Nuno Afonso, fundador do Chega e principal adversário de Ventura, deixa o partido

“Sou patriota e a forma como posso defender o país é alertar para aquilo em que se está a tornar este partido”, diz ao PÚBLICO o vereador que se vai manter como independente em Sintra.

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Nuno Afonso, de número dois a principal opositor de Ventura Daniel Rocha

Depois de uma guerra interna de mais de um ano, Nuno Afonso, militante número 2 do Chega e o principal crítico de André Ventura, vai deixar o partido e manter-se como vereador independente em Sintra. A notícia foi avançada pelo próprio em entrevista ao Observador. Ao PÚBLICO, Nuno Afonso especificou que entregará o seu pedido de desvinculação do partido na segunda-feira, assim como a comunicação formal à Câmara de Sintra de que passa a ser vereador com estatuto de independente.

O anúncio surge a poucas horas do arranque dos trabalhos da convenção nacional do Chega, que se realiza entre esta sexta-feira e domingo em Santarém, mas Nuno Afonso diz que o timing não foi propositado. "Não foi minha intenção [roubar palco ao partido], mas se calhar é bom que aconteça nesta altura", em que o partido tem mais exposição mediática, afirma o ex-chefe de gabinete de Ventura. Aliás, admite que tencionava fazê-lo só depois da reunião magna, onde já se esperava que fosse um dos principais alvos das críticas dos delegados, uma vez que apenas os apoiantes de André Ventura foram eleitos em todas as distritais.

"[A decisão] foi mesmo por não aguentar mais, por não me rever nisto. Sou patriota e a forma como posso defender o país é alertar para aquilo em que se está a tornar este partido", aponta Nuno Afonso. Há muito que o vereador de Sintra acusa André Ventura de dirigir o partido de forma anti-democrática, procurando calar os críticos castigando-os. Um dos últimos exemplos foi a expulsão de José Dias, fundador e antigo vice-presidente do Chega, por decisão do Conselho de Jurisdição Nacional.

Mas, na prática, a faísca para a decisão da saída foi o processo das últimas semanas para a eleição dos delegados à convenção, em que a direcção de André Ventura foi colocando entraves para que a oposição não conseguisse representantes na reunião magna deste fim-de-semana. Que passou, por exemplo, por mudar as regras do processo eleitoral de forma a que as listas de delegados fossem eleitas em bloco em vez de se usar o método de Hondt.

"É necessário traçar linhas vermelhas na política. Este é um partido que não é democrático; é autocrático, totalitário. O líder faz tudo o que quer", critica Nuno Afonso. "As pessoas têm que ser alertadas", vinca.

"Não me revejo minimamente no que tem sido feito em nome do partido, na actuação dos deputados da Assembleia da República, nas cenas de violência entre as pessoas do partido ou até nas ameaças como a que foi feita ao presidente do Parlamento em que poderia, a prazo, chegar-se à violência. Nada disto faz sentido", critica Nuno Afonso. "Não me revejo em extremismos, em falta de educação, em violência, em falta de respeito pelas pessoas e pelas instituições. Faltar ao respeito na Assembleia da República é faltar ao respeito a quem elegeu todos os que ali estão."

Nuno Afonso ataca também a deriva ideológica do partido. "O Chega sempre defendeu o liberalismo na economia e agora defende o socialismo." "Não me revejo num partido que vai a eleições defendendo uma linha ideológica e semanas depois defende o seu contrário." Exemplos? Inicialmente o Chega era contra a nacionalização da TAP e agora defende a injecção de dinheiro público porque é uma bandeira para Portugal.

"Defendíamos o liberalismo na economia, a livre iniciativa dos empresários, os incentivos às empresas e agora o partido já quer taxar os lucros e impor tectos para os preços, tal e qual como o Bloco ou o PCP. O Chega era defensor da meritocracia e depois propõe que se dê subsídios durante um ano a cada português. E isto um mês depois de ter criticado o apoio dos 125 euros do Governo e defendido que se fiscalizasse como seriam gastos", recorda Nuno Afonso.

"Isto é a deriva total. E não me revejo num partido assim. A política deve ser feita de forma séria, independentemente das ideias, e construtiva."

As divergências entre Ventura e Afonso já vêm de 2021 e saltaram para a esfera pública quando o segundo subiu ao palco da convenção de Coimbra para dizer que o partido não era obra apenas de Ventura mas de toda uma equipa. A partir daí o ambiente degradou-se, levando à saída de Nuno Afonso da chefia do gabinete de Ventura na Assembleia da República. O vereador sintrense foi um dos alvos dos discursos críticos na Assembleia realizada na Batalha, onde até o termo "ratos" foi usado para o descrever.

Nuno Afonso afirma que "André Ventura pode ser oposição, mas jamais será alternativa". "Porque não há uma linha ideológica firmada, não há ideias concretas; há apenas o viver da espuma dos dias.

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