O que “Lisboa” uniu, Ourondo e Casegas não desistem de separar

A reforma administrativa, “feita a régua e esquadro”, agregou na mesma freguesia as populações de Ourondo e Casegas, no concelho da Covilhã. Meia freguesia não reconhece o seu presidente.

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Requalificação largo da sede da Junta, em Casegas DR
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Vista geral de Casegas, uma parte da União de Freguesias DR

Nas últimas eleições autárquicas, em Setembro de 2013, o sufrágio que ditava o fim da freguesia de Ourondo e a passagem da sede da Junta para a população vizinha de Casegas, a oito quilómetros de distância, foi marcado pela destruição da urna de voto por vários eleitores. Esta acção de protesto foi a maneira que a população encontrou para contestar aquilo a que chamaram de “agregação forçada”. À SIC, um habitante de Ourondo dizia então que o que estava em causa não era a extinção de uma freguesia, mas a "da identidade de um povo”.

A votos estava uma lista única apresentada pelo movimento de independentes “Casegas Pontes Para o Futuro”. César Craveiro era o cabeça de lista e é hoje o presidente da União de Freguesias. Habitante de Casegas, falou com o PÚBLICO pelo telefone, garantindo que a agregação “nada de positivo trouxe para estas populações”.

A população de Ourondo, que não chega às quatro centenas, acabou por ser chamada a votar de novo uma semana depois, já com fortes medidas de segurança da GNR, mas foram poucos os que nas mesas de voto apareceram. César Craveiro diz que “os métodos que Ourondo utilizou para contestar estar reforma não foram os melhores”, porque “houve atitudes menos correctas, que até vieram pôr em causa os direitos e garantias”.

O movimento que foi a sufrágio não tinha ninguém do lado de Ourondo, apesar das tentativas que foram realizadas para que isso acontecesse. “Num clima de guerrilha, não era fácil que alguém de Ourondo entrasse na lista”.

Casegas também se mostrou contra a agregação. César Craveiro diz mesmo que a freguesia fez o “trabalho de casa” para que a situação fosse revertida. Do lado de Ourondo surgiu o “Movimento Povo de Ourondo e Relvas”, bastante crítico em relação a todo o processo. O grupo de pessoas que junta a Ourondo à população anexa de Relvas, em busca pela autonomia, ainda trata a equipa de César Craveiro como o “executivo de Casegas”.

A esperança destas populações surgiu com a mudança da legislatura e a alteração de forças na Assembleia da República. Em 2015, o movimento de Ourondo escrevia, em comunicado, que lhe restava “a esperança de que o novo ciclo político traga uma nova realidade”, pedindo ao Parlamento “que respeite a identidade [de Ourondo], história e aspirações em relação ao futuro”.

Populações fora do processo

A lei que deu início à reforma administrativa, publicada em Diário da República a 30 de Maio de 2012, incluía nos princípios da reforma administrativa a “preservação da identidade histórica, cultural e social das comunidades locais”.

Conhecida como “lei Relvas”, por ter sido desenvolvida pelo então ministro-adjunto de Passos Coelho, esta reforma levou à extinção de um total de 1167 freguesias. Miguel Relvas defendia que esta era uma medida “para as pessoas e não para os políticos" e que tinha como objectivo principal a união de esforços e a redução de custos.

Quatro anos passados, o agora presidente de junta da União de Freguesias de Casegas e Ourondo lamenta que “quer os autarcas de freguesia, quer os da câmara municipal de então nada tenham feito para que isto não acontecesse”.

Durante o processo, a população foi mantida à parte. Longe de centros urbanos, as populações sentiram que “a única ligação ao Estado residia, precisamente, na sua freguesia”. Por isso, a população de Casegas e Ourondo “nunca viu com bons olhos perder independência e autonomia”.

Em 2015, o Partido Comunista levou a situação desta freguesia à Assembleia da República, numa reversão que acabou por esbarrar no parlamento. À época, tanto o parecer da União de Freguesias como o da Assembleia de Freguesia diziam que a agregação “foi uma experiência muito negativa”, tendo sido “penalizadora para ambas as populações”. No parecer era dada também a garantia de que a agregação “não aumentou a eficiência da prestação do serviço público”. Nesta União de Freguesias “não se reduziram os custos”, tendo mesmo os gastos aumentado, uma vez que “é necessário deslocar funcionários entre duas povoações que distam oito quilómetros uma da outra”.

O actual presidente de Junta acabou por ir “muito poucas vezes” a Ourondo e revela ao PÚBLICO que chegou a ser lá “ameaçado fisicamente”. Por esse motivo, a ligação entre a junta e a comunidade de Ourondo “é feita pelo tesoureiro do executivo”. Ainda assim, César Craveiro diz que, nestes quatro anos, não foi discriminado "nenhum cidadão nem nenhum lugar da freguesia”, apesar de ser “difícil gerir uma freguesia em que há tensão dos dois lados”.

Reverter “não”, corrigir “caso a caso”

No programa do actual Governo está escrito que se vão “corrigir os erros da extinção de freguesias”, uma promessa que deixou as populações à espera de uma reposição a tempo destas eleições.

A União de Freguesias de Casegas e Ourondo acabou por apoiar, no ano passado, as iniciativas do PCP e do Bloco de Esquerda que previam a reposição das freguesias. Os comunistas defendiam que deviam ser os órgãos locais a decidir quais as freguesias a repor, já o Bloco defendia a realização de referendos a nível local. O PS acabou por rejeitar estas propostas. Os socialistas defendem antes uma “reavaliação caso a caso”, mas só depois das eleições autárquicas.

Apesar de criticar uma solução feita “a régua e esquadro”, que “foi uma fraude política do governo anterior”, o ministro-Adjunto Eduardo Cabrita disse em entrevista ao PÚBLICO que “a solução não é voltar atrás”.

Com a esperança de que a situação se reverta até ao final desta legislatura (2019), César Craveiro recandidata-se para um segundo mandato. “Com surpresa”, sem nenhuma lista concorrente apresentada pelo lado de Ourondo. O movimento de independentes muda a designação e vai a votos com o nome que é o “maior objectivo” do próximo mandato: “Repor a Autonomia”. Desta vez, a lista conta também com duas pessoas de Ourondo que acabaram por aceitar o convite.

Em jeito de confissão, o presidente que já tem reeleição garantida por falta de concorrência diz “nunca ter percebido porque é que a população de Casegas e os seus eleitos foram os alvos da contestação, quando foi o Governo anterior que criou esta reforma administrativa e o parlamento que a aprovou”. O actual presidente deixou a garantia de que, no próximo mandato, “se vai continuar a lutar pela reposição da autonomia de Casegas e de Ourondo”.

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