CUF Descobertas e Hospital de Cascais alvo de queixas por deixarem compressas em mulheres

Entidade Reguladora da Saúde revela casos no relatório publicada esta terça-feira. Hospitais de Santa Maria e São José com processos por violarem liberdade de escolha.

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A ERS emitiu instruções para os dois hospitais no sentido de "garantir, em permanência, que, na prestação de cuidados de saúde, são respeitados os direitos e interesses legítimos dos utentes" Rui Gaudêncio
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Os hospitais CUF Descobertas e Cascais foram alvo de reclamações por parte de utentes que ficaram com compressas esquecidas no corpo após intervenções, levando o regulador da saúde a emitir uma instrução às unidades hospitalares.

A utente que apresentou queixa contra o Hospital CUF Descobertas alega na reclamação feita à Entidade Reguladora da Saúde (ERS) que, após o parto, ficaram esquecidas duas compressas vaginais, que apenas foram detectadas 15 dias depois da intervenção. Conta ainda que lhe foi dada alta sem que tenha sido feita qualquer revisão do canal de parto.

"No dia 17 de Março de 2023, após oito dias de um parto com complicações (hemorragia) no Hospital CUF Descobertas, na minha casa de banho ao fazer higiene pessoal reparei que tinha uma obstrução na vagina e, com nervos e preocupação, puxei, sendo que saiu da mesma uma compressa cirúrgica já com cheiro a descomposto", lê-se na reclamação reproduzida no relatório das deliberações do 4.º trimestre de 2023 da ERS, divulgado esta terça-feira.

A utente relata que entrou em contacto com a obstetra, que lhe disse para ir ao hospital e recorda que, para sua "surpresa, ao fazer revisão encontraram mais uma compressa". "Fizeram desinfecção e prolongaram antibióticos. É importante informar que no dia 13 de Março de 2023 já tinha estado em consulta de revisão e não foi detectada a presença das compressas e o parto foi no dia 3 de Março de 2023", salienta.

O hospital referiu numa resposta à ERS que foi realizada, em 21 de Julho de 2023, uma reunião presencial entre a Direcção Clínica e a reclamante, "tendo sido prestados todos os esclarecimentos do ocorrido e respondido a todas as questões levantadas pela cliente". Diz ainda que foram levantadas algumas acções de melhoria nos cuidados prestados, na sequência do incidente.

Após a "análise atenta e rigorosa" dos factos, a ERS apurou que "a conduta do Hospital CUF Descobertas se mostrou desrespeitadora do direito da utente à prestação de cuidados adequados, de qualidade e com correcção técnica".

O regulador alerta para a importância de evitar a ocorrência de situações semelhantes e emitiu uma instrução ao hospital no sentido de "garantir, em permanência, que, na prestação de cuidados de saúde, são respeitados os direitos e interesses legítimos dos utentes, nomeadamente, o direito aos cuidados adequados, tecnicamente mais correctos, com humanidade e prontidão",

O hospital deve também garantir que "todos os instrumentos e/ou compressas utilizados no decurso de qualquer intervenção são devidamente contados e registados no processo clínico dos utentes e correctamente removidos previamente à sua alta, assegurando, a todo o momento, a qualidade e a segurança dos cuidados de saúde prestados".

A ERS também emitiu uma instrução no mesmo sentido ao Hospital de Cascais, na sequência da reclamação subscrita em 18 de Maio do ano passado por uma utente que diz que se esqueceram de uma compressa vaginal, na sequência de uma cirurgia por incontinência de esforço, que apenas foi retirada 10 dias após a intervenção.

Em resposta à reclamação, a unidade de saúde lamentou "os factos descritos e o transtorno causado"."[...] Na análise do percurso [...], durante o internamento no Hospital de Cascais, identificamos uma oportunidade de melhoria relativamente à transferência de cuidados no circuito do doente cirúrgico", sublinha.

Também neste caso, a ERS considerou que "a conduta do hospital se mostrou desrespeitadora do direito da utente à prestação de cuidados adequados, de qualidade e com correcção técnica".

