Ribeiro Telles quer abrir portas internacionais para a CPLP

Com uma certificação internacional junto do BAD e da União Europeia, a CPLP pode ganhar um novo fôlego financeiro, diz Francisco Ribeiro Telles, novo secretário-executivo da comunidade.

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Francisco Ribeiro Telles toma posse neste sábado como secretário-executivo da CPLP Miguel Manso

Francisco Ribeiro Telles, que este sábado toma posse como o primeiro português secretário-executivo da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), é visto por deputados e diplomatas como alguém com perfil para dar uma “lufada de ar fresco” à organização.

Mas quando atende o telefone em Roma, onde até sexta-feira era embaixador de Portugal, o diplomata apressa-se a dizer que a sua função é “executar o programa” de Cabo Verde — que neste momento tem a presidência rotativa da CPLP — e que o seu mandato só tem dois anos, metade do previsto pelos estatutos. “Não tenho um programa. O meu programa de acção é o que foi definido por Cabo Verde e, por isso, a minha principal preocupação será pugnar pela sua implementação”, diz Ribeiro Telles.

O tema escolhido pela presidência cabo-verdiana (2018-2020) é “As pessoas, a cultura e os oceanos”, “uma síntese feliz dos traços identitários da CPLP”, diz o novo secretário-executivo. Traduzindo: “Como aproximar a CPLP dos cidadãos, como projectar a língua portuguesa no mundo, e os oceanos, porque somos nove Estados marítimos, temos 2,5% da superfície marítima do planeta e este é um tema da agenda mundial.”

Ribeiro Telles, que tem 65 anos e entrou no Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) em 1983 — vindo do Serviço Nacional de Parques, onde era ornitólogo — trabalhou como diplomata em Angola, Brasil e Cabo Verde e acompanhou o dossier de Timor-Leste como chefe de gabinete de Jaime Gama, ministro dos Negócios Estrangeiros nos anos 90. Em Portugal e noutros países do “clube lusófono”, é visto como um “candidato natural” a secretário-executivo da CPLP. Nestes 35 anos de MNE, foi assessor diplomático nos palácios de São Bento e de Belém (em mandatos de Mário Soares) e conheceu a fundo quatro países da comunidade.

É preciso actualizar e repensar a CPLP? “Não é preciso repensar a CPLP. A comunidade tem uma nova visão estratégica, que saiu da cimeira de Brasília”, diz Ribeiro Telles. “A análise e o diagnóstico estão feitos. O importante é começar a implementar medidas e projectos concretos em relação à nova dinâmica.”

Os princípios orientadores dessa “nova dinâmica” estão na Declaração de Brasília, assinada pelos chefes de Estado e de Governo na cimeira de 2016. O texto prevê uma Nova Visão Estratégica da CPLP para 2016-2026 e o “reforço da actuação” em três pilares ao longo da década: concertação político-diplomática, cooperação e promoção da língua. Mais de meio ano foi logo perdido: só oito meses depois é que o Conselho de Ministros da CPLP aprovou o “caderno de encargos” operacional.

Além disso, muitas das 56 “iniciativas e acções” previstas no Documento de Operacionalização da Nova Visão Estratégica, aprovado em Julho de 2017, são genéricas. Uma acção é “reflectir” (sobre a criação de procedimentos), outra é “fortalecer” (intercâmbios), outras “aprofundar” (“o conhecimento mútuo”) e “fomentar” (“o estudo da língua”). Mas uma das 56 acções é “identificar objectivos realistas” para as presidências rotativas.

Inspirado nesse documento e nesse apelo ao realismo, Ribeiro Telles vai tentar obter a certificação internacional da CPLP junto de organizações como o Banco Africano do Desenvolvimento (BAD) e a União Europeia (UE) para a comunidade poder concorrer como bloco a financiamentos e fundos que essas organizações têm para projectos de cooperação e desenvolvimento. “A CPLP tem que se afirmar mais no plano internacional”, diz o embaixador. “Estabelecer parcerias com outras organizações internacionais dará fôlego financeiro à CPLP. O processo de certificação é longo e complexo, mas vale a pena tentar. Com esse certificado, as organizações têm mais facilidade a candidatarem-se a fundos do que um Estado a nível bilateral. A Commonwealth e a Francofonia têm esta certificação internacional e tiram vantagem disso. O Instituto Camões também tem. Não há razão para a CPLP não ter.”

