Sporting campeão: correu bem outra vez e não foi preciso esperar muito

Segundo título de campeão para os “leões” em quatro temporadas, bicampeonato para Rúben Amorim e uma grande dúvida no ar: estamos a meio ou em fim de ciclo?

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Pedro Gonçalves celebra golo marcado frente ao Vitória em Alvalade, a 21 de Abril RODRIGO ANTUNES / EPA
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Já foi há mais de quatro anos, mas a frase em forma de pergunta que Rúben Amorim deixou no final da sua apresentação em Alvalade como treinador do Sporting continua a ser um bom ponto de partida. “E se correr bem?”, perguntava a 6 de Março de 2020. Já tinha corrido bem antes, voltou a correr bem agora, talvez até melhor do que em 2021. O Sporting garantiu neste domingo o seu 20.º título de campeão nacional, o segundo título em quatro anos, ambos com Frederico Varandas na presidência e Amorim no banco. Num ano em que era imperativo ficar nos dois primeiros lugares por causa do novo formato da Liga dos campeões, os “leões” fizeram as apostas certas no momento certo, aproveitando em pleno a implosão dos concorrentes em diferentes momentos ao longo da época.

Um título (que, neste caso, ainda pode ser acompanhado da conquista da Taça de Portugal) valida qualquer que tenha sido a estratégia de quem o ganhou. Em retrospectiva, tudo funcionou para um saboroso título e o sempre desejável bónus dos milhões pela entrada directa na fase de grupos da Liga dos Campeões. Os reforços cirúrgicos e caros, o plantel curto (mas com muitos centrais, nada menos que oito), até a mudança na comunicação para o exterior dos objectivos para a época, em que Amorim passou do “jogo a jogo” de 2020-21 para o “se não ganhar nada, vou-me embora” de 2023-24. Ainda não sabemos se será assim, mas já lá iremos. Primeiro, o que correu bem, como correu bem e por que razão tinha tudo para correr bem.

O que correu bem

Para percebermos o que correu bem é preciso, primeiro, voltar a fazer uma ponte com o passado. Amorim entrou em Março de 2020 e fez os últimos meses dessa época, não tanto para ser competitivo, mas para fazer avaliações sobre o que tinha e o que precisava. Desse primeiro plantel que teve nas mãos, restam três nomes, todos centrais: Sebastian Coates, Eduardo Quaresma e Luís Neto, mais Gonçalo Inácio, que não teve minutos nessa época, mas já estava sinalizado. Depois, tratou de construir um plantel à medida das suas ideias, dispensando quem tinha de dispensar e com ideias fixas sobre o que era preciso acrescentar, sem deixar de se submeter à necessidade de criar valor através do mercado de transferências.

Na época passada, este plantel não estava preparado para lutar por títulos – deficitário em várias posições, como no meio-campo e no ataque. E isso, em certa medida, também foi importante para esta época, porque as lacunas estavam bem identificadas e houve tempo para as colmatar. O Sporting gastou muito em pouco, mas gastou bem. No Verão passado, os “leões” contrataram os dois jogadores mais caros da sua história, Viktor Gyökeres (20+5 milhões) e Morten Hjulmand (18+3 milhões), que não eram jogadores credenciados em equipas de topo – o sueco vinha da segunda divisão inglesa, o dinamarquês de uma equipa de fundo da tabela na Série A. Ambos eram um risco. Agora, ninguém discute o que custaram.

Gyökeres, sobretudo, foi um achado. Ainda a época não acabou e o sueco já leva 27 golos e nove assistências no campeonato (41+14 se contarmos com todas as competições), mas o seu impacto não pode ser medido apenas pela estatística “simples”. Com ele, a equipa ganhou toda uma outra dimensão, sendo ele um jogador forte e rápido que ataca a profundidade e que exige marcações cerradas por parte dos seus adversários. Mesmo que não marque ou não assista (teve 12 jogos assim), a presença do sueco como que libertou o melhor em outros, como o próprio Paulinho, Pedro Gonçalves ou Trincão.

Quanto a Hjulmand, foi o “seis” que o Sporting precisava para compensar a saída de Ugarte, que, por sua vez, já tinha sido o substituto de João Palhinha. O dinamarquês é um jogador diferente dos seus antecessores na posição, mas com outra capacidade de se adaptar ao que a equipa precisa, de acordo com quem jogava ao seu lado – teve três parceiros preferenciais ao longo da época, Morita, Bragança e Pedro Gonçalves, cada um deles a exigir uma faceta diferente do nórdico, mais defensivo, ou com mais chegada à área contrária.

Os dois entraram sem fricção numa equipa que já estava montada e com uma identidade própria, e acrescentaram valor. Outros foram revelações (sobretudo um, Geny Catamo), outros foram confirmações (Morita, Pedro Gonçalves, Coates, Inácio, Nuno Santos), outros ainda viveram uma época de renascimento (Paulinho, Eduardo Quaresma, Francisco Trincão, Daniel Bragança). Do outro lado da moeda, Marcus Edwards teve uma quebra de rendimento (mas foi importante na primeira metade da temporada), o mesmo acontecendo com Diomande, St. Juste voltou a ser traído pelo seu físico e ainda falta ver o que valem os três outros reforços da época (Fresneda, Koindredi e Pontelo). E temos a questão dos guarda-redes, nenhum deles ao nível dos jogadores de campo – Adán esteve longe do seu rendimento de 2020-21, Israel alternou o óptimo com o péssimo.

