PSD discute passado e cenário de derrota nas legislativas de 2019

Os quatro meses do Governo de Santana Lopes em 2004 e o pós-eleições de 2019 têm dominado os últimos dias da corrida eleitoral social-democrata.

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As eleições directas para a liderança do PSD, que opõem Rui Rio e Santana Lopes, realizam-se no sábado Miguel Manso

Animada pelo primeiro debate entre os dois candidatos, no dia 4, a campanha eleitoral interna do PSD tem oscilado desde então entre o passado – o Governo de 2004 liderado por Santana Lopes – e o cenário de derrota nas legislativas de 2019. Nessa altura, o que fará o PSD, no caso de o PS ter um Governo minoritário sem apoio da esquerda? Viabiliza ou chumba?

Poucos temas paralelos têm conquistado a agenda mediática. Há ainda um assunto que tem pairado na campanha: o caso da entrada da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) no Montepio. Já obrigou a candidatura de Santana Lopes, ex-provedor da SCML, a fazer um comunicado, há algumas semanas. Na passada sexta-feira, o ministro do Trabalho, Vieira da Silva, veio assumir que a ideia da participação da SCML no capital do Montepio tinha sido do Governo. Mas recordou que Santana já tinha defendido, anos antes, quando se discutia o futuro do Novo Banco, a entrada da SCML no negócio da banca. E numa altura em que o sector financeiro vivia dias muito mais atribulados. Já depois do debate na RTP, Rui Rio desafiou Santana Lopes a explicar o caso “tintim por tintim”, mas ainda não teve resposta.

Em muitos temas que têm passado despercebidos na campanha, os dois candidatos à liderança do PSD estão de acordo: são ambos contra a forma como foram feitas as alterações à lei do financiamento dos partidos, ambos projectam o crescimento económico como um desígnio do país e colocam a descentralização como prioridade. Reformas estruturais sim, são precisas, mas os dois concordam no princípio de que, até ao final da legislatura, os acordos com o PS sobre matérias estruturais são difíceis ou mesmo impossíveis.

O passado

O debate televisivo da RTP da passada quinta-feira recuou até 2004, quando Santana Lopes foi primeiro-ministro. Rui Rio queria sublinhar a ideia de que essa experiência de quatro meses correu “mal, muito mal”. Mas o ex-primeiro-ministro desafiou Rio a precisar que “trapalhadas” foram essas a que tem aludido. Rio não concretizou. Falou apenas da decisão do então Presidente da República Jorge Sampaio, de dissolver o Parlamento e convocar eleições antecipadas. Rio disse que a decisão de Sampaio acabou por ser legitimada nas urnas, quando o PS ganhou legislativas com maioria absoluta.

Dias depois foi o próprio Santana a trazer à memória episódios desse Governo, para ironizar: “Peço desculpa por uma careta de um ministro na cerimónia de tomada de posse [Paulo Portas], peço desculpa por uma dirigente não ter ficado numa secretaria de Estado e ficado noutra [Teresa Caeiro], peço desculpa não sei bem porquê, porque ninguém teve a hombridade de me dizer". É que, como lembrou Santana Lopes no debate, Rio era seu vice-presidente no partido e até o elogiou publicamente nessa altura. Nos dias seguintes ao frente-a-frente em que Santana jogou ao ataque, Rio voltou a frisar a má experiência do seu adversário como primeiro-ministro e a lembrar que, se voltar a ser candidato do PSD à chefia do Governo, essas “fragilidades” vêm ao de cima.  

O passado também esteve presente no discurso de Santana Lopes. Logo na apresentação da sua candidatura, em Outubro: não só por assumir “tudo” o que fez, mesmo os momentos “menos bons”, mas também pelas críticas que lançou às intervenções públicas de Rio em 2013, sobre o regime, nomeadamente numa conferência na Associação 25 de Abril. Essa participação haveria de voltar ao debate televisivo da passada semana. Santana puxou de uma fotografia em que Rui Rio estava ao lado do presidente da associação, Vasco Lourenço. E recordou que, com a liderança de Manuela Ferreira Leite, da qual Rio era vice-presidente, o PSD também não conseguiu vencer Sócrates nas legislativas de 2009.

O futuro

Na recta final da campanha coloca-se o cenário do pós-legislativas de 2019. Se o PS ganhar, mas não tiver apoio parlamentar para formar Governo, o que fará o líder do PSD? Rui Rio, em entrevista ao PÚBLICO e à Renascença, admitiu viabilizar esse Governo minoritário em coerência com a posição de sempre do seu partido – deixar passar o Governo e, depois, ponderar o sentido de voto “diploma a diploma”. Era o que deveria ter feito António Costa em 2015, quando a coligação PSD/CDS teve mais votos do que os socialistas, argumentou. A posição foi reiterada na entrevista desta segunda-feira à SIC, mas já com uma farpa para Santana Lopes. “Quando o meu adversário vem criticar a minha resposta, quer dizer que, se ele ganhar as eleições, ou tem maioria absoluta ou o PS é atirado para os braços da 'geringonça'”, apontou.

Rio insiste que a posição de Santana é abrir a porta a um Governo à esquerda. O ex-primeiro-ministro tem dito que é contra um bloco central antes e depois desta legislatura. Não só porque Santana Lopes considera que isso pode fazer crescer os extremismos, mas também porque acredita que, admiti-lo, seria um reconhecimento antecipado de derrota eleitoral. Foi isso mesmo que disse horas depois da entrevista de Rio à SIC, numa iniciativa de campanha em Vila Nova de Gaia. “Não posso conceber que um candidato à liderança de um partido comece a dissertar sobre o que fará se perder as eleições, que são daqui a ano e meio. Não tem pés nem cabeça”, criticou.

A posição do futuro líder do PSD no cenário do pós-legislativas assenta no pressuposto de que se mantém no cargo após uma derrota eleitoral. Resta saber se o PSD lhe perdoaria tal derrota, assim como o que o PS faria se o desaire fosse de António Costa. Sem um ou ambos protagonistas, o jogo certamente não será o mesmo.

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