Homicídio desta madrugada eleva para dez número de mulheres mortas desde o início do ano

Homícidio, em contexto de violência doméstica ou de género, ocorreu perto da meia-noite na Golegã. Ficou ferido ligeiramente um homem que acompanhava a vítima mortal

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Sobe para dez o número de vítimas mortais de violência doméstica ou de género desde o princípio deste ano. Desta vez, aconteceu na Golegã, no distrito de Santarém. Um homem matou a ex-mulher desferindo-lhe um ou mais tiros de caçadeira.

O alerta soou oito minutos antes da meia-noite de domingo. Segundo fonte da Polícia Judiciária, o crime ocorreu no parque de estacionamento, à saída da danceteria São Martinho, um velho estabelecimento situado junto à Estrada Nacional 118.

O suspeito, de 62 anos,​ terá aguardado algum tempo, com discrição, pela vítima. Ao ver a ex-mulher, de 53 anos, residente na Chamusca, sair acompanhada, fez pelo menos dois disparos de caçadeira, atingindo-a nas costas.

De acordo com fonte do CDOS de Santarém, quando os bombeiros chegaram, Ana Maria Silva “estava em paragem cardiorrespiratória”. Ainda foram “efectuadas manobras de reanimação”, mas sem qualquer resultado. O óbito foi declarado no local. 

O homem que acompanhava Ana Maria Silva ficou ligeiramente ferido. Como estava a “sentir-se mal”, foi levado para o Hospital de Abrantes. 

A Polícia Judiciária esclarece que o suspeito, um empregado fabril, desde a separação residente em Torres Vedras, já foi detido.​​ Num primeiro momento, fugiu do local. Refugiou-se em casa de uma irmã. A GNR deteve-o volvidas algumas horas.

O homem, que responde por dois crimes de homicídio, um na forma consumada e outro na forma tentada, passou a noite no posto da GNR da Golegã. Deve ser presente às autoridades judiciais para que lhe sejam decretadas medidas de coacção. 

Segundo a PJ, o homicídio ocorreu "no seguimento de um conjunto de ameaças que vinha fazendo". Já havia registo de violência doméstica, que o Código Penal consagra quando existem “maus tratos físicos e psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais (...) a pessoa de outro ou do mesmo sexo” com quem o agressor “mantenha ou tenha mantido uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem habitação”. 

Entre o início de 2004 e o final de 2018, o Observatório das Mulheres Assassinadas, dinamizado pela UMAR — União de Mulheres Alternativa e Resposta, recolheu notícias sobre a morte de 503 mulheres em contextos de violência doméstica ou de género.

Fazendo uma conta simples, obtém-se uma média anual de 35. Os números, porém, variam muito de ano para ano. Em 2018 houve notícia de 28 mulheres mortas.

Esta forma de contagem peca por defeito. Nem todas as mortes são objecto de notícia. E nem todas as facetas da violência doméstica ou de género são alvo de notícia.

 “Os estudos que fizemos mostram que há muitas mulheres que se suicidam após terem sido sujeitas a longos períodos de violência. Não conseguem aguentar e há um momento em que se suicidam”, explicou em Janeiro Manuel Lisboa, director do Observatório Nacional de Violência e Género da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.

É no Verão, nos meses de Julho, Agosto e Setembro, que tendem a acontecer mais homicídios desta natureza. Sempre que é questionada sobre este facto, a responsável pelo Observatório das Mulheres Assassinadas, Elisabete Brasil, menciona o aumento de tempo livre, o prolongamento do contacto directo entre vítima e agressor, a agudização dos conflitos.

Agora, é Inverno. E alguns especialistas, como Sofia Neves, investigadora do CIEG, ISCSP/UL, docente do Instituto Universitário da Maia e presidente da Associação Plano i, alertam para estudos que remeterem para uma associação entre mortes e cobertura noticiosa desajustada, isto é, para um eventual efeito mimético.

“A cobertura noticiosa é importante para que a opinião pública seja informada e possa ter uma atitude preventiva, mas tem de obedecer a alguns critérios”, diz ao PÚBLICO Sofia Neves. Esses passam por “uma linguagem que seja objectiva, que não seja culpabilizadora da vítima, que não propague um sentimento de impunidade”.“Temos visto uma certa romantização, o que acaba por não contribuir para que se esclareça o que está na origem desta violência, que é a desigualdade na relação de poder entre vítima e agressor”, lamenta. 

Diversos estudos mostram que o enfoque excessivo no que corre mal ajuda a criar uma sensação de impunidade nos agressores e uma sensação de impotência nas vítimas. Aquela investigadora julga, por isso, importante falar não só no que está a falhar, mas também nas respostas que existem, no que está a funcionar, para que as vítimas sintam que têm forma de quebrar o ciclo de violência. Há uma rede de serviços espalhada pelo país fora.

Um estudo publicado em Novembro pela Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC), feito com base na análise a 432 peças transmitidas na RTP 1, RTP 2, SIC e TVI entre 2013 e 2015, sublinha que há “pouco investimento na problematização deste fenómeno social” e escasso “rigor informativo”. E isso propaga “estereótipos das relações de género na intimidade”.

Quase metade das notícias (41,7%) apresenta “motivos” para a violência. Dois terços das que o fazem remetem para o “fim de uma relação” e ou para a existência de “um relacionamento conflituoso”. Ainda que em menor percentagem, ainda há jornalistas que evocam uma suposta “natureza passional”, como se em causa estivesse um amor excessivo e não uma forma de abuso, um crime público.

Na opinião de Sofia Neves, está na hora dos responsáveis pelos principais órgão de comunicação social se sentarem à mesa e definirem linhas orientadoras de cobertura noticiosa de violência doméstica e de género. Ocorre-lhe, a esse título, o exemplo que Espanha, que desenvolveu diversos guias.

Com Andreia Friaças

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