Enfermeiros em greve devem ficar sem salário durante todo o período da paralisação

Pontos-chaves do parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República que foi homologado pelo primeiro-ministro.

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Reuters/Pedro Nunes

Greve é "ilícita" porque forma como ocorreu foi “surpresa”

A primeira paralisação, que decorreu entre 22 de Novembro e 31 de Dezembro em cinco centros hospitalares, revelou-se uma “greve parcial sectorial” e “rotativa”, sem que isso fosse perceptível no pré-aviso feito pelos dois sindicatos que a decretaram. Pela “surpresa que constituiu a forma como ocorreu”, face ao que constava no aviso prévio, foi considerada “ilícita”. As ausências dos grevistas "não foram contínuas", tendo "cada um dos enfermeiros que aderiu à greve não comparecido ao serviço de forma intermitente, em dias interpolados", de maneira a inviabilizar a realização de cirurgias. 

Greve foi sectorial e rotativa

A greve “cirúrgica” foi uma greve "parcial sectorial" porque as ausências ao trabalho se concentraram num sector específico, os blocos operatórios, lê-se nas conclusões. O protesto inclui-se também “na área das denominadas greves rotativas ou articuladas” porque os elementos que compunham a equipa necessária para a operacionalidade do sector atingido “faltaram alternadamente, inviabilizando assim o funcionamento da equipa”. Nas greves sectoriais, observa o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (PGR), deve constar do aviso prévio a identificação dos sectores que vão ser atingidos e, nas greves rotativas, o modo como se irá processar essa rotatividade. Nada disso aconteceu neste caso. A "ausência de qualquer indicação sobre o tempo e o modo como a greve se vai desenrolar" resulta num" incumprimento do dever de informação que tem como consequência a ilicitude da greve", conclui.

Grevistas devem ficar sem salário de todo o período da greve

As consequências, para os grevistas, da ilicitude da greve são várias. O conselho defende que os descontos nos salários não se devem ficar pelo período em que cada enfermeiro fez greve, mas abranger os períodos em que os serviços estiveram paralisados, em resultado da acção “concertada”. Isto porque a “desproporção” entre os prejuízos causados e as perdas salariais dos trabalhadores em greve “não deve ser admitida”. Mas há mais: além de faltas injustificadas e processos disciplinares, os grevistas podem ser civilmente responsabilizados (com eventual pagamento de indemnizações), caso tenham resultado danos da paralisação. Também os dois sindicatos podem ser civilmente responsabilizados pelos prejuízos causados.

Financiamento posto em causa

Também a forma de financiamento, com uma recolha de donativos através de uma plataforma de crowdfunding, é posta em causa, ainda que não seja considerada ilícita por si só. Neste ponto, o Conselho Consultivo da PGR é mais cauteloso. A forma de financiamento é questionada porque “não é admissível que os trabalhadores aderentes a uma greve sejam compensados através da utilização de um fundo de greve que não foi constituído nem é gerido pelos sindicatos que decretaram a greve”.

Donativos ilícitos?

Na parte relativa ao financiamento, pode vir ainda a apurar-se que há donativos ilícitos, frisa-se, notando que também isto pode provocar a ilicitude da greve. Acresce que, nas operações de crowdfunding, os titulares das plataformas de financiamento "são obrigados a preservar a confidencialidade dos dados" fornecidos pelos doadores. Assim, se estes não abdicarem do anonimato, não será possível controlar a origem dos donativos, alega o conselho. "A ilicitude desses donativos poderá estender-se à greve por eles subsidiada, caso se demonstre que estes, pela sua dimensão ou outras circunstâncias, foram determinantes dos termos em que a greve se desenrolou", sustenta.

Greve "self service"? Não

Quando pediu o primeiro parecer, o Ministério da Saúde argumentou que, durante 40 dias seguidos, o período da greve inicial, cada enfermeiro aderiu ao protesto "quando quis e pelo tempo que entendeu". E perguntou ao Conselho Consultivo da PGR se não se estaria, assim, perante uma greve "self service" ou então uma "greve trombose", alegando que paralisar os blocos operatórios inviabiliza toda a actividade da área cirúrgica. Mas o conselho considerou que não se tratou de uma greve "self service", porque as faltas não resultaram de “uma vontade individual, espontânea e desalinhada de cada trabalhador, mas sim de acção combinada para conseguir um mínimo de faltas e, por isso, de sacrifício patrimonial” dos grevistas.

Parecer pode servir para travar outras greves

O Governo foi mais longe do que a PGR na questão do financiamento da greve, ao considerar que nenhum sector da Função Pública  poderá avançar com greves baseadas neste modelo de financiamento. O primeiro-ministro invoca as conclusões do parecer quanto à “ilicitude” de um fundo de greve constituído mediante o recurso a financiamento colaborativo para apoiar os grevistas, considerando-as de “extraordinária importância” "não só para o sector da saúde, mas para todos os sectores da Administração Pública”. António Costa homologou o parecer na parte que se refere à invulgar forma de financiamento e informou a PGR “para os efeitos tidos como convenientes”.

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