Mais de cem personalidades apelam ao fim das PPP na Saúde

Signatários, figuras de áreas da medicina à cultura, enviam apelo a deputados para que nova Lei de Bases da Saúde deixe claro que gestão de hospitais do SNS será "exclusivamente pública".

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Paulo Pimenta

São figuras marcantes em áreas da medicina à cultura, passando pela política. Mais de cem personalidades fizeram um apelo aos deputados da Assembleia da República para que a nova Lei de Bases da Saúde faça uma “inequívoca” distinção entre os sectores público e privado, terminando com a possibilidade de existirem parcerias público-privadas (PPP) na saúde.

A missiva, a que o PÚBLICO teve acesso, e que conta com 125 subscritores, já seguiu para o Parlamento ao cuidado dos deputados que fazem parte do grupo de trabalho criado para discutir os vários projectos e a proposta de lei e que se reúne esta quarta-feira para dar início ao processo de análise. O apelo, adianta Cipriano Justo, um dos elementos fundadores deste grupo de personalidades ligadas fundamentalmente à esquerda, “foi também enviado ao primeiro-ministro, ministra da Saúde, ao presidente da comissão parlamentar de Saúde e presidentes dos grupos parlamentares”.

Na lista dos subscritores estão nomes tão variados como os dos médicos Daniel Sampaio, José Manuel Boavida e Ana Campos, dos políticos Ana Gomes, Manuel Alegre, Rui Tavares e Francisco Louçã. Entre as personalidades signatárias estão também António Manuel Arnaut — filho de António Arnaut, conhecido como o "pai do SNS" —, o presidente da Associação 25 de Abril Vasco Lourenço, D. Januário Torgal Ferreira, o antigo líder da CGTP Manuel Carvalho da Silva e o actual Arménio Carlos. Na área da cultura, para dar alguns exemplos, o apelo conta com o apoio da actriz São José Lapa e do músico Mário Laginha, assim como de Pilar del Rio, viúva do prémio Nobel da Literatura José Saramago.

O apelo que deixam é claro: que não seja possível a gestão de hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS) por privados e propõem uma formulação para a lei que vier a ser aprovada, a de que “a gestão dos estabelecimentos públicos de prestação de cuidados de saúde seja exclusivamente pública”. Na carta — onde referem que o actual contexto político “é particularmente favorável ao estabelecimento de fronteiras precisas entre os sectores público, privado e social” —, os signatários rejeitam o argumento que defende a existência de PPP e assenta em ganhos de eficiência em relação à gestão pública.

“A gestão pública é de cobertura universal. [Os hospitais] aceitam toda a categoria de problemas, inclusivamente a hospitalização social. Os hospitais públicos têm obrigação do ensino e estágios e as patologias mais complexas. A gestão privada tem a obrigação de fazer uma cobertura contratual, ou seja [estas unidades] oferecem o que contratam com o Estado”, afirma Cipriano Justo, que salienta que a falta de autonomia — que “as PPP não têm” — na gestão pública limita a capacidade de resposta e eficiência do SNS.

"Clarificar as fronteiras"

Há também “uma questão de princípio” que o também médico e professor de saúde pública diz existir. “Uma PPP não é pro bono. A questão que colocamos é se é legítimo que os impostos dos contribuintes sirvam para os privados terem uma mais-valia na prestação de cuidados de saúde.”

Cipriano Justo considera que “a partir da altura em que se tornou possível que o privado começasse a gerir o público, de alguma maneira os governantes encostaram-se um pouco a isso e não investiram no desenvolvimento e numa resposta atempada no SNS”.

“Não há nada como clarificar as fronteiras”, diz, referindo que não se trata de se estar contra o sector privado. “Tem as suas respostas, oferta de cuidado e clientes e tem uma outra missão de complementar. Sempre que o serviço público não consegue dar resposta pode socorrer-se da iniciativa privada e social. Agora, a iniciativa tem de andar pelos seus pés e não se aproveitar do sector público para crescer e se afirmar”, afirma Cipriano Justo.

Do regresso ao público aos novos contratos com privados

Actualmente estão em vigor quatro parcerias público-privadas (PPP) em hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Mas nem todas terão o mesmo desfecho. Pelo menos para já.

A primeira a terminar foi a do Hospital de Cascais, no final de 2018, em que o Governo conseguiu prolongar o contrato com o Grupo Lusíadas Saúde até 2021. Este tempo permitirá o lançamento de um novo concurso público para uma nova PPP, que será lançada até meados deste ano, de acordo com informação que a Administração Regional de Saúde (ARS) de Lisboa e Vale do Tejo deu ao PÚBLICO em Janeiro deste ano.

No Hospital de Braga, ainda sob a gestão do Grupo Mello Saúde, a PPP termina a 31 de Agosto. Sem um acordo para o prolongamento do contrato, a unidade vai passar para a gestão pública. Ficou a ideia de que a mudança seria transitória, até que um novo concurso para uma nova PPP fosse lançado. No início do mês, o secretário de Estado da Saúde Francisco Ramos afirmou que a decisão ficou adiada para a próxima legislatura.

A 31 de Maio de 2121 termina o contrato da PPP do Hospital de Vila Franca Xira. O Governo tem até Maio para dizer ao Grupo Mello Saúde, se o renova ou termina o contrato. No caso do Hospital de Loures, cujo contrato termina a 18 de Janeiro de 2022, a decisão tem de ser comunicada até 18 de Janeiro do próximo ano.

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