Caso BES: Um primeiro retrato
Portugal assistiu a 25 de Março à ultima audição pública da maratona de cinco meses da comissão parlamentar de inquérito à gestão do BES e do GES. Haverá ainda sessões para aprovar o relatório escrito pelo social-democrata Pedro Saraiva. O mergulho nas águas profundas está feito. Com ajuda dos serviços do Parlamento, aqui fica um primeiro retrato.
A comissão em números
16
1200
10h45
241
57
55
46
16
testemunhos por escrito (entre os quais o do primeiro ministro)
1200
garrafas de água consumidas e mais de 300 cafés
10h45
A audição mais longa foi a segunda de Ricardo Salgado. A mais curta foi a de Miguel Frasquilho (1h14)
241
Horas de transmissão da ARTV, 143 das quais já transcritas (4 mil páginas)
57
Total de reuniões no âmbito da comissão parlamentar de inquérito à gestão do BES e do GES)
55
testemunhas ouvidas presencialmente (quatro repetidas: Carlos Costa, Carlos Tavares, Ricardo Salgado e Maria Luís Albuquerque)
46
gigas: É o tamanho da pasta onde está arquivada a documentação recebida pela comissão. Para se ter um termo de comparação, a pasta do inquérito aos submarinos tem 1 giga e a dos swaps, muito complexa tecnicamente, não chega aos 19 gigas)
Os momentos
A deputada de All-stars embaraça o "melhor CEO da Europa"
Zeinal Bava trouxe para a comissão uma muleta de linguagem: “Não guardo na memória.” E era num desses momentos que estava quando a deputada Mariana Mortágua, do BE, o questionou sobre a razão para que “80% a 90%” da tesouraria da PT estivesse investida no Grupo Espírito Santo”. Bava continuou a fugir à pergunta até que concluiu com uma tautologia: “Porquê? É onde estava investido…” Mortágua olhou-o e fez silêncio durante uns longos cinco segundos: “É um bocado amadorismo para quem ganhou tantos prémios de melhor CEO do ano, melhor CEO da Europa e arredores, não é?”
O momento de mudança para o deputado do PSD
Carlos Abreu Amorim, coordenador dos deputados do PSD na comissão, revelou, numa entrevista ao PÚBLICO, que depois de tantas crises e falências mudou a forma como vê a economia. “Já não sou um liberal. O Estado tem de ter força.”
O (único?) momento de tensão partidária
Num registo pouco habitual, a comissão procurou não acentuar as linhas partidárias e, na maioria das vezes, a cooperação entre os grupos parlamentares foi visível e deu resultados. Mas, logo no início, uma entrevista de Pedro Passos Coelho à RTP ameaçou esse clima. O recado do primeiro- -ministro: “O que aconteceu no BES não é um resultado de má supervisão, é resultado de má gestão do banco. Espero que nenhuma comissão de inquérito inverta este problema.” Pedro Nuno Santos, do PS, acusou o primeiro-ministro de tentar “encomendar as conclusões da comissão de inquérito”.
O pedido do deputado comunista
Carlos Costa, governador do Banco de Portugal, estava a defender-se das críticas de Miguel Tiago, deputado do PCP. E, às tantas, para fazer valer o seu ponto de vista, o regulador resolve citar em sua defesa Fernando Ulrich, do BPI. Miguel Tiago respondeu, sério, mas com humor: “Está a pedir a um deputado comunista que confie nas palavras de um banqueiro?”
A deputada do CDS perdeu a paciência
Não é fácil desconcentrar a deputada Cecília Meireles, que tem uma técnica própria de fazer as suas perguntas. Sorri muito, e, mesmo quando está a ser dura, não deixa transparecer. Não foi o caso com a audição a Zeinal Bava, ex-CEO da PT. A deputada do CDS fez a pergunta, mas não teve a resposta. Repetiu. E no fim, consciente de que ia deixar a frase em acta, com o microfone ligado, desabafou: “Sou eu que sou de compreensão lenta. Sou eu que sou pouco inteligente.”
As faltas
Nuno Vasconcellos e Rafael Mora
Os homens da Ongoing foram algumas vezes referidos na comissão. A Ongoing foi não só um parceiro financeiro próximo do GES em operações de fundos de investimento, como era accionista da Espírito Santo Financial Group. Na PT, onde a sua estratégia se confundia com a de Ricardo Salgado, a Ongoing detinha 10%
Alexandre Cadosch
O responsável da Eurofin, que foi quadro do GES, poderia explicar alguns dos mais complexos fluxos financeiros que marcaram os tempos finais do BES. É mais um intermediário financeiro que pode ajudar a compreender os contornos das operações que envolviam o banco, o grupo, os refúgios fiscais e a misteriosa ES Enterprise
Crédit Suisse
O banco helvético surge ligado a vários movimentos financeiros do grupo de Ricardo Salgado
José Guilherme
O construtor, amigo de Salgado, que lhe ofereceu uma “liberalidade” (palavras do banqueiro) no valor de 14 milhões de euros, poderia explicar parte dos complicados esquemas de financiamento aprovados pelo BESA
As frases
“O leopardo quando morre deixa a sua pele. E um homem quando morre deixa a sua reputação”
“Não é possível fazer a separação do Governo da situação” do BES
“Eu sou culpado e tenho responsabilidade”
“Eu não guardo memória”
“Isto destruiu a minha carreira. Fui injustiçado. Alguém devia ter-me dado sinais. Não foi a PT que fez cair o BES. Foi o BES que fez cair a PT”
“Hoje, que perdi o que foi a minha vida de trabalho de 40 anos, só quero lutar pela minha honra e da minha família, explicando o que fiz”
“Não dispunha, em Junho de 2013, de informação específica que indicasse vulnerabilidade específica do BES/GES”
“O que eu fiz é algo de que não me orgulho nada. Estou muito arrependido. Estou, nos últimos anos, em angústia”
“Embora não remedeie as perdas e sofrimentos [dos clientes, investidores e colaboradores], lamento o que sucedeu”
“Logo que me apercebi de irregularidades das contas requeri um inquérito urgente”
“No âmbito de conversas informais, recordo-me que o dr. José Maria Ricciardi exprimiu a sua incomodidade quanto aos desenvolvimentos sobre a situação do BES e do GES, os quais eram já do conhecimento público”