Para ganhar videojogos também é preciso boa forma física

Quem ganha milhares de euros como profissional de esports não treina só em frente ao ecrã. Há reuniões diárias com mentores, dietistas, fisioterapeutas e personal trainers.

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Nuno Ferreira Santos

Além das dez a 12 horas em frente ao ecrã todos os dias, Filip Liljeström, 21 anos, passa pelo menos mais 60 minutos no ginásio. “Ajuda-me a ter mais foco no jogo. Depois de estar horas e horas sentado, o exercício permite acordar de novo o corpo”, explica o sueco, que é um jogador a tempo inteiro na Fnatic, uma equipa de topo de desportos electrónicos, com sede no Reino Unido.

Em Portugal, são poucos os que fazem uma carreira a competir em jogos electrónicos, mais conhecidos como esports. Mas, em alguns países, esta é uma actividade que dá acesso a bolsas de estudo, a salários anuais que ultrapassam centenas de milhares de euros e a uma carreira que permite viajar pelo mundo.

Quem ganha dinheiro a jogar videojogos, tem de se preocupar cada vez mais com a forma física para se conseguir manter um profissional de topo. Muitas vezes, a entourage inclui psicólogos, terapeutas ocupacionais, nutricionistas e até personal trainers.

“A versão moderna de um profissional de esports está muito longe do cliché de jogadores obesos que passam horas a comer piza e bebem coca-cola em frente ao ecrã”, diz Lukas Rossander, 23 anos, que esta semana veio a Lisboa em trabalho. Há nove anos que o dinamarquês – conhecido pelos fãs como gla1ve – joga Counter-Strike profissionalmente. Faz parte da Astralis, a actual campeã da liga mundial de desportos electrónicos, que lhe paga um ordenado superior a 20 mil euros mensais.

O Altice Arena, em Lisboa, vai receber várias equipas de topo este fim-de-semana, durante o BLAST Pro Series, o circuito global de torneios do jogo Counter-Strike. Em causa está um prémio de 250 mil dólares (cerca de 220 mil euros).

“Escolhemos Lisboa porque é uma cidade que acolhe bem grandes eventos e onde já há um grande interesse na comunidade de esports, mesmo que ainda não seja muito popular”, justifica Steen Laursen, o responsável de comunicação do evento. Não há equipas portuguesas a competir, mas Laursen garante que vão existir jogadores portugueses em palco. Parte do objectivo, aponta, é mostrar como funcionam as equipas de elite.

Na Astralis, os treinos diários de Counter-Strike só começam as 18h, mas às 9h a equipa já está acordada. Grande parte do dia é passada longe do ecrã: a manhã é frequentemente dedicada ao exercício físico, seguida de reuniões com o mentor e fisioterapeuta. Já o início da tarde é passado a criar conteúdo online para os fãs, a responder a mensagens nas redes sociais e em entrevistas com jornalistas. Depois de uma pausa para descansar, a noite é para jogar.

“Estar em boa forma é fundamental para um jogador de esports. Os jogos são muito longos e ser lento, nem que seja por um milésimo de segundo, pode ser a diferença entre perder e ganhar a final de um jogo que vale centenas de milhares de dólares", explica Nikolai Reedtz, 23 anos, que chegou à Astralis depois de uma lesão no joelho o ter impedido de ter uma carreira como profissional de badminton na Dinamarca.

Nos esports, um dos objectivos é ter o melhor APM. É a sigla para Acções por Minuto e refere-se ao número de instruções que um jogador pode dar às suas personagens em sessenta segundos. Ter uma média acima de 400 acções é equivalente a ser um profissional de topo, mas há quem consiga valores muito superiores.

Ambições olímpicas 

O sector tem vindo a tentar apresentar-se como um desporto e admite ter ambições de um dia integrar os Jogos Olímpicos. “Estes jogadores devem ser considerados atletas porque a modalidade exige bastante da mente e do músculo. É preciso ter excelentes reflexos e um raciocínio muito rápido”, diz Leopold Chung, secretário-geral da Federação Internacional de Esport. A federação foi criada em 2008, na Coreia do Sul, com a missão de legitimar a actividade como modalidade desportiva. É algo que o Comité Olímpico Internacional começa a considerar.

Embora alguns videojogos, especialmente os mais violentos, sejam descritos por aquele comité como "incompatíveis com os valores olímpicos", um comunicado recente da organização nota que "os videojogos competitivos incluem actividade física que pode ser comparada com aquela requerida em desportos mais tradicionais".

Como em qualquer desporto tradicional, também as lesões são comuns se não existir cuidado. “A maioria dos problemas têm a ver com fadiga muscular e com lesões ao nível dos nervos, devido ao facto de os jogadores estarem sentados e em tensão durante longos períodos”, explica Oskar Hemby, um terapeuta ocupacional e fundador do esportsHP, uma empresa dedicada a melhorar a saúde e o desempenho de profissionais dos videojogos. “Quando vou a grandes competições vejo os atletas horas e horas sentados sem se levantarem, e isto é péssimo para a circulação.”

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A equipa de Hemby está a testar os músculos de jogadores de esports com técnicas de electromigrafia esportsHP

Um dos pacientes de Hemby – que não quis ser identificado – queixava-se de dores diárias nas costas. Descobriu-se que era porque se apoiava muito para o lado esquerdo quando jogava. “Tivemos de criar mecanismos para o ensinar a evitar o comportamento, e exercícios para fortificar o lado direito”, explica o terapeuta. “Muitas vezes os jogadores de esports não admitem que têm problemas de saúde. Continuam a jogar, mesmo com dores, porque acham que não faz sentido alguém que joga videojogos ter lesões.”

Portugal longe da elite

Em Portugal já há alguns clubes a investir em equipas de videojogosEm 2017, a Federação Portuguesa de Futebol anunciou a criação de uma divisão de esports. A preparação, porém, está longe de ser equivalente à das grandes equipas. 

“Poucos ou nenhuns passos foram tomados neste sentido. A elite mundial é que já tem uma completa preparação física e mental, especialmente em jogos como Counter Srike ou League of Legends”, avalia Márcio Figueiredo, director da secção de esports do Sporting, um dos poucos clubes portugueses a apostar na modalidade. “Ainda estamos a começar. Ao nível da condição física, muitas vezes é o próprio jogador que percebe a importância e toma iniciativa de se inscrever num ginásio ou procurar ajuda.” Além de Márcio Figueiredo – que acompanha a equipa de futebol virtual em todas as competições – há apenas um gestor da equipa, que ajuda os jogadores a definir tácticas e a perceber as fraquezas dos rivais.

O caso é igual no Boavista. “A preparação muitas vezes é feita de forma autodidacta, com um conjunto de recomendações da nossa parte”, nota Reinaldo Ferreira, director de esports do clube. 

Nicolai Reedtz, o ex-jogador de badmínton que acabou por se dedicar aos videojogos, afirma que não conseguiria os mesmos resultados sem o acompanhamento que tem ao nível da preparação física. E deixa um conselho para os amadores: "Nós temos ajuda do nosso fisioterapeuta e treinador para cuidarem de todas as questões físicas. Mas o meu conselho para as pessoas que jogam apenas pela diversão é que também nunca se devem sentar e jogar sem um intervalo. Vão fazendo pausas para apanhar ar, dar um passeio... Vão ficar surpreendidos como isso pode ter um impacto positivo no vosso jogo."

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