Mira esteve em chamas e não houve reforços nem comunicações

Cerca de 70% do concelho foi varrido pelo fogo e duas casas arderam a menos de 50 metros da câmara. SIRESP voltou a falhar.

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Adriano Miranda
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Em Mira, o levantamento ainda está a ser feito. Para já, a autarquia indica que cerca de 70% da área deste município do litoral de Coimbra terá ardido no incêndio que varreu o concelho entre domingo e segunda-feira. Durante esse período, no combate às chamas esteve apenas a corporação de Bombeiros Voluntários de Mira. O Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal (SIRESP) falhou mais uma vez.

No meio foram apanhadas casas, propriedades agrícolas, fábricas e muita floresta, mas não houve vítimas mortais. O fogo começou perto de Quiaios, no concelho da Figueira da Foz, ao início da tarde de domingo, e foi progredindo para Norte com a ajuda do vento. Antes de Mira, queimou uma larga faixa de pinhal junto da costa, destruindo parte da Mata Nacional das Dunas de Quiaios, passando também pela Tocha, concelho de Cantanhede.

Ao PÚBLICO, o presidente da Câmara de Mira, Raul Almeida, diz que 14 casas de primeira habitação ficaram destruídas, afectando um total de 34 pessoas em várias localidades do município. Sobre as casas devolutas e de segunda habitação, ainda não foi possível fazer a contabilidade.

O fogo chegou a Mira ao final da tarde. “À meia-noite tinha tudo ardido”, relata o autarca. Durante essas horas, “só mesmo os bombeiros locais de Mira e a população” combateram as chamas. O comandante dos Bombeiros Voluntários de Mira, Nuno Pimenta, refere que, na fase mais crítica, apenas os 48 operacionais da sua corporação estiveram no terreno, para cobrir uma área de 124 quilómetros quadrados. A escassos 50 metros do edifício da câmara, no centro da vila, arderam duas casas.

Quando recebeu o alerta de incêndio, o comandante estava na Lousã, a mais de uma hora de distância, a combater as chamas. “Quando vim da Lousã já vinha mentalizado que dificilmente haveria reforço. Também lá já não se estava a conseguir mobilizar”.

Falta de meios e de comunicação

Raul Almeida lamenta a gestão dos meios. “Admito que nas primeiras horas não fosse possível chegar aqui”, concede. Mas lembra as promessas de reforços do secretário de Estado da Administração Interna, Jorge Gomes, que ao início da noite lhe terá dito que “vinham dois grupos de bombeiros do Norte do país. Nunca chegou cá ninguém”.

As comunicações com o exterior falharam. “O SIRESP funcionou internamente, mas a comunicação para o posto de comando, que seria em Quiaios, bem como para o Comando Distrital de Operações não era possível, não se realizava”, relata Nuno Pimenta. Algumas das redes de telecomunicações também foram abaixo. O comandante diz mesmo que “tinha que ir a Calvão, que já é concelho de Vagos (para onde depois passaria o fogo), para conseguir telefonar” ao comandante distrital. “Pedrogão Grande já nos deveria ter dados lições”, lamenta.

O número de veículos disponível não ajudou, conta Nuno Pimenta. Um tanque tem uma avaria na caixa de velocidades e está há um mês na oficina da marca, à espera da aprovação do pagamento por parte da Autoridade Nacional de Protecção Civil. Um veículo florestal de combate a incêndio tinha tido ficado danificado na Pampilhosa da Serra, na semana anterior. Outro veículo ligeiro estava inoperacional, devido a um problema eléctrico e ainda outro estava na Lousã, a combater as chamas. Quando o fogo chegou a Mira, no quartel havia três veículos: um ligeiro, um pesado e um tanque.

Não houve tempo avisar

Enquanto houve tempo, foram evacuadas duas urbanizações na Praia de Mira, dois parques de campismo e uma unidade hoteleira. “Não tivemos tempo de mandar as pessoas sair das outras aldeias”, sendo que a GNR “só conseguiu avisar algumas localidades”, recorda o autarca.

Por volta das 20h, quando o fogo chegou ao Casal de S. Tomé, uma aldeia perto de Mira, pouco havia para fazer. “Vi fumo e ouvi estoiros”, conta Alberto Santos, de 55 anos. Como já não havia água da rede, teve de sair. Convida a entrar no que resta da casa, para mostrar os estragos causados pelas chamas. Era constituída por uma parte em tijolo e cimento e por outra em madeira. O fogo começou pela madeira e estendeu-se ao resto da habitação, destruindo-a por completo. “A casa era pré-fabricada à frente. Pegou primeiro e foi por aí fora”. “Arca, televisões, fornos, grelhas, ouro, dinheiro, roupas, mobílias”, enumera, enquanto vai apontando para os escombros carbonizados, “foi tudo embora”.

Por enquanto, ele e a mulher estão em casa do filho e por lá vão ficar “até ver o andamento”. Agora? O que resta da casa “é para pôr tudo abaixo”, não é possível recuperar a estrutura. “Se a gente tiver possibilidades e ajuda de alguém”, é reconstruir, “para poder fazer uma vida”.

A casa ao lado não só ardeu como desabou e há vestígios que ajudam a contar o que ali se passou: uma garrafa de gás aberta e deformada e uma peça do fogão do outro lado da estrada. Ali só um fragmento de parede se mantém em pé.

O vizinho teve mais sorte. “O poço é que nos safou. Ligaram a bomba e, enquanto houve electricidade, combateram as chamas, diz Policarpo Prina, duas casas ao lado. Na noite de domingo para segunda não foi à cama, lembra o homem de 65 anos que vive ali há mais de vinte. “Isto foi um inferno”, descreve, rodeado de vizinhos que repetem “um inferno”, como que atestando que a descrição não é exagerada.

No que toca às empresas, Raul Almeida diz que arderam vinte fábricas e unidades agrícolas. O pólo mais antigo da zona industrial de Mira foi dizimado. Fábricas de adubos e fertilizantes, de madeiras ou de reciclagem de plásticos ficaram integralmente destruídas. Outras sofreram danos consideráveis. Na sexta-feira à tarde ainda circulava um carro de bombeiros, com máquinas e trabalhadores a fazer intervenções de rescaldo. O ar é pesado, com o intenso cheiro a plástico queimado que ainda sai dos escombros fumegantes.

Só na terça-feira às 7h, os Bombeiros Voluntários de Mira conseguiram mobilizar meios para a zona industrial. Com os poucos meios que tínhamos, “até aí, a prioridade era defender casas”, explica Nuno Pimenta.

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