Concessão de nacionalidade aos netos de portugueses: um atraso inaceitável

Esperemos que o governo recue, fazendo disciplinar as normas bastantes e necessárias para que os nossos descendentes possam, finalmente, beneficiar.

A falta de actuação do poder executivo na expedição de normas regulamentares e complementares necessárias à lei que concedeu o direito à nacionalidade portuguesa aos netos de portugueses que a pretendem obter afigura-se como incompreensível e inaceitável por aqueles que lutaram para a sua aprovação e para os que desejam beneficiar da referida concessão legal.

Tendo sido aprovada pela Assembleia da República em 29 de Maio do ano passado, acabou por ser sancionada pelo Presidente da República e publicada no Diário da República de 29 de Julho de 2015, devendo, segundo disposto na própria lei, ser regulamentada até 29 de Agosto do mesmo ano, ou seja, 30 dias após.  Inexplicavelmente, depois de mais de um ano da sua aprovação, o Governo nada fez para que a mesma entrasse em vigor, fazendo com que os consulados de Portugal espalhados pelo mundo continuem a proibir o direito ao uso da nova lei, por falta dessa regulamentação e instruções complementares.  

Eu fui o autor da primeira medida em favor dessa concessão, quando presidia o Conselho Permanente das Comunidades Portuguesas, apresentei a Recomendação n.º 14/98, aprovada por unanimidade pelo referido órgão, e que visava a concessão do direito à nacionalidade portuguesa aos netos de cidadão ou cidadã portugueses.  Lamentavelmente, o Governo à época fez ouvidos de mercador ao pleito do CCP e nada foi obtido. Posteriormente, diante do silêncio do poder executivo e quando cumpria o mandato de deputado da Assembleia da República, apresentei o Projecto de Lei n.º 544/IX, em 2004, visando levar a iniciativa à decisão do Parlamento. Não tendo conseguido o andamento necessário à sua aprovação, o mesmo acabou por ser arquivado no final de 2005, em razão da interrupção do mandato governamental, por iniciativa do então Presidente da República, dr. Jorge Sampaio.  As queixas e as manifestações de desânimo, por parte de muitos milhares de cidadãos que já se estavam preparando para obterem os benefícios que a nova lei poderia lhes dar, foram tão expressivos que o Governo encaminhou uma iniciativa visando a referida concessão, mas pecou a Assembleia da República, ao aprovar que os beneficiários da nova lei apenas poderiam obter a nacionalidade portuguesa por naturalização. Ora, tal concessão, dessa forma, acabou por constituir uma discriminação chocante, considerando que um neto de portugueses, que adquiriu a nacionalidade através de seus progenitores tem o direito à nacionalidade de origem, ou seja, idêntica a um nato, enquanto o neto que a adquirisse directamente, sem a interferência dos pais, apenas conseguiria a nacionalidade por naturalização, com todas as restrições previstas em lei.  A aberração jurídica fica caracterizada pelo facto de que o Estado português adopta o princípio do jus sanguinis para a concessão de nacionalidade e um neto de português que tenha adquirido a nacionalidade de seu pai ou de sua mãe e outro, que a tenha adquirido directamente de um de seus avós, possui o mesmo vínculo sanguíneo, não sendo admitida tal discriminação.

 A falta de agilidade e até desídia por parte das autoridades administrativas neste caso vem causando sérios prejuízos ao exercício da lei, já tendo, inclusive, falecido muitos dos que pretendiam beneficiar da mesma, como, por exemplo, no Brasil, o ex-senador António Ermírio de Moraes, ex-presidente do Grupo Votorantim, e que presidiu durante muitos anos à Beneficência Portuguesa de São Paulo, que era neto de portugueses e que desejava, ardorosamente, segundo suas próprias declarações, adquirir a nacionalidade portuguesa de acordo com a nova lei.  

Pela ameaça do reenvio do instrumento legal à Assembleia da República, para proceder a alterações, devemos insurgir-nos, pois certamente será mais uma tentativa de restringir o direito já outorgado, criando embaraços sem justificação.  Já basta que o texto aprovado restringe a concessão da nacionalidade ao neto que não comprovar que sabe ler e escrever o português, que, em princípio, não deveria existir em razão do princípio do jus sanguinis, mas que, enfim, é aceitável como uma forma de ligação à pátria; e outras exigências, como ter visitado o país recentemente, o que é discriminatório, pois acaba por dificultar o exercício do direito àqueles que possuem poucos recursos.

Esperemos que o Governo reflicta e recue de sua pretensão, fazendo disciplinar as normas bastantes e necessárias para que os nossos descendentes possam, finalmente, beneficiar do que, a tão duras penas, foi conseguido.   

Ex-Deputado da Assembleia da República, ex-Presidente do Conselho Permanente das Comunidades Portuguesas

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