Selminho alega que, "no limite", terrenos na Arrábida são seus "por usucapião"

Advogados da imobiliária de Rui Moreira e da sua família defendem que, "no limite", a empresa "adquiriu o direito de propriedade" sobre os 2260 metros quadrados de terreno "por força da usucapião, com efeitos reportados à data de Julho de 2001".

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Familia de Rui Moreira quer construir nos terrenos da Calçada da Arrábida ADRIANO MIRANDA

A empresa imobiliária Selminho de Rui Moreira e seus familiares reivindica em tribunal o direito de propriedade do terreno da Calçada da Arrábida "por usucapião", mesmo que fique provado que o terreno é propriedade da Câmara do Porto.

Em Junho passado, a Câmara do Porto apresentou uma acção judicial em tribunal na qual pede a declaração de nulidade da posse do terreno na Calçada da Arrábida pela Selminho.

Segundo a Lusa, que esta quinta-feira consultou a acusação, entretanto, apresentada pela Selminho em tribunal, os advogados da imobiliária alegam que, "no limite", a empresa "adquiriu o direito de propriedade" sobre os 2260 metros quadrados de terreno "por força da usucapião, com efeitos reportados à data de Julho de 2001".

O PÚBLICO pediu uma reacção aos partidos políticos sobre o entendimento dos advogados da imobiliária neste processo e todos convergem na mesma direcção.

O socialista Manuel Pizarro afirma que, “ao longo de todos estes anos, quem tratou o terreno como se fosse coisa sua, procedendo, designadamente, à sua limpeza e não cobrando esse serviço a ninguém, foi a Câmara Municipal do Porto, o que quer dizer que a autarquia, apesar das insuficiências do registo da propriedade - recorde-se que tinha um duplo registo -, tratou o terreno como se fosse propriedade municipal e não cobrou esse serviço de limpeza a ninguém”.

O independente Álvaro Almeida, que liderou a candidatura do PSD, é taxativo: “Espero que a câmara, na sua defesa, deixe claro que, durante este período, várias vezes foi chamada a limpar o terreno e, por isso, nunca deixou de assumir a sua posse”. Por outro lado, o professor asociado da Faculdade de Economia da Universidade do Porto frisa que “seria muito mau se uma empresa do presidente da Câmara do Porto acabasse por ficar com um terreno que é propriedade do município”.

O rosto da candidatura do BE à Assembleia Municipal do Porto nas eleições autárquicas de Outubro, João Semedo, aborda questão numa perspectiva jurídica, embora considere que o “problema é sobretudo político”.

"Não me surpreende que a Selminho ponha os seus advogados a defender os seus interesses. Surpreende-me é a argumentação a que recorrem e que classifico como infantil e caricata: um erro camarário como o invocado - os anos em que a Câmara do Porto não reclamou os terrenos como seus - não pode ser corrigido por outro erro - aceitar que os terrenos são legitimamente da Selminho”, argumenta João Semedo.

Ao PÚBLICO, o antigo deputado do Bloco declara que “é inaceitável que Rui Moreira ou qualquer outro vereador - desde logo Manuel Pizarro, por liderar há uns meses, mesmo que frouxamente, a oposição no executivo municipal -  não terem ainda proposto e aprovado a anulação do acordo feito entre a Câmara do Porto e a Selminho, acordo que é ilegal e fruto do abuso de funções por parte de Rui Moreira, com o silêncio cúmplice dos vereadores do PS, do PSD e do grupo do presidente”. E conclui: “Isso só não me surpreende porque não tenho ilusões sobre o respeito que (não) lhes merece o interesse público sempre que esteja em causa qualquer interesse particular, sobretudo material."

Já a comunista Ilda Figueiredo diz que “não se entende a posição dos advogados da Selminho, tendo em conta que a limpeza do terreno foi sempre feita pela autarquia e não pela imobiliária da família de Rui Moreira”.

A acção da Câmara do Porto contra a Selminho e contra o casal que vendeu o terreno à imobiliária em 2001 -  dois meses depois de o ter registado em Montalegre, - surge depois de o PÚBLICO revelar, em Maio, que um técnico superior da autarquia andou a estudar os direitos de propriedade dos terrenos onde a Selminho quer construir na Calçada da Arrábida, concluindo que uma parcela de 1661 metros quadrados que integra a área apresentada para construção é, afinal, municipal.

De forma a esclarecer a "existência ou inexistência de direitos de propriedade conflituantes sobre o mesmo imóvel", o município pediu um parecer externo, que ficou concluído em Fevereiro e recomendava à autarquia que intentasse no tribunal uma "acção de simples apreciação" para "dirimir o conflito entre direitos de propriedade exclusivos".

Nesse parecer, a que Lusa teve acesso, os advogados Pedro Alhinho e João Faria notam que, "a comprovarem-se verdadeiras as declarações" do casal que vendeu o terreno à Selminho, "teria decorrido o tempo necessário à aquisição da propriedade por usucapião e inerente inscrição do prédio no registo predial", pelo que a compra da Selminho "seria também válida e legal".

Se as declarações "não forem verdadeiras", então "não terá havido aquisição por usucapião, sendo a escritura de justificação nula e ineficaz" e "a transmissão subsequente considerar-se efectuada por não proprietário", acrescentam.

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