É ético assistir a pornografia gerada por Inteligência Artificial?

Dos avatares porno capazes de fazer coisas que não são possíveis para as pessoas reais às deepfakes, há formas de consumir pornografia gerada por IA de forma ética. Falar sobre ela é uma das formas.

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Se estás nos teus 20 ou 30 anos, provavelmente vês pornografia. Os millennials e a geração Z estão a ver mais pornografia do que qualquer outro grupo etário e também são os mais prováveis de experimentar ver pornografia gerada por Inteligência Artificial.

À medida que a tecnologia avança, a ferramentas e técnicas de IA estão a tornar-se cada vez mais sofisticadas e acessíveis. Isto pode levar a conteúdo não ético, como deepfakes — vídeos nos quais a cara de uma pessoa é substituída pela de outra sem o seu consentimento. O X (antigo Twitter) enfrentou recentemente um escândalo quando ficou inundado com deepfakes de Taylor Swift.

Mas e outros tipos de conteúdo pornográfico produzido com IA? Como é que o seu consumo te pode afectar, e como podes assegurar-te de que o estás a consumir eticamente? Sou terapeuta de relacionamentos e sexóloga, por isso estou interessada em problemas relacionados com o consumo de pornografia. Também estou curiosa em relação à forma como a IA pode ser usada positivamente para criar pornografia não só ética, mas educativa e sexy ao mesmo tempo.

O impacto de assistir a pornografia feita com IA

Ainda que seja perfeitamente normal sentir curiosidade em relação a sexo, ver muita pornografia pode afectar a tua satisfação sexual — e a pornografia com IA não é diferente. Podes, por exemplo, começar a comparar o teu parceiro aos hiper-realistas, mas impossivelmente perfeitos, actores porno criados pela IA.

Já existem estudos que sugerem que os homens que vêem pornografia mais frequentemente podem sofrer de disfunção eréctil. Isto pode dever-se aos retratos pouco realistas da pornografia comparados com os da vida real. A pornografia de IA poderá exacerbar isto, com avatares porno capazes de fazer coisas que não são possíveis ou tão acessíveis às pessoas reais.

Entre as mulheres que vêem pornografia, as opiniões dividem-se. Algumas mulheres notam mudanças positivas, incluindo uma redução na vergonha associada ao prazer sexual. Mas outras expressaram reservas acerca dos padrões de beleza inalcançáveis da pornografia.

Esta posição é partilhada por embaixadores contra a pornografia, que defendem que esta degrada e objectifica as mulheres. Acreditam que alimenta as ideias de supremacia masculina, levando potencialmente à violência contra mulheres.

Regular a pornografia gerada com IA

Os papéis que as mulheres desempenham na pornografia mainstream geralmente retratam um desequilíbrio de poder em relação a, por exemplo, a pornografia gay. Para este artigo, conversei com o actor porno John Thomas, que me disse isso mesmo. E ainda: “Ambos o papéis de uma cena gay podem ser apreciados por quem vê, ao invés da pura objectificação da mulher numa cena hetero.”

Uma das muitas preocupações com pornografia AI não regulamentada é que pode distorcer o sentido de realidade do espectador, levando à desinformação, a expectativas não realistas à volta do sexo e que podem ser prejudiciais. No entanto, uma vez que a paisagem moral de IA é uma área cinzenta, somos empurrados para território desconhecido. À medida que a nova tecnologia emerge, novos desafios surgem.

Para assegurar inovação responsável dentro da indústria do entretenimento adulto, é essencial estar ciente da integração em curso da IA nas nossas vidas. Por exemplo, os riscos podem ser mitigados ao treinar sistemas de IA para reconhecimento de deepfakes, violência ou pornografia infantil.

Para actores na indústria dos filmes para adultos que já lá estavam antes da IA, o consentimento sempre foi a chave. Perguntei a John Thomas acerca das melhores práticas na indústria: “Quando trabalho para um estúdio porno (como freelancer), assino um contrato que geralmente inclui cláusulas relacionadas com os direitos de imagem — normalmente assino para dar ao estúdio o direito a usar, e alterar, a minha imagem e distribuí-la. A IA não está especificada em nenhum contrato que tenha assinado.”

Mas uma vez que se espera que a pornografia com IA se torne mais mainstream, o tópico do consentimento torna-se mais ambíguo. Como John Thomas acrescenta: “Acho que podemos interpretar o contrato de forma a incluir a IA.... Os contratos estão escritos de uma forma tão abrangente que, ao assinar que cedes a tua imagem e consentes que seja alterada, pode ser [hipoteticamente usada em IA].”

Como ser um consumidor de porno ético

Tal como há marcas com práticas justas na produção de café e roupa, deveria existir um espaço seguro para os espectadores explorarem as suas fantasias e sexualidade.

Como espectador de porno, podes ser mais ético no teu consumo ao adquirires literacia pornográfica, melhorando o teu entendimento em relação a expectativas sexuais realistas, identidades de género, orientações sexuais, estilos de relacionamentos, kinks e práticas BDSM éticas.

E se decidires que queres ver pornografia IA e minimizar o risco de consumir consumo não ético, aqui ficam algumas dicas para melhorares a tua literacia pornográfica:

  • Considera juntar-te a comunidades online onde as discussões sobre “pornografia feminista” e conteúdo sexualizado são abertas e encorajadas;
  • Se fores fã de um actor em particular, segue-o nas redes sociais. Isto vai dar-te alguma clarividência sobre as suas performances e a forma como preferem que acedas ao conteúdo produzido por ele;
  • Quando te cruzares com sites porno, tenta verificar se são reconhecidos por práticas éticas nas suas produções. Alguns sites são conhecidos pelo seu compromisso com a pornografia ética. Tipicamente, a ênfase ética vai andar à volta de aspectos como os standards de produção, o consentimento, a representação de diversos tipos de corpos, géneros e etnias, o retrato de práticas sexuais seguras e a prioridade pelo bem-estar de todos os envolvidos;
  • Lembra-te da diferença entre as fantasias e a realidade quando estás a ver porno. Lembra-te que o que vês online pode não acontecer na vida real;
  • Mantém-te atento ao teu consumo de pornografia. Se sentires que se está a tornar avassalador ou a ter impacto na tua vida sexual diária ou experiências, não tenhas vergonha. Procura ajuda de um profissional.

Exclusivo P3/The Conversation
Chantal Gautier é professora na Universidade de Westminster e terapeuta sexual e de relacionamentos.

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