A morte decidiu viver aqui
O México é sexto país do mundo em jornalistas assassinados: mais de cem desde 2000. E o estado de Veracruz, no Golfo do México, é o mais mortífero do país. Os jornalistas trabalham sob terror e muitos exilam-se, na cidade do México ou até nos Estados Unidos. Era o caso de Rúben Espinosa, fotojornalista de 31 anos que fugiu de Veracruz e se refugiou na capital. Cinco cadáveres foram encontrados no fim-de-semana, quatro mulheres e Espinosa. Escrevera há um mês: “É triste pensar em Veracruz, não há palavras para dizer quão mal vão esse estado, o governo, a imprensa, e quão bem vai a corrupção. A morte escolheu Veracruz, a morte decidiu viver aqui.”
Espinosa foi executado com um tiro na cabeça. Duas das mulheres tinham o rosto desfeito e todas terão sido violadas antes do “tiro de misericórdia”. Eram Nadia Vera, activista social e amiga de Espinosa, uma colombiana, uma empregada doméstica e uma esteticista. Pistas? Um vídeo de segurança mostra três homens a fugir do local na noite de sexta-feira. Motivos? Os jornais não sabem. Vingança contra Espinosa? O activismo de Vera? Roubo? Feminicídio?
Veracruz, onde imperam os narcotraficantes, é “uma luz vermelha para a liberdade de informação”. Mas — frisa um jornal mexicano — o pior significado de mais uma matança não é ter visado um jornalista mas pôr a nu a impotência do Estado. O México é uma democracia ameaçada.
“O México cheira a sangue” desde a guerra da independência (200 mil mortos), sintetiza o escritor mexicano Enrique Krauze. Houve depois a revolução (um milhão de mortos, na maioria de doença e fome). Hoje há a guerra do narcotráfico. “É uma complexa guerra civil, com fogos cruzados e alianças turvas e instáveis entre os grupos do crime organizado e do narcotráfico e entre estes e as forças do governo federal e dos estados.”
Sublinha: “O que mais surpreende é a omnipresença [da violência] e a crueldade. (...) Execuções, decapitações, mutilações, sequestros, extorsões, massacres colectivos. Dia após dia, no México, não no Afeganistão.”
A escritora Guadalupe Nettel evoca as solitárias praias da sua juventude, nos estados de Guerrero, Oaxaca ou Michoacán. “Para as gerações posteriores à minha, esses nomes já só significam terror, tortura e morte.” Acapulco, em Guerrero? Já não é o paraíso. “Tornou-se num porto controlado pelos cartéis, que num dia violam turistas e no outro deixam decapitados num salão de baile.”
Durante a semana houve manifestações em muitas cidades. Mas os mexicanos são fatalistas: “Os mortos de hoje tapam-nos os de amanhã. Não há uma má notícia que outra pior não faça esquecer.”
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