Como correu bem

Em 21 épocas num campeonato com 18 equipas e com a vitória a valer três pontos, o Sporting já fez mais pontos (84) do que em 17 dessas épocas completas. Se vencer mais um jogo, chega aos 87 e ultrapassa as suas melhores épocas (86 em 2015-16 e 85 em 2020-21 e 2021-22), e, se vencer nas duas últimas jornadas chega aos 90, perdendo apenas para o FC Porto de 2021-22 (91 pontos) como o campeão mais pontuado de sempre. E olhando apenas para as épocas completas com Amorim, o Sporting está a caminho de fazer a sua melhor volta de sempre – já tinha feito 45 pontos na 1.ª volta em 2020-21, pode chegar aos 47 em 2023-24.

Nos 32 jogos disputados, o Sporting foi quem menos pontos deixou em cima da mesa e nunca deixou que um mau resultado se prolongasse para uma série de maus resultados. E a prova disso é que nunca deixou de andar na frente – só não foi líder em duas jornadas, a 20.ª e a 23.ª, porque tinha um jogo em atraso e o Benfica aproveitou para reclamar temporariamente a liderança. Fora isso, os “leões” andaram sempre no topo da classificação, com ou sem companhia. E quando acertaram o calendário, com uma vitória, abriram um fosso pontual para os “encarnados” que se viria a revelar insuperável.

Até ver, foram 27 vitórias, três empates e duas derrotas. O Sporting perdeu os primeiros pontos à quarta jornada (empate 1-1 em Braga) e, depois disso, só voltou a ceder na 11.ª (derrota na Luz). Duas jornadas depois, nova derrota, desta vez em Guimarães (3-2), mas sem consequências de maior na classificação, seguindo este segundo desaire com uma série de 18 jogos sem perder – 16 vitórias e dois empates, e apenas quatro pontos perdidos, enquanto o Benfica perdeu 11, o FC Porto 22 e o SP. Braga 21. Os confrontos com os rivais também ajudaram a marcar a diferença, sobretudo na segunda volta: o Sporting fez 11 pontos em 18 possíveis no minicampeonato dos quatro primeiros, o Benfica até fez mais (12), enquanto o FC Porto fez sete e o Sp. Braga apenas um, sendo que na última jornada ainda haverá um confronto entre “guerreiros” e “dragões” no Minho.

E há dois dados importantes nesta estatística. Primeiro, o Sporting foi a única equipa do campeonato a marcar em todos os jogos. Mais importante, fez o pleno de vitórias em todos os jogos até agora disputados em Alvalade – 16. Se vencerem em casa na última jornada o já condenado Desportivo de Chaves, será a quinta vez que os “leões” passam uma época só com vitórias caseiras para o campeonato (já tinha acontecido em 1939-40, 1946-47, 1953-54 e 1979-80), mas será a primeira numa liga com 18 equipas.

Tinha tudo para correr bem

Com a bagagem das três épocas anteriores (título, segundo lugar e quarto), Amorim elevou a expectativa “leonina” para o patamar da conquista de títulos. O reforço cirúrgico do plantel, de acordo com o plano evolutivo traçado no início da sua gestão, indiciava isso mesmo. A equipa estava formada e as dinâmicas estavam consolidadas, tal como o perfil táctico e o modelo de gestão. Com prioridades bem definidas, o campeonato acima de tudo, mas com desejo de chegar longe nas outras competições – ficou pelos “oitavos” da Liga Europa e nas “meias” da Taça da Liga, mas vai à final da Taça de Portugal. Plantel curto, discurso ambicioso, todos a puxar para o mesmo lado. Ruído reduzido ao mínimo.

Como que todos envolvidos por uma bolha que os protegia da intempérie. O mesmo não acontecia nos rivais. O Benfica, com a pressão do favoritismo que acarretava a defesa do título e um investimento reforçado no plantel, deixou-se ficar para trás por incompatibilidades várias: dos jogadores que tinha para o plano táctico e estratégico de Roger Schmidt; do próprio Schmidt com uma vontade de mudar as suas ideias; e de uma larga franja de adeptos com o técnico alemão. O FC Porto, numa época que as eleições viriam a provar ser o fim de um ciclo vencedor, foi demasiado inconstante que nem os poderes de alquimia de Sérgio Conceição conseguiram salvar. Quanto ao Sp. Braga, cedo se percebeu que encher a equipa de ex-internacionais não ia ser suficiente.

Só nas últimas semanas é que houve algo a perturbar a caminhada “leonina” rumo ao título. A viagem de Amorim a Londres, talvez para negociar com alguém, talvez para ir ver um musical ao West End em dia de folga – que esteve lá é facto e tinha todo o direito de o fazer, o resto é especulação e controlo de danos, algo que Amorim, geralmente tão hábil na comunicação, não conseguiu fazer com total eficácia. Se era para ser segredo, ou não, a verdade é que toda a gente ficou a saber. E o técnico lá pediu desculpa por desviar as atenções de um título que ainda não estava garantido.

Mesmo depois do título garantido, Amorim deixou muita coisa por esclarecer, uma delas o seu futuro imediato, se vai para outras latitudes, se fica no Sporting, onde se tornou na figura central deste ciclo vencedor como já não se via há muito. Mesmo que ele prefira partilhar os méritos com jogadores, staff e dirigentes (e nunca se esquece do amigo Hugo Viana), o jovem técnico é o rosto e o corpo do futebol sportinguista.

Se continuar em Alvalade, obviamente que o cenário da sua sucessão não se coloca. E isso também se aplica, embora em menor dimensão, no que diz respeito aos jogadores com mais mercado, como Gyökeres, Inácio, Diomande ou Pedro Gonçalves – por cada um que sair, outro terá de entrar. Se Amorim for embora, é importante quem vier, mas mais importante é perceber se o projecto é sustentável com outro. E se o ciclo vencedor tem pernas para continuar.

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