Vivemos colados ao telemóvel mas não digam a Martin Cooper que a culpa é dele

Há 44 anos, Martin Cooper fez a primeira chamada a partir de um telefone sem fios. Aos 88 anos de idade, este norte-americano continua a reflectir sobre as tendências e o futuro das comunicações móveis. E não o faz sozinho, uma vez que é casado com a “primeira dama do wireless”, Arlene Harris

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Quando em 1973 o engenheiro da Motorola Martin Cooper criou o telemóvel, já tinha consciência de que todas as pessoas o iriam querer ter – talvez nem tanto o quanto viriam a depender. A equipa de engenheiros que liderava tinha até uma piada em relação à invenção que apresentavam ao mundo: “um dia, quando as pessoas nascerem, vão ter logo um número telefónico atribuído e se não atenderem o telefone... então é porque morreram”, recorda agora o próprio a propósito do sentimento que reinava entre o seu grupo de trabalho. O que estavam longe de imaginar é que os telemóveis iriam ter “câmaras digitais, Internet, entre outras funcionalidades” – tanto mais porque, à época, ainda nem existiam. Passados 44 anos, a verdade é que a maioria das pessoas vive “colada” a esse dispositivo – nalguns casos alienada até –, mas o “pai do telemóvel” não se sente minimamente culpado. Faz questão de vincar que cada um de nós tem liberdade para ligar ou desligar o seu telefone pessoal. “Quando crescermos, vamos usar os telemóveis como uma ferramenta e não vamos deixar que a nossa vida fique capturada por eles”, vaticina.

Cooper fez história no mundo das comunicações móveis mas insiste em olhar para o futuro e reflectir sobre os desafios que se lhe colocam. Foi isso que veio fazer esta semana a Portugal, no âmbito do TechDays, fórum nacional de tecnologia que decorreu em Aveiro e no qual foi um dos oradores principais. À assistência que encheu o auditório principal do Parque de Exposições falou do passado e do futuro do dispositivo móvel que mudou o mundo. Sem esquecer aquele 3 de Abril de 1973, em plena Sexta Avenida, em Nova Iorque. “Durante três meses, eu e a minha equipa construímos um telemóvel e depois fomos para Nova Iorque para ter alguma publicidade nos média”, lembra. Era suposto ir a um programa de televisão mas acabou a dar uma entrevista a um jornalista da rádio. “Se ia demonstrar o que era um telefone móvel, eu próprio devia estar móvel”, recorda, para justificar a opção em dar a entrevista enquanto caminhava. E a quem decidiu Martin Cooper ligar para demonstrar a eficácia do aparelho que tinha acabado de criar? “Ao meu concorrente, Joe Engel, da empresa AT&T [que estava a apostar na produção de telefones para os carros], e disse-lhe: estou a ligar-te de um verdadeiro telefone celular, um pessoal, móvel, de andar na mão”, lembra. Do outro lado da linha fez-se silêncio. “Até hoje, Engel diz que não se lembra desse telefonema. Não podemos culpá-lo”, conta Cooper, com uma boa dose de humor.

Foram precisos 10 anos para que o aparelho, que na altura pesava cerca de um quilo e cuja bateria durava apenas vinte minutos, chegasse ao mercado. Mas o sector não mais parou de crescer. Até aos dias de hoje, dominados pela existência de telemóveis finos, leves e que também são computadores, como os smartphones, que o Cooper considera “subóptimos”. “Faz sentido que quando queres comunicar tenhas de levantar um braço, mantê-lo numa posição desconfortável e tenhas de colocar este telefone plano numa face curva? Isto não é ergonómico, não é confortável”, argumenta, exemplificando com o seu Samsung S8 – o telemóvel que está a usar no momento. “Quando optimizarem o telemóvel será conveniente para as pessoas e não para os engenheiros”, acrescenta. E qual seria o dispositivo ideal? “Talvez um brinco. Mais cedo ou mais tarde, será implantado próximo do ouvido e conterá um computador muito potente. E quando eu quiser falar com alguém, apenas direi o nome e o computador fará a ligação”, perspectiva, indo ainda mais longe na sua antevisão: “e num dia qualquer do futuro, apenas terei de pensar nisso, nem precisarei de dizer as palavras”.

