O Caravaggio perdido vai ser exposto no Museu do Prado já no fim do mês

“Uma das grandes descobertas da história da arte”: é assim que o museu espanhol classifica o desfecho de três anos de identificação, resgate e restauro de um Ecce Homo do mestre italiano.

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Ecce Homo, já restaurado Cortesia do proprietário/Museu do Prado
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A pintura que durante a pandemia gerou alguma comoção no meio artístico em Espanha — um Caravaggio “perdido” prestes a ir a leilão que depois foi estudado por historiadores e até um engenheiro nuclear e entretanto restaurado — vai finalmente ser mostrada ao público. O Ecce Homo do pintor barroco italiano vai estar no Museu Nacional do Prado, em Madrid, entre 28 de Maio e Outubro deste ano, num “acto de generosidade do seu proprietário”, como diz o museu em comunicado enviado esta segunda-feira, que permitirá a contemplação de “uma das mais valiosas obras de arte antiga do mundo”.

Foi em Abril de 2021 que o Estado espanhol impediu o leilão de um Ecce Homo datado do século XVII e atribuído a um aluno de José de Ribera (1591-1652), com o Ministério da Cultura a decretar que, mesmo que a venda da obra se concretizasse, esta não poderia sair do país. O Prado já tinha entrado em cena antes, como autor do alerta à tutela de que a pintura em causa tinha muito maior relevância do que se pensava.

Depois, os peritos do museu produziram um relatório inicial que indicava que a pintura seria mesmo um Caravaggio (1571-1610) ou, na pior das hipóteses, uma obra de um dos seus seguidores próximos. A pintura foi imediatamente classificada como Bem de Interesse Cultural, o que impedia a sua saída de Espanha. Nos últimos anos os trabalhos em torno da pintura passaram por várias fases, como detalha a nota agora enviada pelo Prado às redacções. Houve “uma velocidade de consenso sem precedentes na sua autenticação”, diz o museu, e esta é, postula a instituição, “uma das grandes descobertas da história da arte”.

Os proprietários da obra, que há três anos esteve para ir à praça com uma base de licitação de meros 1500 euros, permitiram o acesso ao Ecce Homo. A obra lá foi vendida, sempre sem poder sair de Espanha e sob o olhar atento do Governo Regional de Madrid, e o novo dono colaborou com os peritos que restauraram a pintura à sua velha glória.

Entre os peritos de vários países envolvidos estiveram Claudio Falcucci, engenheiro nuclear especializado na aplicação das suas técnicas à conservação de património, que fez o primeiro diagnóstico “em profundidade”, e depois a especialista em Caravaggio Maria Cristina Terzaghi, que não hesitou na atribuição da autoria da pintura.

Desde então, o Ecce Homo ficou ao cuidado da Colnaghi — um nome que pode soar familiar a quem acompanhou o caso da Descida da Cruz, de Domingos Sequeira, pintura que o Estado português tentou adquirir sem sucesso em Março último e que estava precisamente nas mãos desta prestigiada galeria especializada em arte antiga.

A obra de Caravaggio recém-atribuída antes do restauro Cortesia: Museu do Prado
A obra de Caravaggio recém-atribuída depois do restauro Cortesia: Museu do Prado
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A obra de Caravaggio recém-atribuída antes do restauro Cortesia: Museu do Prado

O que se sabe agora é que esta cena terá sido pintada por Michelangelo Merisi (conhecido como Caravaggio) entre 1605 e 1609 e que é uma das 60 obras conhecidas do artista italiano. Terá feito parte da colecção particular do rei Filipe IV de Espanha (Filipe III de Portugal). Segundo escreve esta segunda-feira o diário El País, pertencia até ao leilão de 2021 à família do político liberal Evaristo Pérez de Castro; o seu novo proprietário, que empresta agora ao Prado a obra por nove meses, é residente em Espanha e é representado pela Colnaghi.

O El País detalha que a pintura está desde Julho de 2022 num armazém perto do aeroporto de Madrid, onde tem sido visitada pelo séquito de especialistas que a avaliaram e restauraram — coube ao italiano Andrea Cipriani a recuperação da obra, mas também nomes reconhecidos no meio como os de Carlo Giantomassi e do já referido Claudio Falcucci.

A inauguração da mostra no Prado, no fim do mês, será acompanhada pela publicação de textos de Keith Christiansen (curador do Museu Metropolitan de Nova Iorque), Gianni Papi (historiador de arte), Giuseppe Porzio (professor de História de Arte na Universidade de Nápoles) e Maria Cristina Terzaghi (professora de História de Arte na Universidade Roma Tre) sobre o processo de avaliação e estudo da pintura, bem como a sua recuperação. São quatro dos mais respeitados peritos em pintura do Barroco e de Caravaggio em todo o mundo.

“O expressivo óleo sobre tela representa o motivo histórico artístico do governador romano Pôncio Pilatos apresentando Cristo ao povo, com as palavras ‘Ecce homo’ (‘Eis o homem’) — um dos momentos mais dramáticos da Paixão, registado no Evangelho de João (19:5). A obra é um exemplo poderoso do domínio da concepção de Caravaggio: uma composição hábil que apresenta uma cena tridimensional e dinâmica, totalmente inovadora, mas dentro dos limites de uma tradição iconográfica estabelecida”, descreve o Museu do Prado.

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