Professor de Direito suspeito de ter ajudado a escrever tese de Sócrates acusado de vários crimes

Crime relativo à tese que deu origem a livro do ex-governante já prescreveu. Faculdade de Direito de Lisboa constituiu-se assistente no processo para reaver dinheiro pago, se docente vier a ser condenado.

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LUSA/RODRIGO ANTUNES

Domingos Farinho, o professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa suspeito de ter ajudado o ex-primeiro-ministro José Sócrates na tese de doutoramento de Ciência Política que o antigo governante fez em Paris, foi acusado pelo Ministério Público de vários crimes.

Burla qualificada, abuso de poder e falsificação de documento são os crimes de que o docente foi acusado, tendo a sua mulher, a advogada Jane Kirkby, sido remetida igualmente para julgamento, mas apenas por falsificação de documento, noticiou o jornal Observador. Em causa estão pagamentos que o casal recebeu por prestações de serviços de “consultadoria jurídica” que o Ministério Público diz serem fictícias. Entre Dezembro de 2013 e Outubro de 2014 o docente e a mulher receberam quase 54 mil euros.

Durante a fase de inquérito da Operação Marquês, o professor de Direito negou ter escrito a tese de mestrado de José Sócrates e garantiu que apenas o ajudou com as referências bibliográficas e/ou citações de autores e a rever o texto. Na acusação a Sócrates, o Ministério Público fala em colaboração “na redacção, sistematização e revisão da tese”. Mas o que está em causa neste processo não é o mestrado, que deu origem ao livro A Confiança no Mundo, e sim o doutoramento que se lhe seguiu. 

Entre outras coisas, porque no período em questão Domingos Farinho estava a trabalhar para a Faculdade de Direito em regime de exclusividade. Para não ver o seu salário reduzido, explica o procurador Jorge Malhado, que redigiu a acusação, o docente recorreu a um expediente: o contrato de prestação de serviços e os respectivos recibos seriam assinados entre a sua mulher, Jane Kirkby, e uma empresa de um homem ligado ao ex-primeiro-ministro, Rui Mão de Ferro, também arguido da Operação Marquês. Seria a esta firma, a RMF Consulting, que a advogada iria alegadamente prestar consultoria jurídica. E assim supostamente aconteceu, à razão de cinco mil euros mensais – que, na realidade, serviriam para Domingos Farinho, que tinha trabalhado entre 2005 e 2008 com um secretário de Estado adjunto de José Sócrates, Filipe Batista, prestar “colaboração académica” ao antigo líder socialista. 

“O grau de culpa é intenso”, pode ler-se na acusação do Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa, que chama a atenção para as responsabilidades académicas do arguido enquanto professor de uma instituição pública de ensino superior. “O grau de ilicitude dos factos é manifesto, dada a sua violação dos deveres deontológicos.” Tudo sem outra motivação que não “apenas a aumentar os seus proventos económicos”. Para o Ministério Público, com o seu comportamento Domingos Farinho pôs em causa a dignidade e credibilidade da função que exerce. A burla que terá engendrado para enganar a Faculdade de Direito de Lisboa está estimada em 10.639 euros. 

MP não quer pena demasiado pesada

Apesar de tudo, Jorge Malhado não pede uma pena demasiado pesada: “Não deve ser aplicada ao arguido Domingos Farinho pena de prisão superior a cinco anos.” Isso significa que, não tendo o professor de Direito cadastro criminal, é expectável que, mesmo na hipótese de vir a ser condenado, o seja a uma pena suspensa. O advogado de Domingos Farinho, Soares da Veiga, revelou que pediu a abertura de instrução, fase facultativa do processo através da qual os arguidos tentam evitar a ida a julgamento. O início da instrução já está marcado para Março.

Ao todo, são três os crimes de que é acusado. Havia um quarto crime, também de falsificação de documento, que dizia respeito ao primeiro contrato destinado a ajudar José Sócrates na sua progressão académica, mas aqui sim na tese de mestrado e subsequente livro. Porém, dado tratar-se de um ilícito alegadamente cometido ao longo de 2013 já prescreveu. A prescrição deu-se em Janeiro de 2018, cinco anos mais tarde, e Domingos Farinho só foi constituído arguido em meados do ano passado, quando já não podia ser responsabilizado por esse primeiro contrato. 

A directora da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Paula Vaz Freire, explica que a instituição que dirige colaborou com o Ministério Público no sentido de lhe prestar todos os esclarecimentos e documentação pedida durante a investigação, tendo-se constituído assistente deste processo para conseguir reaver importâncias que se venha a apurar ter pago indevidamente ao docente. 

Por outro lado, informa a mesma responsável, a instituição de ensino superior decidiu “accionar todos os procedimentos à sua disposição para apurar factos” que eventualmente possam suscitar responsabilidade disciplinar e dar origem a um processo interno contra o professor de Direito. Paula Vaz Freire não quis alongar-se em explicações sobre este último aspecto, garantindo, no entanto, que Domingos Farinho não foi por enquanto alvo de qualquer sanção disciplinar, mantendo-se ao serviço. 

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