A previsibilidade do guarda-redes na hora do penálti

Um estudo concluiu que há um padrão no comportamento dos guarda-redes durante os desempates por grandes penalidades.

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Marcos Brindicci / Reuters

É um lugar-comum chamar-se ao desempate por grandes penalidades de “lotaria”, dada a imprevisibilidade do seu desfecho. Mas e se houvesse uma maneira de prever qual é o “bilhete vencedor”? A estatística decidiu dar uma ajuda.

Um grupo de investigadores da University College de Londres analisou 37 desempates por penáltis das fases finais de Mundiais e Europeus entre 1976 e 2012 e chegou à conclusão de que o comportamento dos guarda-redes tende a obedecer à chamada “falácia do apostador”. Após uma sequência de remates para o mesmo lado, os guarda-redes têm tendência a atirar-se para o lado contrário.

Este comportamento foi detectado em apostas de casinos quando, por exemplo, um jogador de roleta aposta na cor oposta àquela que saiu repetidamente nas ocasiões anteriores. “As falácias cognitivas podem afectar-nos a todos, mesmo se somos considerados especialistas numa área particular”, afirmou Patrick Haggard, um dos autores do estudo publicado esta quinta-feira pela revista Current Biology.

Em termos de grandes penalidades, Ricardo pode ser considerado um desses especialistas, depois de duas grandes prestações no Euro 2004 e no Mundial 2006. Ao PÚBLICO, o guarda-redes que actua agora no Olhanense mostra-se céptico em relação às conclusões do estudo e prefere sublinhar “o trabalho de casa” feito previamente. “Não escolho o lado para onde me vou atirar. Faço o trabalho de casa, visualizamos todos os jogadores que são opção para bater penáltis e, consoante a linguagem corporal [do jogador], tento defender”, diz Ricardo, acrescentando que “a sorte é apenas um por cento” do sucesso.

Soubesse o guarda-redes inglês Paul Robinson deste estudo e talvez a campanha da selecção portuguesa no Euro 2004 tivesse ficado pelos quartos-de-final. Hélder Postiga preparava-se para bater a grande penalidade que poderia colocar Portugal em vantagem, já depois de as duas equipas terem falhado um par de oportunidades. Os três portugueses tinham rematado para a direita e Robinson atirou-se para o seu lado esquerdo, acabando por ser uma vítima perfeita da “falácia do apostador” – um exemplo que até figura no estudo.

Os investigadores oferecem duas razões que podem estar por trás, ainda que inconscientemente, da decisão dos guarda-redes sujeitos à falácia do apostador. “Podem acreditar que a sequência de remates é genuinamente aleatória e tornam-se simplesmente num alvo da falácia do apostador. Alternativamente, o comportamento dos guarda-redes pode reflectir uma ‘hierarquia cognitiva’: o guarda-redes pode acreditar que os rematadores vão demonstrar uma falácia do apostador, mas não verdade não o fazem”, lê-se no estudo.

Na raiz desta tendência está uma característica comum ao ser humano: a dificuldade em gerar imprevisibilidade. E aqui está uma das diferenças entre o guarda-redes – que é apenas uma pessoa que tem que gerir uma sequência de comportamentos – e os rematadores – que são sempre diferentes. “Os guarda-redes têm a desvantagem de produzir um comportamento sequencial previsível” e, por outro lado, “o grupo de rematadores pode colectivamente produzir uma sequência mais aleatória do que qualquer indivíduo singular”.

Mas se os guarda-redes caem frequentemente neste padrão de comportamento, os cobradores das grandes penalidades parecem não o ter detectado. O estudo conclui que “os rematadores podem simplesmente não conseguir perceber, ou falhar em explorar” o comportamento dos guarda-redes, o que significa que “a vulnerabilidade pode permanecer sem ser penalizada”.

Voltemos ao penálti em que Paul Robinson “sucumbiu” à falácia do apostador. O guardião inglês deveria ter optado pelo seu lado esquerdo, mas mesmo isso poderia não ser suficiente para impedir o remate à “Panenka” de Postiga, desafiando qualquer estatística.

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