Coisas do tempo e do espaço

Quem passar nestes dias pelo País Basco tem algumas exposições antológicas para ver. No Museu das Belas Artes de Bilbau está até 19 de Maio uma retrospectiva do pintor e escultor alemão de origem checa Markus Lüpertz (nascido em Liberec, na Bohemia, a 25 de Abril de 1941), um total de 91 obras desde 1963 até 2013. É uma impressionante mostra de uma das figuras marcantes do neo-expressionismo alemão e um bom começo para a viagem que nos conduz, ali bem perto, a outros olhares sobre o tempo e o espaço. No Guggenheim, aliás, é esse o mote para as actuais exposições.

Desafiado pelo museu a fazer uma reflexão sobre “a fisicalidade do espaço e a natureza da escultura”, o californiano Richard Serra encheu uma das alas com sete esculturas monumentais em aço, simulando espirais e labirintos por onde os visitantes se embrenham, experimentando subtis sensações de inquietude e vertigem. Serra chamou-lhe A Matéria do Tempo (1994-2005) e o Guggenheim arranjou-lhe a mais adequada réplica: a macieza elástica das esculturas interactivas do carioca Ernesto Neto, que do chão ao tecto convidam ao toque, à experimentação, e, já agora, também à vertigem. Nada que Yoko Ono enjeite. Na vasta retrospectiva inaugurada a 14 de Março (quase 200 peças, que ali estarão até 1 de Setembro), Half-a-Wind Show, incluem-se não apenas muitas das peças escultóricas de Yoko mas também vídeos de performances, filmes e peças interactivas, a primeira das quais logo à entrada (sem que agora se lhe possa tocar): o escadote branco com uma lupa pendurada para se poder ler, numa placa posta no tecto, a palavra “yes” escrita em letras pequenas. Foi esta peça que fez com que John Lennon se apaixonasse por ela — e o resto é a história que se sabe.

Mas se Yoko Ono nos remete, nas suas primeiras obras, para os anos 60 do século XX, uma outra exposição leva-nos um pouco mais atrás, à década anterior. Não aos Estados Unidos, mas a Espanha, em imagens fabulosas. É uma retrospectiva do catalão Francesc Català-Roca, fotógrafo meticuloso e genial, documentarista ímpar de uma época que sem ele não teria sobrevivido de modo tão presente. Dos seus 200 mil negativos “perfeitos” (os outros deitava-os fora), a Sala Kubo-Kutxa de San Sebastian exibe um considerável lote a que chamou, com acerto, “obras-primas”. Os que não conhecem a sua obra facilmente se deixarão encantar por ela, tal a força, complexidade e singeleza que exibem as suas fotografias. Numa frase sua, transcrita nas paredes do museu, Català-Roca diz que começou a fotografar incansavelmente quando se apercebeu de que aquele mundo que então via estava prestes a desaparecer. E o que fez não tem preço. Milhares e milhares de fotografias, como quadros com gente dentro. Tiradas, muitas delas, em 1955.

Ora foi precisamente em 1955, a 11 de Janeiro, que nasceu na Califórnia Christian Marclay, de pai suíço e mãe americana. Crescido em Genebra, talvez esteja aí e na ascendência paterna o gosto que lhe ficou pela matéria do tempo. E isto faz-nos voltar ao Guggenheim. Numa sala do museu é agora exibida, em permanência, a sua obra The Clock. É uma instalação, filme de filmes, um prodígio de montagem (ali é exibida num ecrã de cinema, mas há curtos excertos no Youtube) e torna-se viciante vê-la. O que é difícil fazer em sequência, porque dura 24 horas. Marclay procurou em filmes e séries de televisão, de múltiplas nacionalidades e épocas, segmentos onde se vissem relógios ou se citassem horas respeitantes a cada um dos minutos do dia. Nos lugares onde é exibido, The Clock é sincronizado com a hora local. Assim, quando o espectador vê alguém olhar um relógio e ali estiverem assinaladas 12h15m, serão precisamente essas horas no local de exibição. Milhares e milhares de fragmentos fílmicos montados em sequência, com múltiplos actores e tendo por único enredo o tempo valeram a Marclay um Leão de Ouro em Veneza, em 2011. E valem uma visita a Bilbau, agora. Em tempo real. 

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