Nos 40 anos da Constituição

Ao fim de quarenta anos de grandes mudanças no País e no mundo, a Constituição de Portugal continua sendo a Constituição de 1976.

A Assembleia Constituinte foi uma expressão imediata de pluralismo de ideias e ideais e um exemplo único de cultura de debate. As circunstâncias foram difíceis, as condições de trabalho precárias, as vicissitudes que iam ocorrendo no país não podiam deixar de nela ter eco. Todavia, foi sempre possível ir avançando em comissão e em plenário.

Recordo com emoção, respeito e reconhecimento o Presidente, Professor Henrique de Barros. Figura ímpar de cidadão e de democrata, soube conduzir as sessões, coadjuvado pelos Secretários da Mesa, com imensa serenidade, cumprimento rigoroso das normas regimentais, espírito de diálogo e, quando necessário, coragem.

Presto igualmente homenagem aos Deputados de todos os partidos e evoco, com saudade, os já falecidos. Só não cito os nomes de alguns, para não ser injusto.

Releio aqui um passo da declaração de voto que assinei em 2 de abril:

“A Constituição é uma Constituição feita, sobre o acontecimento e uma Constituição de compromisso. Reflecte o traumatismo de quarenta e oito anos de ditadura e alienação e de treze anos de guerra. Reflecte o inebriante ambiente de dois anos de revolução. Produto do concurso de diversos partidos, acumula materiais aparentemente contraditórios, cuja síntese há-de encontrar-se através do esforço de políticos e juristas, e, sobretudo, através da vivência democrática dos cidadãos. Mas não é a democracia compromisso e não foi já, de per si, a Assembleia Constituinte um grande factor de integração democrática?”

Evidentemente, não seria esta a ocasião apropriada para relembrar o conteúdo da Constituição – de resto, estão já marcados cinco colóquios para o efeito, promovidos pela Assembleia da República.

Julgo, porém, que me são permitidas, até por as supor consensuais, algumas brevíssimas notas:

1) O espírito humanista, patente na proclamação da dignidade da pessoa humana como base da República; na prioridade dada aos direitos fundamentais com um catálogo sem par; na sua eficácia imediata com vinculação quer das entidades públicas e (nota original em textos constitucionais) quer das entidades privadas; em não haver suspensão dos direitos à vida e à integridade pessoal em estado de sítio ou de emergência, nem se admitir extradição por motivos políticos ou em caso de pena de morte ou de prisão perpétua; na proteção de dados pessoais, designadamente (outra novidade constitucional) quanto à informática; nas garantias judiciais dos direitos dos cidadãos.

2) O espírito humanista, traduzido igualmente no projeto de “uma sociedade livre, justa e fraterna” constante do preâmbulo; na enunciação dos direitos dos trabalhadores, entre os quais o direito à organização do trabalho em condições dignificantes de forma a facultar a realização pessoal e o direito à segurança no emprego; nos direitos das crianças, dos jovens, das pessoas com deficiência e dos idosos; na ligação dos direitos económicos, sociais e culturais a incumbências do Estado, acompanhado por formações da sociedade civil, para a sua efetivação; no direito ao ambiente; na proteção dos consumidores;

3) O sistema de governo semipresidencial, que tem permitido estabilidade institucional ao contrário do que fora o parlamentarismo da assembleia de 1911 e sem os riscos das crises ou das ditaduras de presidencialismo fora dos Estados Unidos;

4) A autonomia político-administrativa dos Açores e da Madeira, com estatutos e órgãos representativos próprios;

5) O poder local  democrático, em três níveis;

6) Como decorrência do Estado de Direito democrático um sistema completo e inovador de fiscalização da constitucionalidade.

Assim, ao fim de quarenta anos de grandes mudanças no País e no mundo, a Constituição de Portugal continua sendo a Constituição de 1976.

E ela, como trave mestra da democracia política, económica, social e cultural, está mais do que nunca enraizada na consciência jurídica geral dos Portugueses.

 

NOTA: Trecho fundamental, salvo as saudações iniciais, do discurso proferido no átrio da Assembleia da República, em 14 de abril de 2016, agradecendo, em nome dos deputados à Assembleia Constituinte, a homenagem que a Assembleia da República lhes prestou.

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