Uma jovem mulher à frente de uma família livreira

Rita Pinto é a 3.ª geração na empresa familiar, o Grupo Almedina, que nasceu das mãos do avô. Nascida depois do 25 de Abril de 1974, é a primeira mulher a gerir uma das maiores editoras do país.

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Nasceu ainda antes do 25 de Abril como Livraria Almedina, em Coimbra. Hoje é um dos principais grupos editoriais do país com presença em Portugal e no estrangeiro. De 1955 até hoje o Grupo cresceu, mudou e foi testemunha privilegiada das enormes mudanças operadas pela Revolução dos Cravos em Portugal. “Podemos ler a história de Portugal nas entrelinhas da história da Almedina”, explica Rita Pinto, neta do fundador Joaquim Machado.

Quando criou a Almedina, junto ao Arco de Almedina que lhe dá nome, Joaquim Machado tinha já um vasto conhecimento do mercado editorial e livreiro, onde trabalhava desde os 15 anos. Na cidade dos estudantes, rapidamente entrou no negócio pela escassez na edição de manuais académicos. Chegou até a ceder crédito aos alunos com menos dinheiro para que adquirissem os manuais, apenas com a condição de terminarem o respetivo curso.

Com o passar dos anos, a livraria Almedina, especializada em áreas temáticas ao nível académico – como a Ciência, a História, a Filosofia, o Direito, a Gestão –, tornou-se no Grupo Almedina, contando com a Edições Almedina, a Edições 70, a Actual Editora, a Minotauro e a Almedina Brasil.

Nascida depois da Revolução dos Cravos, a formação de Rita Pinto – que assumiu o comando da empresa da família em 2020 – não ditava que fosse seguir pelo negócio da família. No entanto, o gosto pela área da gestão e o desencanto pela Medicina Dentária colocaram-na, em Outubro de 2014, responsável pelas operações do grupo e, mais tarde, pelo retalho, marketing e o canal digital. Mas se as gerações mudam e o rumo da empresa se ajusta, a matriz perdura. “Mantêm-se os valores da confiança, ética, melhoria contínua e inovação”, diz.

Ciente do percurso do país e da sua família, Rita Pinto é também um dos exemplos de como a democracia abriu as portas às mulheres. “Comparando a situação actual com os relatos de há 50 anos, a evolução [nos direitos das mulheres] foi enorme. Não há palavras que façam justiça à gratidão que devemos a todas as pessoas, mulheres e homens, que contribuíram para esse facto”, reconhece.

Ainda assim, segundo dados do INE, as mulheres representavam, entre 2016 e 2022, apenas 38% das pessoas com funções de gestão e 29% das pessoas com funções de gestão de topo. Sendo um claro sinal da mudança dos tempos, há também um longo percurso a percorrer rumo à igualdade de oportunidades. “Devemos estar gratos, mas tal não significa que possamos dar a situação actual por adquirida e relaxar”, diz. “Sinto hoje, mais do que ontem, que é necessário manter o tema em discussão.”

No plano editorial, há, por isso a preocupação de equilíbrio de vozes não havendo uma discriminação positiva, nem negativa, das autoras femininas já que o valor está na qualidade da obra e no seu contributo para o diálogo e a sociedade, como refere Rita Pinto.

Ser mulher e transmitir o pensamento de mulheres

Neste momento, a Almedina é uma editora de obras clássicas, mas também contemporâneas – e com muitas mulheres no seu catálogo alargado. Como exemplifica Rita Pinto, “nas Edições 70, por exemplo, um livro da Judith Butler é publicado no mesmo mês de um livro da Simone de Beauvoir. Na Minotauro, ao lado de autoras que são fenómenos actuais no Goodreads ou na Amazon, encontramos um livro de George Sand - uma escritora brilhante do século XIX que precisou usar um pseudónimo masculino para que o seu livro fosse publicado – ou a obra completa da Maria Judite de Carvalho”.

No fundo, a CEO descreve que o trabalho feito pela Almedina é consciente e também não se foca em dar resposta em exclusivo à procura mainstream. Há o cuidado de responder a um vasto leque de preocupações sociais. “Nas nossas livrarias já temos áreas reservadas a obras sobre temas como o feminismo ou os direitos civis e os direitos humanos e uma área dedicada à actualidade, onde cabem várias temáticas”, relata. “A liberdade e a pluralidade de vozes continuam a ser uma força motriz da nossa empresa.”

Exemplo disso é o percurso da empresa. No Grupo Almedina, Rita Pinto assegura “que ser mulher, nas suas múltiplas dimensões, não condiciona as opções de carreira”. Até porque, refere, “com o aumento da profissionalização no Conselho de Administração e nos cargos de topo, temos especial atenção ao equilíbrio de género nestes órgãos, hoje praticamente paritários”. Todavia, Rita Pinto lembra que esta não é uma prática recente na Almedina, uma vez que já o seu pai, Carlos Pinto, contratou uma mulher grávida. Resultado: hoje, “passados 20 anos, ainda colabora connosco.”