“Não se confunda autonomia com anarquia do Ministério Público”

Eduardo Paz Ferreira, professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, organizou o congresso “50 anos de Direito em Portugal” que reflecte sobre o pós 25 de Abril.

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Eduardo Paz Ferreira é o principal organizador do congresso “50 anos de Direito em Portugal" que começa esta terça-feira Maria Abranches
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“Não se confunda autonomia com anarquia [do Ministério Público]”. A provocação de Eduardo Paz Ferreira, professor catedrático jubilado da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, à actuação da magistratura responsável pelas investigações criminais, ocorre no âmbito de um balanço rápido sobre o Estado de Direito em Portugal depois do 25 de Abril.

A conversa decorre a propósito do congresso “50 anos de Direito em Portugal: anatomia de um sistema em transição”, uma iniciativa da Faculdade de Direito da Universidade Lisboa (FDUL), que teve Paz Ferreira como principal organizador. O evento está dividido por 14 painéis e decorre entre esta terça-feira e esta quinta-feira, nas instalações daquela faculdade.

Entre o rol de oradores, está o ex-procurador-geral da República, Cunha Rodrigues; o antigo presidente do Supremo, Henriques Gaspar; a provedora da Justiça, Maria Lúcia Amaral; a presidente da Fundação Champalimaud e antiga regente de Direito da Família, Leonor Beleza; o ex-ministro da Saúde, Correia de Campos, entre muitos outros.

As críticas de Paz Ferreira não o distraem do essencial: houve uma profunda transformação verificada em todos os ramos do Direito nos últimos 50 anos, que tornaram Portugal num país “mais livre, com mais direitos e num Estado mais moderno”, acredita o professor universitário, também advogado.

“O país chegou a 1974 extremamente pobre. Tinha um Direito atrasadíssimo, conservadoríssimo, que suprimia liberdades e direitos básicos, nomeadamente às mulheres, e que do ponto de vista económico era avesso à concorrência e assentava num sistema corporativo que bloqueava o desenvolvimento”, analisa Paz Ferreira, casado com a ex-ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, é que fez toda a sua carreira no Ministério Público.

Crítico da “Justiça espectáculo”, Paz Ferreira atira não apenas aos excessos dos procuradores que fazem buscas para apreender garrafas de vinho, como aos juízes que considera hoje menos serenos e menos isentos do que já foram. Ainda assim reconhece que a justiça penal portuguesa em termos de duração será das melhores ao nível europeu, ainda que tenha alguns casos complexos “como pedras pesadas no seu sapato”. Entre as normas que considera necessário alterar nesta área está a facilidade com que se admitem recursos nos tribunais, mais acessíveis a quem tem mais posses.

O universitário realça as inovações “fantásticas e muito rápidas” ocorridas no Direito da Família logo após o 25 de Abril, que permitiu a revisão da concordata e abriu a porta ao casamento de divorciados, que antes tinham casado pela Igreja. Louva igualmente a vulgarização dos meios alternativos de resolução de litígios e o facto de Portugal ter sido um dos primeiros países a introduzir a arbitragem tributária, uma experiência que considera que tem sido bem-sucedida.

No Direito Fiscal e das Finanças Públicas, a sua área de especialização, lamenta que hoje se resista cada vez mais em utilizar os impostos como instrumento para esbater as desigualdades de rendimentos. E que se tenha generalizado a evasão fiscal entre as grandes empresas que usam offshores ou transferem as sedes para países com regimes fiscais mais benéficos.

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