Quando é que os partidos se tornaram monolíticos?

Pedro Nuno Santos e Francisco Assis estão em lados diferentes da barricada: um quer virar o PS à esquerda, o outro é centrista. Convergem num facto: o monolitismo partidário mata os partidos e, em última análise, a democracia.

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Francisco Romao Pereira
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Pedro Nuno Santos publicou no PÚBLICO um texto em que discorda frontalmente da orientação do PS para as presidenciais e vai ao ponto de considerar a direcção cúmplice da ascensão de Ventura, por causa de ter desertado dessas eleições. Francisco Assis elogia-lhe a coragem política e insurge-se contra as direcções monolíticas e contra os partidos compostos por pessoas “que têm como preocupação fundamental agradar aos chefes e construir as suas carreiras percebendo sempre para que lado sopra o vento”.

Pedro Nuno Santos e Francisco Assis estão em lados diferentes da barricada: um quer virar o PS à esquerda, o outro é centrista. Convergem aparentemente num facto: o monolitismo partidário mata os partidos e, em última análise, a democracia.

Afinal, quando é que as direcções dos partidos se tornaram monolíticas? Não era assim no século XX: Mário Soares teve na sua direcção António Guterres, Jorge Sampaio, Vítor Constâncio, que estavam em desacordo com o líder – e acabaram por sair, ficando conhecidos como o “ex-secretariado”. Quando Guterres ganhou as eleições a Jorge Sampaio, em 1992, os sampaístas formaram um grupo, liderado pelo ex-ministro João Cravinho, que se reunia publicamente e dava conferências de imprensa no fim, das quais o porta-voz era muitas vezes Eduardo Ferro Rodrigues, o actual presidente da Assembleia da República. Quando forma Governo em 1995, depois de dez anos de Cavaco Silva que inaugurou o monolitismo no PSD, Guterres integra os seus opositores.

A “coragem” de Pedro Nuno Santos é, de facto, um bem hoje escasso (tal como a de Sérgio Sousa Pinto). Mas olhemos para o século XX. O primeiro-ministro britânico Harold Wilson tinha como lugares-tenentes os seus opositores internos: George Brown, derrotado na primeira eleição, passa a n.º 2 do partido. Quando Brown, anos depois, se demite, os cargos de topo serão ocupados pelos também opositores internos James Callaghan e Roy Jenkins. É verdade que havia alguma conspiração contra o líder, mas genericamente a equipa funcionou. Trinta anos antes, Clement Attlee escolheu para seu n.º 2 no Governo de coligação 1940-45 Arthur Greenwood – que fez parte do gabinete de guerra – e que tinha sido o seu opositor derrotado na eleição de 1935. Herbert Morrison, o outro derrotado (mas que recusou ser líder adjunto), terá sempre um enorme poder dentro do partido e fará parte do Governo de 1945-51 com papéis centrais. Attlee acaba mesmo a convidá-lo para ministro dos Negócios Estrangeiros, para substituir o seu n.º 2 doente, Ernest Bevin. E, no entanto, Morrison tinha tentado por duas vezes derrubar Attlee – aliás, mal Attlee ganha triunfalmente as eleições de 1945, Morrison escreve-lhe a pedir que haja uma nova eleição para líder do Labour porque estava convencido de que o advogado tímido não era o homem certo para gerir a maioria absoluta: “Nada de pessoal.”

Hoje isto é história antiga, de um tempo em que os partidos detinham verdadeiro poder, estavam enraizados na sociedade, e as divergências internas não eram pecado mortal. O problema dos “yes-men” é que também são grandes obreiros da decadência dos partidos tradicionais.

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