Ilha das Caraíbas processa Países Baixos por inacção contra alterações climáticas

Oito cidadãos de Bonaire, um “município especial” neerlandês, e a Greenpeace dizem que o Governo de Haia não se tem esforçado o suficiente para proteger a ilha da subida do nível do mar.

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Alguns dos oito queixosos de Bonaire que estão a processar o Estado holandês Roëlton Thodé/Greenpeace
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Os habitantes da ilha de Bonaire, um território administrado pelos Países Baixos, no Sul das Caraíbas, deram entrada, nesta quinta-feira com um processo na justiça contra o Estado holandês, exigindo mais medidas para proteger a ilha contra os efeitos das alterações climáticas, como a aceleração da redução das emissões de gases com efeito de estufa.

O caso foi apresentado por oito pessoas, com o apoio da organização ambientalista Greenpeace holandesa, que consideram que o Governo dos Países Baixos não se tem esforçado o suficiente para proteger a ilha da subida do nível do mar e os direitos humanos dos seus habitantes, diz a Reuters.

Querem que os Países Baixos cortem as suas emissões de gases com efeitos de estufa (responsáveis pelo aquecimento global, que provoca as alterações climáticas) a zero até 2040. Isto seria dez anos antes do compromisso actual do Estado neerlandês.

Bonaire, que fica a alguns quilómetros da costa da Venezuela, é uma ex-colónia que se tornou num “município especial” dos Países Baixos em 2010. Os mais de 24 mil habitantes que vivem nesta ilha de 288 quilómetros quadrados, de clima árido, palmeiras, corais e praias de areia branca são cidadãos neerlandeses.

Submersa até 2050

Criado em 1979, o Bonaire National Marine Park, incluído na lista provisória de Património da Humanidade da UNESCO, é uma das reservas marinhas mais antigas do mundo, e atrai um número significativo de mergulhadores, europeus e norte-americanos.

Mas partes da ilha podem ficar submersas de forma permanente até 2050 devido à subida do nível do mar, por causa do aquecimento global, e a barreira de coral que protege a ilha está a morrer, salienta a Greenpeace, em comunicado.

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Bonaire é uma ilha árida de 288 km2, rodeada de recifes de coral LeandroNeumannCiuffo

“Os Países Baixos das Caraíbas foram esquecidos há demasiado tempo. Há planos para proteger o território europeu dos Países Baixos contra a subida do nível dos mares e outras consequências das alterações climáticas, mas isso não acontece no caso de Bonaire”, disse uma das queixosas, Danique Martis, trabalhadora dos serviços sociais, numa declaração divulgada pela Greenpeace.

Em Maio, este grupo enviou uma carta pré-litigação ao primeiro-ministro neerandês Mark Rutte, diz a Al Jazeera. Pediam-lhe que antecipasse as metas de redução das emissões para 2040. O objectivo actual é cortá-las em 100% até 2050.

“As alterações climáticas já estão a acontecer em Bonaire. Está a ficar cada vez mais quente, e as chuvadas são mais frequentes e extremas. Estão a causar cheias, inundando muitas casas, incluindo a da minha mãe”, disse outro dos queixosos, Kjelld Kroon.

“Não devia fazer diferença vivermos em Bonaire ou Ameland (município na costa norte dos Países Baixos). É dever do Governo proteger-nos a todos das consequências da crise climática”, afirmou Andy Palmen, director executivo da Greenpeace Países Baixos.

Margaretha Wewerinke-Singh, professor de Direito e Sustentabilidade na Universidade de Amesterdão, disse à Al Jazerra que há muita informação sobre os riscos das alterações climáticas nos Países Baixos, relativamente ao território europeu. Mas pouco trabalho foi feito para estudar e proteger os territórios mais vulneráveis, como os municípios especiais das Caraíbas. “Nesse sentido, é um caso bastante claro de discriminação”, comentou.

O Ministério do Interior neerlandês, questionado, não comentou este desenvolvimento, diz a Reuters.

Uma história de litigância climática

Mas a litigância climática tem já um historial com vários casos bem-sucedidos nos Países Baixos. Em 2019, no caso Urgenda, o Supremo Tribunal, confirmando a decisão do Tribunal de Recurso, ordenou ao Governo que pusesse em prática, até ao fim de 2020, uma redução de emissões de gases com efeito de estufa de pelo menos 25% em relação aos níveis de 1990.

Este limite, consagrado no Relatório de Avaliação de 2007 do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC), foi legitimado pelo tribunal por existirem declarações do Governo apoiando este valor como necessário ao cumprimento da meta de aumento não superior a dois graus Celsius da temperatura média global em relação ao que era antes da Revolução Industrial, e começarmos a deitar para a atmosfera grandes quantidades de gases com efeito de estufa.

Por outro lado, num outro caso, em 2021, um tribunal deliberou que a Royal Dutch Shell tem de cortar as suas emissões de dióxido de carbono e as dos fornecedores em 45% até 2030, tendo como base os níveis de 2019. Muito mais do que a Shell tinha prometido, que era um corte de 20% das emissões até 2030, para chegar a um quadro de emissões zero em 2050.

Seis jovens portugueses estão também a processar 32 países por falta de acção climática num caso inédito no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Neste caso, a defesa dos países tem desvalorizado os impactos alegados pelos jovens.

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