Os muros de Berlim

No próximo domingo passam 25 anos sobre a queda do muro de Berlim. Para a geração que está hoje nos quarenta anos foi talvez um dos acontecimentos mais marcantes de sempre. Uma daqueles ocorrências que assinalam um antes e um depois.

Recordo-me de, adolescente, ficar colado à televisão e aos jornais nesses dias e de me emocionar à distância, vislumbrando todo aquele voluntarismo transformador.

Nesses anos da viragem dos anos 80 para os 90 todos os olhos estavam concentrados ali. Recentemente Bono, dos U2, recordava que quando o grupo chegou à cidade alemã, para ali se inspirarem na feitura do álbum Achtung Baby, foram surpreendidos e em vez de rostos satisfeitos, foram recebidos por vozes crispadas pedindo o regresso ao passado. Todos os dias havia acontecimentos latejantes. Avanços e recuos.

Há uma semana, assistindo a uma iniciativa lançada pela Comissão Europeia, que quer colocar os cidadãos a discutir Uma Nova Narrativa para a Europa, nestes tempos de descrença nos ideais europeus, recordei esse tempo fundador.

O documento norteador agora posto à discussão expõe que é preciso um “novo renascimento”, onde se cuide da diversidade cultural e do pluralismo, dando resposta ao sentimento de pertença dos cidadãos. Assinado por intelectuais e artistas, lê-se no documento que é necessária uma nova narrativa porque regressam crispações identitárias e fantasmas nacionalistas.

Nos últimos anos inúmeras vozes têm dito o que parece uma evidência: a economia converteu-se na única narrativa europeia. Falta cumprir-se uma Europa política e cultural, impulsionando a emergência de uma autêntica cidadania, não limitada à cooperação financeira. A queda do muro parecia prometer isso. E talvez nenhuma outra cidade europeia como a capital alemã pareceu personificar isso mesmo durante anos.

Andava-se nas suas ruas e percebia-se que, depois da queda do muro, todas as suas fronteiras (na arte, na música ou no urbanismo) haviam explodido. Havia sentido comunitário, informalidade e uma forma vibrante de viver o espaço público.

E mesmo sendo uma das cidades alemãs com economia mais deficitária era a mais desejável, com escala humana, para onde todos os agentes criativos da Europa se queriam deslocar.

Hoje, Berlim, como a Europa, vive entre tensões. O capitalismo financeiro, selvagem, sem nenhum controlo, especulativo, foi criando cada vez mais desigualdades. A paisagem física transformou-se. As rendas subiram. Os espaços vazios da ex-RDA e as galerias de arte não resistiram à competição dos centros comerciais. O centro da cidade pertence cada vez mais apenas aos abastados. O círculo de renovação dos diferentes bairros parece esgotar-se e a detonação cultural que aconteceu após a queda do Muro abrandou assinalavelmente.

Mas apesar dos desequilíbrios é ainda uma urbe aberta a novas ideias e pessoas, sem se ter desumanizado por completo. Continua a ser um laboratório vivo onde se observa que apesar das tensões é possível manter uma relação proporcionada entre economia, política, arte e cultura, para lá das únicas lógicas que hoje vingam, assentes na racionalidade económica.

O muro já caiu. A esperança está abalada, mas ainda intacta.

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