“Promover a visibilidade da CPLP” é outras das 56 acções da nova estratégia e, em 2017, os governos dos nove deram ao Secretariado Executivo a tarefa de diversificar as “fontes de captação de recursos” para a comunidade, “desde contribuições voluntárias à negociação de financiamentos para projectos”. A certificação internacional seria uma forma de responder a esse objectivo.

“Vou estudar e ver como podemos começar a abrir a porta neste sentido, ver até que ponto podemos implementá-lo num futuro próximo. O que sabemos é que sem a certificação internacional há projectos que neste momento estão vedados à CPLP.”

Ribeiro Telles entra em funções a 1 de Janeiro e o seu primeiro acto oficial é nesse mesmo dia: a tomada de posse do Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, em Brasília.

As regras da CPLP obrigam a que o novo secretário-executivo tome posse perante a presidência em exercício. Por isso, e para aproveitar o facto de o Presidente de Cabo Verde estar em Portugal, a cerimónia é este sábado, na sede da CPLP, no Palácio dos Condes de Penafiel, no centro histórico de Lisboa. A assistir, estarão também os Presidentes de Portugal e de São Tomé e Príncipe e os chefes da diplomacia de Angola, Cabo Verde e Portugal.

“Há quem diga que a CPLP tem feito pouco, mas na maioria dos casos as críticas são injustas”, diz Ribeiro Telles. “A CPLP tem 22 anos, é uma organização jovem.” A Commonwealth nasceu em 1931, a Organização dos Estados Ibero-americanos em 1949 e a Organização Internacional da Francofonia em 1970. “A CPLP está a fazer o seu caminho”, diz o diplomata. “Cada vez há mais a percepção de que a CPLP pode vir a ser muito importante para a política externa. Ter 19 observadores associados — mais dez do que os Estados-membros — é a prova.”

Nos primeiros 20 anos, a CPLP teve sete observadores associados (Maurícias, Guiné-Equatorial, Senegal, Geórgia, Japão, Namíbia e Turquia). Mas nos últimos quatro aumentou para 19: em 2016 entraram quatro (Hungria, República Checa, República Eslovaca e Uruguai) e em 2018 mais nove (Luxemburgo, Andorra, Reino Unido, Argentina, Chile, França, Itália, Sérvia e Organização de Estados Ibero-Americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI). “São países dos quatro continentes e mesmo na Europa sete quiseram ter este estatuto. Uma das coisas que eu quero — na sequência do trabalho da minha antecessora Maria do Carmo Silveira — é saber até que ponto esses países associados podem ser úteis à CPLP. O que é que eles podem dar à CPLP e o que é que a CPLP lhes pode dar?”

A língua “será sempre a matriz identitária da CPLP”, diz o novo secretario-executivo. “Mas a realidade de 1996 é muito diferente da actual. A nova escala introduz uma dimensão económica que não foi pensada no momento da constituição: 50% dos recursos petrolíferos descobertos na última década estão nos países da CPLP; em meados deste século, Angola, Brasil, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe vão representar 30% da produção mundial de hidrocarbonetos, equivalente à produção do Médio Oriente; as perspectivas não são despiciendas para o próprio futuro do Porto de Sines [em Portugal], como plataforma de entrada do gás com destino a uma Europa que não quer estar tão dependente do petróleo russo. Estes são dados objectivos que podem projectar a CPLP para outros patamares.”

O mandato de Ribeiro Telles acaba em 2021. É por essa altura que o conselho de ministros da comunidade fará o primeiro “exame” à implementação das 56 acções previstas. Se correr bem, ajudará à festa do 25.º aniversário da CPLP.

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