Casamento made in Portugal

Sobre O Dia do Meu Casamento, de Anabela Moreira e João Canijo.

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O texto seguinte foi produzido por um dos participantes do workshop Crítica de Cinema realizado durante o Curtas Vila do Conde – Festival Internacional de Cinema. Este workshop é formado por um conjunto de masterclasses e debates com convidados internacionais e pela produção de textos críticos sobre os filmes exibidos durante o festival, que serão publicados, periodicamente, no site do PÚBLICO e no blogue do Curtas Vila do Conde.

A par da carreira como actriz, Anabela Moreira decidiu aventurar-se também na realização, ou, neste caso, na co-realização do documentário Portugal – Um Dia de Cada Vez (2015), juntamente com João Canijo, aliás autor de inúmeros filmes por ela protagonizados. A mesma dupla surge este ano com a curta-metragem O Dia do Meu Casamento, uma ficção cheia de elementos documentais passada quase inteiramente dentro duma casa portuguesa e que retrata durante uma manhã o ambiente familiar de preparação da cerimónia.

Como habitual nos filmes de Canijo, as várias mulheres da família assumem um papel preponderante na narrativa. A cena inicial dá-nos a conhecer a matriarca, que ainda de madrugada vem alimentar os cães ao terraço da casa. Pouco depois vemos uma menina (neta) a brincar com um pintainho – presumivelmente acabará dentro duma cabidela – e em seguida as duas irmãs (as filhas, Anabela e Margarida Moreira, uma delas a noiva). Ainda é muito cedo, mas estas quatro mulheres estão prontas para começar as hercúleas preparações deste dia.

A primeira figura masculina surge apenas aos sete minutos, num plano sucinto que corta rapidamente para uma sala, onde além de três septuagenários descansa também o leitão, escarrapachado numa mesa fausta. Muitos dos convidados estão já prontos para o casamento: uma panóplia de vestidos horrendos, como manda a tradição.

O filme divide-se então em dois níveis: no andar térreo (e respectivo jardim) estão os descontraídos convidados, muitos deles velhos ou crianças e adolescentes; no andar de cima, encontramos a noiva e as suas ajudantes, num ambiente mais íntimo e tenso. Estes dois níveis são ainda subdivididos no quadro com o posicionamento da câmara, que recorre a espelhos para uma dupla leitura (como no caso do quarto, onde há dois espelhos distintos), ou com as portas e as aberturas que permitem abarcar mais do que uma divisão de cada vez: sala/hall, cozinha/terraço, entre outros.

Este mecanismo audacioso de multiplicidade de acções é ainda reforçado pelo som, que capta simultaneamente, e em diferentes volumes, várias conversas executadas por actores e actrizes amadores, que improvisam diálogos corriqueiros sobre memórias de família, táxis ou as notas de matemática, e que caem por vezes em pleonasmos caricatos como “saiu para fora” ou “subiu para cima”, que todos sabemos que é preferível a sair para dentro ou subir para baixo.

O momento mais emocionante do filme desponta com o abotoar do vestido da noiva, igualzinho ao cortinado que vemos ao fundo. A mãe, sem maldade, sugere que a filha possa estar mais inchada, mas, depois de um momento de aflição e de falta de circulação, o assunto resolve-se.

A beleza de O Dia do Meu Casamento reside exactamente na decisão dos autores em não embelezar (a fotografia do filme e a direcção artística são dois exemplos) ou engrandecer aquilo que será uma manhã na vida duma noiva portuguesa. No último plano, filmado da sala para o hall de entrada, vemo-la, já sozinha, a ir buscar o ramo e sair do quadro. Não aconteceu nada de especial, mas o que aconteceu soou verdadeiro e comovedor.

Texto editado por Jorge Mourinha

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