O mínimo para sermos um país: território, pessoas, solidariedade

A necessidade de uns implica a generosidade dos outros. É assim que funciona, e não de outra forma: isto é o mínimo para sermos um país.

Não basta existir há quase novecentos anos para se continuar a ser um país, porque ser um país não é um posto ganho à partida. Não basta apoiar a seleção e revelar indignações seletivas nas redes sociais. Para sermos um país mesmo há uma espécie de referendo de todos os dias que é preciso ganhar. Para sermos um país que se leva a sério, há três imprescindíveis condições para cumprir: valorizarmos o nosso território, defendermos as pessoas e a sua dignidade, sermos solidários. Isto é a basezinha da tanta vezes mal entendida soberania nacional. E estamos num momento em que é preciso voltar à base.

Comecemos pelo território de que nos calha sermos os garantes e o património que nele nos deixaram as gerações passadas. A Cruz Vermelha Internacional, a Santa Sé ou a Ordem Soberana de Malta podem dar-se ao luxo de serem sujeitos de direito internacional mesmo que não tenham território. Um país independente, não. E um país que queira ser desenvolvido não pode dar-se ao luxo de destratar o seu território como Portugal faz há décadas. Mais ainda se as alterações climáticas fizerem de todos os anos um ano atípico e cada mancha de floresta uma catástrofe à espera de acontecer. É preciso meter na cabeça uma coisa: ordenar o território vai custar dinheiro. Se queremos que o nosso território deixe de estar ocupado pela monocultura do pinheiro e do eucalipto a que alguns tiveram a desvergonha de chamar de “petróleo verde”, vai ser preciso pagar para que outras culturas que não são de curto prazo possam tornar-se mais sustentáveis. É aí, aliás, que sempre esteve o nosso verdadeiro petróleo: no azeite das oliveiras, na cortiça dos sobreiros, no vinho das videiras. Para voltar à basezinha, e para o fazer bem, vai ser preciso pagar para criar escalas de cultivo sustentáveis, para transferir conhecimento e tecnologia, para ajudar a fixar população jovem. Não é com Estado mínimo que vamos lá, e isto não é novidade. Toda a agricultura europeia é subsidiada porque caso contrário ou não seria sustentável ou não teria qualidade. Há, aliás, dinheiro europeu no FEDER para ajudar a fazer isto, como já aconteceu com o regadio no Sul do país. Mas os planos têm de partir de nós.

Passemos para o mais importante: defender as pessoas. Portugal não é um país vasto. Um governante disse que “as comunidades têm de se tornar mais resilientes”. Enganou-se naquele plural. A comunidade que precisa de se tornar mais resiliente é singular: é Portugal no seu conjunto. Isso significa que temos de reformar profundamente a proteção civil, profissionalizar os bombeiros, formar comandos regionais de operações preparados para os piores cenários, ter sistemas de comunicações de emergências a sério. Mas precisamos de criar também um Corpo de Proteção Ambiental com vocação para a prevenção, que faça aquilo que faziam os infelizmente extintos guardas-florestais, e muito mais. Custa também dinheiro, embora menos do que o item anterior. De Bruxelas vem a notícia de que estes gastos não contam para o défice, mas o que Portugal deve exigir da Europa não é isso, é outra coisa: que a proteção civil europeia não seja um mero gabinete de coordenação, mas uma agência com meios próprios, as aeronaves e os satélites de vigilância que só à escala continental fazem sentido.

Por último, nós connosco mesmos. Recuperar o interior e as zonas ardidas, impedir que estes municípios se afundem na depressão, implica como aqui já defendi um verdadeiro plano Marshall. E esse vai custar muito mais do que os 500 milhões de que aí se fala, e vai prolongar-se para lá do Orçamento para 2018 e até do mandato deste governo. É tempo de todos os partidos se sentarem para discutir, também com o resto da sociedade, o que fazer e como financiar. E isso não é só uma questão de "margem orçamental": pode mesmo implicar que as boas notícias do OE2018 não possam ser todas dadas agora. A necessidade de uns implica a generosidade dos outros. É assim que funciona, e não de outra forma: isto é o mínimo para sermos um país.

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