A Europa não larga o futebol (I)

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Na exacta medida em que o futebol recorre à Europa, particularmente ao Tribunal Justiça da União Europeia (TJUE). Narrativa em três actos.

No passado dia 30 de Abril, o advogado-geral Maciej Szpunar apresentou as suas conclusões no processo que corre no TJUE, com o número C‑650/22. No caso, um jogador colocou em crise as regras FIFA que dizem respeito ao pagamento de compensações, à aplicação de sanções desportivas e à emissão de um certificado internacional de transferência obrigatório numa situação de alegada rescisão do contrato sem justa causa.

As normas FIFA são escrutinadas à luz da liberdade de circulação de trabalhadores, artigo 45.º, mas também em confronto com o artigo 101.º, cujo nº 1 estabelece que são incompatíveis com o mercado interno e proibidos todos os acordos entre empresas, todas as decisões de associações de empresas e todas as práticas concertadas que sejam susceptíveis de afectar o comércio entre os Estados-Membros e que tenham por objectivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado interno (ambas as normas estabelecidas no Tratado do Funcionamento da União Europeia).

No processo encontram-se em causa normas do regulamento relativo ao Estatuto e Transferência de Jogadores (RETJ), das quais decorre, aqui de forma breve, que os jogadores inscritos numa federação só podem ser inscritos numa nova federação quando esta última tiver recebido um Certificado Internacional de Transferência (daqui em diante: “CIT”) da federação anterior; a federação anterior não emitirá o CIT se o clube anterior e o jogador profissional estiverem em litígio contratual com base em dadas circunstâncias e estabelece que "no prazo de sete dias a contar da data do pedido de CIT, a federação anterior deverá […] indeferir o pedido de CIT e indicar […] o motivo do indeferimento, que pode ser o facto de não ter expirado o contrato entre o clube anterior e o jogador ou o facto de não ter havido mútuo acordo relativamente à rescisão antecipada do contrato". E se um contrato for rescindido sem justa causa, em qualquer caso, a parte que rescinde o contrato fica obrigada a pagar uma compensação.

Se for exigido o pagamento de compensação ao jogador profissional, este e o novo clube são solidariamente responsáveis pelo pagamento da mesma. O montante pode ser estipulado no contrato ou acordado entre as partes. Para além da obrigação de pagar uma compensação, são aplicadas sanções desportivas a qualquer clube que se considere ter incorrido em incumprimento do contrato ou que se considere ter incitado o jogador a rescindir um contrato durante o período protegido.

Presume‑se, salvo demonstração em contrário, que qualquer clube que inscreva um profissional que tenha rescindido o seu contrato sem justa causa o tenha incitado a tal rescisão. O clube ficará impedido de inscrever novos jogadores, quer nacional quer internacionalmente, por dois períodos de inscrição completos e consecutivos. O clube só poderá inscrever novos jogadores, quer nacional quer internacionalmente, a partir do período de inscrição seguinte ao cumprimento integral da sanção desportiva em questão. Em particular, o clube não poderá invocar a excepção nem as medidas provisórias previstas no artigo 6. °, n.º 1, do presente regulamento para inscrever jogadores antes desse período.

Com a sua questão, o tribunal belga de reenvio pretende, no essencial, determinar se os artigos 45.° e 101.° TJUE se opõem à aplicação de regras, tal como adoptadas pela FIFA, que estabelecem que: 1) o jogador e o clube que o pretende contratar são solidariamente responsáveis pela compensação devida ao clube cujo contrato com o jogador foi rescindido sem justa causa; e 2) a federação à qual pertence o antigo clube do jogador tem a possibilidade de recusar a emissão do CIT necessário para a contratação do jogador por um novo clube, nos casos em que exista um litígio entre o antigo clube e o jogador. Voltaremos para a semana, não deixando, para já, de incentivar a leitura do texto.

josemeirim@gmail.com

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