Nos jardins do Marquês

Nos tempos em que a ribeira da Laje era navegável, os convidados do Marquês de Pombal passeavam sobre as águas em barcos engalanados.

Foto

Já andei, numa crónica anterior, no rasto do Marquês de Pombal. Acabei, recordo-me, junto dos seus restos mortais, na Igreja da Memória, em Lisboa. Mas desta vez é um Marquês mais mundano e mais romântico que descubro nos jardins do seu palácio em Oeiras, antiga quinta de recreio da família Carvalho. 

Numa quarta-feira à tarde só encontro os jardineiros e alguns operários que estão a trabalhar na recuperação do edifício da adega. Ouvem-se diferentes pássaros e sente-se o cheiro doce das flores na Primavera. Mas sinto a falta de um som: o da água.

Esta quinta resulta da anexação de vários casais e quintas, pertenceu aos irmãos Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês (o Morgado de Oeiras fora instituído pelo seu tio, Paulo de Carvalho de Ataíde, em 1737), e Francisco Xavier de Mendonça Furtado e Paulo de Carvalho e Mendonça, e é um projecto arquitectónico com a assinatura de Carlos Mardel. Construída sobre terrenos férteis, foi no passado um lugar de homenagem à água com um sofisticado sistema hidráulico que evitava qualquer desperdício. 

Foto
Nos dias 26, 27 e 28 de Junho, vai ser apresentado no Palácio do Marquês de Pombal o espectáculo Noites no Palácio Encantado, com instalações de luz, projecções multimédia e video mapping

A ribeira da Laje, que a atravessa, era navegável. Hoje há apenas um leve lençol de água sobre as pedras, e o cais de embarque está vedado. Mas podemos ler a descrição de como era no século XVIII, quando o Marquês aqui recebia as suas visitas: “A escadaria conduzia os convidados ou os donos da casa a um passeio sobre as águas em palanques engalanados.” Em redor, freixos, ulmeiros, salgueiros e “cascatas de flores que pendiam sobre as margens”. 

Ainda podemos atravessar as pequenas pontes sobre a ribeira, mas uma ponte em particular, descrita como “célebre”, já não existe. Era “de rija madeira do Brasil, montava-se só com encaixes e sem um único prego e desmontava-se para deixar passar a água furiosa dos Invernos e das cheias”.

Imagens inspiradas no que seriam estes passeios surgem nos painéis de azulejos de estilo rococó que cobrem os muros, as escadarias e os bancos dos jardins, por entre outras de anjos roliços a encorajar romances entre galantes cavaleiros e damas igualmente roliças ou cenas de caça com fidalgos elegantes a perseguir javalis e veados. 

A quinta era de recreio, mas funcionava também como casa agrícola, com os lagares do vinho e do azeite (este recuperado e visitável), a imponente adega decorada com os bustos dos imperadores romanos e capacidade para 900 pipas, e, por cima, o celeiro onde se guardavam os cereais da quinta para além dos provenientes das rendas pagas ao Morgado de Oeiras. 

Calcula-se que o azeite, dos oito olivais que o Marquês possuía em Oeiras, seria em tal quantidade que se destinaria ao consumo próprio da casa mas também à exportação para Lisboa. Há ainda uma Casa do Alambique, onde terá funcionado um destilador para fazer aguardente, provavelmente com o que sobrava da produção de azeite. 

Em frente ao palácio erguem-se duas gigantescas araucárias, que dão o nome ao terraço. Em baixo, há um jardim de flores criado pelo arquitecto paisagista Gonçalo Ribeiro Telles nos anos 60 do século XX, na altura em que o palácio e os jardins pertenciam à Fundação Calouste Gulbenkian (desde 2003 pertencem à Câmara Municipal de Oeiras) — mas sabe-se que anteriormente, na época do Marquês, ali existia um laranjal. 

Contorno o edifício e descubro a Fonte dos Embechados, seca, decorada com pedaços de conchas, pratos partidos e espelhos, recanto romântico onde o Marquês e aquela que foi a sua segunda mulher e mãe dos seus cinco filhos, Leonor Ernestina de Daun, decidiram gravar as iniciais de ambos entrelaçadas.

Antes de atravessar uma das pontes para ir até à Cascata dos Poetas, paro um momento no antigo campo de jogos. Uma placa recorda a histórica visita que a rainha D. Maria I fez à quinta em 1783 (um ano depois da morte do Marquês de Pombal), vista como um sinal de reconciliação com a Casa de Oeiras. Conta-se que houve “jogo da bola” e foram oferecidos “sorvetes de várias castas”. 

Mas a grande sensação da visita real terá sido a Cascata dos Poetas, na altura chamada Gruta Nobre. Também aí a estátua de um gigante, figura alegórica ao rio Tejo, preside, deitado de lado, barbas encaracoladas e olhar perdido no horizonte, sobre uma cascata sem água, observado pelos bustos dos poetas Homero, Virgílio, Tasso e Camões, esculpidos por Machado de Castro. 

Atravesso depois a horta ajardinada e a Fonte das Quatro Estações até ao terraço das merendas, junto à adega, onde os operários trabalham. As duas enormes mesas de pedra ali estão, inamovíveis — o resto, temos de imaginar. Leio que haveria também “imensos cadeirões estilo D. José, em madeiras exóticas do Brasil, as toalhas, os tecidos dos vestidos, as sedas coloridas, os vidros, as pratas e os arranjos de frutos e flores da época”. 

E pelas cinco da tarde, depois do passeio de barco pela ribeira e antes do sol se pôr, conversava-se e petiscava-se nos jardins do Marquês, “ao som da água nos dois lagos onde nadam as carpas e da música instrumental”. 

Sugerir correcção
Comentar