“Não sou nem nunca quis ser super, infra, corajoso ou medroso”, afirmou Ivo Rosa

O juiz que preside ao debate instrutório do processo O Negativo fez a despedida do Tribunal Central de Instrução Criminal. Ivo Rosa revelou como a dedicação ao trabalho lhe prejudicou a saúde.

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Processo conhecido como O Negativo marca o fim da passagem de Ivo Rosa pelo Tribunal Central de Instrução Criminal EPA/MARIO CRUZ / POOL

“Não sou nem nunca quis ser super, infra, corajoso ou medroso. Sou um juiz que se limita a apreciar a prova com base na lei, com convicção, de forma livre, fundamentada e imparcial”, afirmou o juiz Ivo Rosa já no final das alegações do debate instrutório do processo O Negativo, esta segunda-feira, embora ainda esteja por marcar a data para a decisão final deste caso, o que implica que ainda presida a mais uma sessão.

Foi uma espécie de despedida antecipada do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) e das suas funções enquanto juiz de instrução que surpreendeu todos na sala.

Ivo Rosa tinha acabado de explicar porque não ia marcar já uma data para proferir a decisão no processo O negativo, em que está em causa o negócio do plasma sanguíneo, realizado entre Paulo Lalanda e Castro, na altura administrador da Octapharma, e Luís Cunha Ribeiro, antigo presidente do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) e da Administração Regional de Saúde (ARS) de Lisboa e Vale do Tejo, que segundo o MP terá beneficiado a Octopharma em concursos públicos, envolvendo crimes de corrupção activa e passiva, recebimento indevido de vantagem, falsificação de documentos e branqueamento de capitais.

O juiz argumentou com a complexidade do processo, a quantidade de páginas, mais de mil, os 135 volumes, e o facto de, a certa altura, ter acumulado o processo da Operação Marquês e do BES.

E quando parecia ter terminado a justificação disse: “Este deve ser o meu último acto como juiz de instrução. Foi um gosto trabalhar com todos os sujeitos processuais”. Mas depois lembrou-se: “Bom a decisão instrutória ainda é um acto processual.”

Procuradores e advogados estavam já a arrumar as coisas para sair, mas como o magistrado continuou a falar pararam. Fez-se silêncio. Ivo Rosa continuou: “Ao longo de oito anos investi nestas funções com convicção apesar da complexidade”, afirmou, sublinhando que nunca cedeu à pressão pública.

Em jeito de desabafo disse que só concorreu para o Tribunal da Relação porque o TCIC “deixou de ser um tribunal especializado” com a reorganização que foi efectuada no início de 2022.

E voltou a falar da complexidade do exercício das funções de um juiz de instrução: “Apesar da complexidade do trabalho sempre exerci com gosto e dedicação as funções com prejuízo da vida pessoal e da minha saúde, aliás como acabou por acontecer”.

“Foi o pior ano da minha vida por questões de saúde"

Ivo Rosa não explicitou mas é público que esteve de baixa médica devido a um problema no coração, que o obrigou a efectuar uma cirurgia de urgência.

“Foi o pior ano da minha vida por questões de saúde que são conhecidas e que perturbaram este e o outro processo (BES). Mas na vida não conseguimos controlar tudo”, sustentou, acrescentando que os problemas de saúde deixaram sequelas.

Segundo o magistrado, a sua “capacidade de trabalho, hoje em dia, já não é a mesma que tinha em Janeiro”. “Nem vai voltar a ser porque não vou voltar a trabalhar como trabalhava. Não consigo trabalhar 14 horas por dia, sete dias por semana como fiz durante dois anos. Não o consigo fazer. Já não sou o que era”, disse, acrescentando que esse esforço “tem um preço e paga-se”.

Além disso, explicou que a complexidade deste processo, o O negativo, exigia uma dedicação exclusiva que não teve propriamente, uma vez que tinha mais dois processos em mãos ao mesmo tempo. “A seguir ao processo Marquês, e sem contar com o BES porque não cheguei à decisão instrutória, este processo é dos mais complexos que já tive”, sustentou.

Já no final desta conversa informal, um dos advogados lembrou que no Tribunal da Relação também há sessões e que por isso ainda se iriam cruzar certamente. Ao que Ivo Rosa respondeu: “Se eu lá chegar.”

O magistrado conseguiu colocação no Tribunal da Relação de Lisboa, mas a sua vaga está suspensa até à conclusão do processo disciplinar do Conselho Superior da Magistratura (CSM). O CSM anunciou em 18 de Março, quando Ivo Rosa estava ainda de baixa médica, que tinha avançado com um procedimento disciplinar contra o juiz.

Em causa estão factos que poderão configurar “infracção do dever de obediência à Constituição e à lei” e “interferência ilegítima na actividade jurisdicional de outro magistrado”, nomeadamente de Carlos Alexandre.

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