Instruiu o hospital a dar conhecimento à ERS do cumprimento efectivo do Plano de Acção de registo de incidentes e eventos adversos e a assegurar que "os procedimentos em vigor, bem como novos procedimentos a adoptar, para cumprimento da instrução, sejam correctamente seguidos e respeitados por todos os trabalhadores e/ou prestadores de serviços".

Santa Maria e São José com processos por violarem liberdade de escolha

No mesmo relatório, a ERS revela que instaurou processos de contra-ordenação contra os centros hospitalares Lisboa Norte e Lisboa Central por violarem a liberdade de escolha do utente no agendamento da primeira consulta da especialidade de cirurgia plástica e reconstrutiva.

A ERS tomou conhecimento de várias reclamações de utentes contra o Hospital de Santa Maria, que integra o Centro Hospitalar Lisboa Norte (CHULN), devido à recusa dos pedidos de referenciação para consulta hospitalar de cirurgia plástica e reconstrutiva.

Após analisar as situações, a ERS apurou que os pedidos de referenciação efectuados pelos utentes (todos residentes fora da área de referenciação do Santa Maria) via "Consulta a Tempo e Horas" para primeira consulta desta especialidade foram recusados com o fundamento comum: "[...] o Serviço de Cirurgia Plástica do CHULN não reúne condições para, neste momento, responder em tempo adequado aos pedidos de consulta".

O centro hospitalar alegou ainda que, "tendo em LIC [Lista de Inscritos em Cirurgia] centenas de doentes, não consegue manter o TMRG [Tempos Máximos de Resposta Garantidos] para cirurgias verificando-se a saída para o sistema convencionado de doentes a seu cargo", nomeadamente para o hospital da área de residência ou para o hospital central correspondente.

"Ora, à luz da factualidade descrita nos autos é possível concluir, sem margem para dúvidas, que o direito de acesso a cuidados de saúde dos utentes (...) à primeira consulta de especialidade hospitalar de que careciam, não foi salvaguardado pelo CHULN".

"Ao recusar o pedido de primeira consulta hospitalar nos moldes descritos, o CHULN estabelece uma autêntica barreira de acesso aos utentes, impedindo que estes sejam inscritos em lista de espera para consulta, obstaculizando o regular funcionamento da matriz de acesso que a LAC [sistema de Livre Acesso e Circulação de Utentes] procurou implementar", refere a ERS no relatório com as deliberações do quarto trimestre de 2023.

A ERS também emitiu uma instrução ao Centro Hospitalar e Universitário Lisboa Central (CHULC) no mesmo sentido de garantir, em permanência, que, na prestação de cuidados de saúde, são respeitados os direitos e interesses legítimos dos utentes, nomeadamente, a liberdade de escolha do prestador de cuidados de saúde.

Segundo a ERS, uma utente depois de ter visto frustrado o pedido de referenciação para o Hospital Santa Maria, o seu médico de família fez um novo pedido de referenciação para o Hospital de S. José, que integra o CHULC, o qual também foi recusado, com fundamento "na impossibilidade de resposta cumprindo o tempo médico de espera para consultas e cirurgia por extensa lista de espera"

O regulador sublinha que o CHULC também não salvaguardou o direito de acesso a cuidados de saúde que a utente carecia, "tendo, aliás, assumido essa falha, manifestando a sua disponibilidade para agendar a consulta anteriormente recusada".

Por outro lado, adianta, verificou-se também outras situações, na especialidade de oftalmologia, com recusa dos pedidos de consulta, com base em motivos não clínicos, assumindo o hospital à data ter um procedimento de triagem de pedidos de consulta, com base em critérios de prioridade, e de área de referenciação/seguimento por aquele prestador.

"A adensar tal problemática, tais recusas dos pedidos eram efectuadas, por vezes, meses após terem sido requeridas as consultas pelos cuidados de saúde primários", o que significa que, além de não ser garantido aos utentes o acesso aos cuidados de saúde necessários, ficavam impedidos de os ter noutro hospital do SNS", refere a ERS, sublinhando que o hospital não pode instituir critérios de triagem para acesso de consulta de especialidade de oftalmologia, como os que assume ter adoptado.

Os hospitais ficam sujeitos a contra-ordenações puníveis com multa de 1.500 a 44.891 euros.

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