Zita Martins: A procura incessante pela origem da vida

A vida existe na Terra. É este o corolário que ilumina a astrobiologia. Por um lado, tem de haver uma razão para existir vida na Terra. Por outro, se surgiu cá, então pode ter surgido noutros lugares do Universo. “É uma procura incessante”, resume Zita Martins, que trabalha no Imperial College de Londres, no Reino Unido.

A investigadora foi atraída para a ciência durante o liceu, quando viu excertos do programa de televisão Cosmos, de Carl Sagan. No final da licenciatura em Química, no Instituto Superior Técnico, foi fazer o estágio sobre química ligada ao espaço em Leiden, na Holanda. “Trabalhei com meteoritos e apliquei vários testes químicos. Adorei e pensei: ‘É isto que quero fazer para o resto da vida’”, recorda a cientista de 35 anos. “Queria ver qual é a importância dos meteoritos para trazer moléculas [orgânicas] importantes para a vida na Terra.”

Em 2013, a cientista fez parte de uma equipa que mostrou que um impacto de um projéctil de metal a 25 mil quilómetros por hora era capaz de formar aminoácidos — os tijolos das proteínas, moléculas importantes para a vida. Os resultados mostraram que impactos de asteróides e cometas na Terra poderão ter feito o mesmo.

“Sabemos que temos as moléculas fundamentais para a vida, quer tenham sido trazidas por meteoritos ou formadas em fontes hidrotermais. E também sabemos que houve um grande impacto na Terra por cometas e meteoritos entre 4,5 e 3,8 mil milhões de anos atrás. A vida surgiu mais ou menos há 3,5 mil milhões de anos. Mas falta compreender este salto entre não vida para vida”, explica Zita Martins.

Há, no universo, milhões de milhões de estrelas e ainda mais planetas. De há duas décadas para cá, os astrónomos começaram a identificar exoplanetas e estão a tentar encontrar um planeta gémeo da Terra, capaz de suportar vida. Mas não é este o campo de Zita Martins: “Os astrónomos vão além do nosso sistema solar, mas não vão realmente até esses exoplanetas. Porque não temos tecnologia para isso. Nós, os químicos, o que queremos é ir a algum sítio, analisar localmente uma amostra e trazer essa amostra de volta.”

Em 2002, num artigo de opinião escrito para a revista Nature, Michael J. Drake (morreu em 2011) e Bruce Jakosky, dois cientistas da área da física planetária e astrobiologia, defendiam que era preciso uma exploração equilibrada do sistema solar para responder à procura de Zita Martins.

Segundo os cientistas, as missões planeadas eram limitadas: “[Investigar a vida em] Marte ou [na lua] Europa não constitui uma exploração equilibrada do sistema solar. Apesar de os nossos esforços actuais poderem, se formos sortudos, permitir responder à questão ‘Estamos sozinhos no Universo?’, não vão poder abordar a questão mais importante do ‘Porquê?’.”

Zita Martins defende que não faltam missões espaciais. Mas lança as mesmas questões: “Se encontrarmos vida em Marte, será que esta vida teve uma origem igual à da Terra? E se foi diferente, então por que é que foi diferente? Duvido muito de que estejamos completamente sozinhos no Universo, mas, se estivermos sozinhos, por que é que a vida surgiu aqui na Terra?”

Uma das missões futuras que mais entusiasmam a investigadora é um projecto da NASA, agência dos Estados Unidos, para observar a Europa, uma lua de Júpiter. “A Europa tem à superfície gelo, mas pensamos que por baixo existe um oceano líquido. E toda a vida como nós a conhecemos necessita de água. Por isso, parece ter condições ideais para ter vida”, diz Zita Martins, que não está envolvida neste projecto.

Para já, o plano da missão, chamada Europa Clipper, é enviar uma sonda por volta de 2025 que fará vários voos perto da superfície da lua para analisar o tamanho da camada de gelo, a sua topografia e os compostos que povoam a atmosfera rarefeita. A missão ainda não vai avaliar se há lá vida, apenas a sua habitabilidade.

Já a missão da Agência Espacial Europeia (ESA) a Marte, a ExoMars, poderá realmente procurar vida. Parte da missão é composta por um rover a ser lançado em 2018 que chegará a Marte em 2019.

“O que é interessante é que [o rover] irá furar o solo a cerca de metro e meio e isso é algo novo”, diz a cientista, que também não integra nenhuma equipa da missão. À superfície de Marte, a radiação solar destrói as moléculas orgânicas. Por isso, a procura de vida ou de vestígios de vida terá de ser feita no subsolo. O rover da ExoMars tem uma broca que irá retirar amostras para analisar se existem moléculas orgânicas.

A cientista está envolvida num projecto sobre a radiação solar. Nos próximos dois anos, vai ser enviada para a Estação Espacial Internacional (ISS) uma experiência que testará o efeito desta radiação nas moléculas orgânicas. “Temos duas caixinhas com vários poços em que pomos películas muito finas com determinadas moléculas orgânicas. Noutros poços pomos essas moléculas orgânicas e, por cima, uma camada de minerais”, explica.

As amostras serão submetidas à radiação solar no espaço. Desta forma, pode-se analisar o efeito protector dos minerais. “Isso vai ter importância para missões a Marte. Se soubermos que um determinado mineral é melhor para proteger moléculas orgânicas, vamos tentar ir a locais em Marte onde sabemos que esse mineral existe.”

A experiência na ISS é um objecto raro entre missões que demoram décadas. Zita Martins faz parte do projecto MarcoPolo-2D, que foi candidato a um programa da ESA, para ir até um asteróide e trazer amostras para a Terra — o projecto foi recusado na última quarta-feira. A ideia era lançar uma sonda em 2025 e trazer as amostras em 2035. “Este tipo de análises é como viajar numa máquina do tempo, porque são amostras que dizem que condições físicas e químicas ocorreram no início do sistema solar”, explica a cientista. “Outra coisa é perceber mais e melhor sobre a contribuição destes corpos celestes para trazer as moléculas fundamentais para a origem da vida na Terra.” 

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