Para este engenheiro – que além de quase 30 anos na Motorola fundou ainda várias empresas, como a Cellular Business Systems e a ArrayComm – o futuro das comunicações móveis tem de passar, inevitavelmente, por colocá-las ao serviço do bem da humanidade. “Capacitar o telemóvel para resolver os problemas do indivíduo, da humanidade”, vinca, destacando três grandes áreas onde importa apostar: “cuidados de saúde, educação” e a possibilidade de colocar “as pessoas a colaborarem entre si”, uma vez que “quando as pessoas colaboram, elas podem produzir muito mais do que enquanto indivíduos, irão resolver problemas que achavam que nunca iriam resolver”.

Martin Cooper também tem uma opinião firme sobre o preço a pagar por um telemóvel. E reage a que sejam lançados no mercado com preços superiores a “1.000 dólares”: um dos caminhos do futuro da tecnologia dos telemóveis passa por assegurar que os seus benefícios “cheguem a toda a gente”, diz, na certeza de que isso não se consegue “com telemóveis a esse preço”. “Já provámos que a Internet aumentou a produtividade e tornou a vida das pessoas melhor, mas apenas cerca 30% das pessoas no mundo têm acesso à Internet. Há algo errado nisso”. E defende um caminho que passe, antes, por ter “telemóveis a 20 dólares e um serviço de banda larga a um dólar por mês” (0.84 euros).

O azar que foi a sua sorte

Depois de tantos de anos a manusear telemóveis, Martin Cooper não se recorda de alguma vez ter vivido uma experiência negativa. Curiosamente, “a pior coisa” que lhe aconteceu “ao nível da comunicação”, deu-se com uma carta. “Estava na Marinha e tinha de tomar a decisão de continuar ou regressar à vida civil. E recebi uma carta da minha namorada de então a acabar tudo. Eu, que até já tinha tomado a decisão de sair [da Marinha] e casar-me com ela...”. A “infelicidade” acabou por se tornar na “melhor coisa” da sua vida. “Porque se não fosse isso não teria casado com Arlene”, frisa. Arlene Harris, com quem vive há 38 anos, é ela própria considerada a “primeira dama do wireless” e foi a primeira mulher a ser distinguida no Wireless Hall of Fame. A empreendedora, agora com 69 anos, começou a trabalhar ainda jovem na empresa de telecomunicações da família e é responsável por grandes avanços na indústria, como é o caso dos sistemas pré-pagos ou os desenvolvimentos de pagers orientados para o transplante de órgãos.

Conheceram-se, precisamente, por causa do telemóvel que Martin Cooper criou. É Arlene quem agora recorda: “Ele foi visitar os seus clientes [entre os quais, a empresa da família de Arlene, sediada em Los Angeles], para lhes falar do telefone celular, que estava a caminho”. “Foi amor à primeira vista”, atira, por seu turno, Martin Cooper.

O casal não esconde que a tecnologia é um dos temas fortes “lá em casa”. “Actualmente, falamos mais da política que prolifera da comunicação. Ou das aplicações da tecnologia ao serviço das pessoas, perguntando como é que servimos alguém ao fazer algo”, revela Arlene. Esta é uma preocupação que têm presente num projecto conjunto, a incubadora Dyna LCC, onde dão aconselhamento e apoiam novos investimentos na área tecnológica. Fundamentalmente procuram saber “que problema estão os empreendedores a tentar resolver e como” e até que ponto esse projecto se diferencia dos já existentes, nota.

Arlene reconhece que muitos “empreendedores têm dificuldades em obter financiamento para os seus projectos” e é sensível a essa causa. Afinal de contas, testemunha, também ela teve de ultrapassar algumas barreiras para lançar no mercado uma das suas maiores criações, o Jitterbug – um telemóvel com uma interface de fácil utilização, especialmente destinado a seniores e desenvolvido em parceria com a Samsung (em 2006 o New York Times colocou-o no top de “10 Ideias Brilhantes” e a Reader’s Digest na sua listagem “Top 100 Produtos”). Entre os novos empreendedores, há um grupo ao qual Arlene Harris diz ser particularmente atenta: “jovens mulheres engenheiras”. Numa época em que, tal como defende o marido, a prioridade tem de passar por colocar a tecnologia móvel ao serviço dos problemas das pessoas, “as mulheres estão, em muitos casos, mais capacitadas para dar resposta […] Têm mais sentimento”, defende. 

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