que condecorados estão obrigados, descritos no n.º 1 do artigo 54.º da Lei das Ordens Honoríficas. São quatro: a) defender e prestigiar Portugal em todas as circunstâncias; b) regular o seu procedimento, público e privado, pelos ditames da virtude e da honra; c) acatar as determinações e instruções do Conselho da respectiva Ordem; d) dignificar a sua Ordem por todos os meios e em todas as circunstâncias.”

Em causa pode estar a violação das alíneas b) e d) e também da alínea a). Já o ponto 2 deste mesmo artigo acrescenta que “os membros honorários têm o dever de não prejudicar, de modo algum, os interesses de Portugal”, o que pode acrescentar mais uma violação dos deveres de Ronaldo. E é aqui que podem surgir os problemas para o jogador da Juventus, que foi condecorado em 2014 como Grande Oficial da Ordem do Infante D. Henrique de Portugal, era Cavaco Silva Presidente, e em 2016 com a Grã Cruz da Ordem de Mérito, já com Marcelo Rebelo de Sousa na Presidência.

Acontece que o artigo seguinte da mesma lei (55.º, Disciplina das Ordens) determina que, “sempre que haja conhecimento da violação de qualquer dos deveres enunciados no artigo anterior, deve ser instaurado processo disciplinar, mediante despacho do chanceler do respectivo Conselho”. Se a acusação “for julgada procedente, é imposta ao arguido, conforme a gravidade da falta e do desprestígio causado à Ordem, a sua admoestação ou irradiação [perda da ordem]”. Será, pois, difícil a Ronaldo escapar à abertura de um processo, mas a decisão é subjectiva, ao contrário da perda imediata da condecoração nos casos de condenação penal por crime doloso com pena de mais de três anos de prisão, como aconteceu com Carlos Cruz, no tempo de Cavaco Silva, e com Armando Vara, na semana passada.

A decisão, que será tomada após a chegada da sentença do tribunal espanhol a Belém, cabe a duas chanceleres: a Manuela Ferreira Leite, que “tutela” as Ordens Nacionais, como é o caso da Ordem do Infante D. Henrique; e a Helena Nazaré, que é a guardiã das Ordens de Mérito.

A chegada da sentença oficial espanhola – obrigatória para a tomada de decisão - é também importante porque em Belém existem dúvidas sobre o conteúdo da condenação de Ronaldo. A maioria dos jornais espanhóis e fontes oficiais da justiça daquele país dizem que Ronaldo foi condenado a 23 meses de prisão com pena suspensa e uma multa 18,8 milhões de euros. Dentro deste bolo está incluída uma parcela de 360 mil euros que permitiu ao jogador não cumprir uma pena de prisão efectiva.

Só que o jornal El Mundo escreveu que essa verba permite a Ronaldo ficar com um cadastro limpo. Uma tese que parece não fazer sentido, porque fontes do próprio tribunal espanhol disseram que o jogador “foi condenado”, sendo praticamente impossível um condenado ficar com o cadastro limpo. A própria notícia do El Mundo fala várias vezes na condenação do capitão da selecção portuguesa de futebol.

Admoestar oficialmente ou retirar os títulos honoríficos a uma “estrela” mundial e a uma figura que o Presidente da República considera como uma espécie de embaixador desportivo de Portugal é matéria considerada na Presidência como “muito delicada”. Marcelo Rebelo de Sousa e especialmente as chanceleres, a quem cabe tomar a decisão de avançar ou não com um processo, não querem tomar qualquer decisão sem que todas as dúvidas estejam esclarecidas. com Leonete Botelho

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