Os sete desafios de Mário Centeno

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O ministro das Finanças tem várias provas decisivas nos próximos 12 meses Daniel Rocha

Sair do Procedimento por Défice Excessivo

1. No final de Março, quando o Instituto Nacional de Estatística anunciar o valor oficial do défice público para 2016, o Governo ficará a saber se um dos principais objectivos da sua política de finanças públicas será atingido.

Se o défice for inferior a 3%, o país fica em boas condições para que as autoridades europeias decidam abandonar o Procedimento por Défice Excessivo (PDE) instaurado a Portugal no início da crise. Neste momento, a generalidade dos analistas internos e externos acreditam que é mesmo isso que irá acontecer.

O Governo prevê um défice de 2,4% do PIB em 2016 e a Comissão Europeia, que durante muito tempo não acreditou que ficar abaixo de 3% fosse possível, já antevê agora um saldo negativo de apenas 2,7%.

O trabalho de Mário Centeno para atingir esta meta já terá sido todo feito por esta altura. Com as receitas fiscais a ficarem cerca de 500 milhões de euros abaixo do orçamentado, foi graças ao congelamento definitivo de despesas e à execução do investimento público muito mais fraca do que o previsto, que o Governo terá conseguido equilibrar as contas.

Para além disso, a decisão de adiar para 2017 a injecção de capital na Caixa Geral de Depósitos eliminou as dúvidas que poderiam surgir no impacto no défice, que poderia saltar para um valor acima dos 3%, impedindo a saída do PDE tal como tinha acontecido no ano anterior por causa do Banif.

Contudo, é importante assinalar que, em teoria, garantir um défice abaixo de 3% em 2016 não garante só por si a saída do PDE. O ministro das Finanças terá de apresentar até Abril contas credíveis para 2017 e para os anos seguintes, nomeadamente no Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) que irá entregar em Bruxelas. Sérgio Aníbal  

Falar da reestruturação da dívida

2. Nos últimos meses, Mário Centeno tentou falar o menos possível sobre o tema da reestruturação de dívida. E é fácil perceber porquê: quando afirma que este é um tema que deve ser debatido, os seus colegas europeus não gostam; quando esclarece que é para ser debatido, mas apenas em conjunto com a Europa, os partidos que à esquerda apoiam o Governo não gostam.

Em 2017, contudo, será muito difícil ao ministro das Finanças não falar sobre o assunto. É verdade que António Costa, em antecipação, já afirmou que não vale a pena discutir a reestruturação da dívida antes de se realizarem eleições na Alemanha em Outubro, já que até lá não serão tomadas decisões em Berlim. Mas, internamente, a pressão dos partidos à esquerda do PS deverá fazer-se sentir muito rapidamente.

Até porque está prestes a ser concluído o relatório do grupo de trabalho criado com elementos do Governo, PS e Bloco de Esquerda sobre a sustentabilidade da dívida, que deverá contar com propostas que forçarão Mário Centeno a tomar uma posição. Além disso, o PCP anunciou que vai começar em Janeiro uma campanha para debater assuntos como os efeitos que o euro causa ao país e a reestruturação da dívida, para que Portugal esteja preparado para sair da moeda única.

A dúvida, no entanto, subsiste: estará nessa altura o ministro mais inclinado para contrariar os partidos que suportam o Governo ou mais confortável para desafiar os governos da zona euro que menos querem ouvir falar de reestruturação?
Sérgio Aníbal e Liliana Valente

Acertar previsões de crescimento

3.  Apesar da forte aceleração registada no terceiro trimestre, Mário Centeno vai acabar o ano de 2016 com a economia a registar uma taxa de crescimento muito mais baixa do que aquilo que tinha previsto no início. De acordo com as últimas contas do Governo, o PIB deverá variar 1,2%, um valor 0,6 pontos abaixo dos 1,8% projectados na proposta de OE que o Governo tinha apresentado em Fevereiro.

Para 2017, não voltar a falhar a previsão de uma forma tão clara é assim, para a credibilidade da política económica do Governo, um desafio que Centeno não pode dar-se ao luxo de falhar.

Talvez por isso, no OE para 2017 o ministro apostou por uma estimativa mais prudente, antecipando uma aceleração da economia, mas apenas dos 1,2% de 2016 para 1,5% em 2017.

Os riscos, no entanto, continuam a existir. E vários são os factores que Mário Centeno não pode ter sequer a veleidade de controlar. Em primeiro lugar a conjuntura internacional. Para que um crescimento de 1,5% se confirme é necessário que os principais parceiros comerciais de Portugal tenham um ano positivo de crescimento. O Governo está à espera que as exportações acelerem no próximo ano e isso, mesmo acreditando no prolongamento da tendência de ganhos de quota de mercado, dificilmente acontece se clientes fundamentais do país, como Espanha, Alemanha e França, para além de Angola, registarem uma quebra na sua actividade.

Depois, é preciso que, ao contrário do que aconteceu este ano, o investimento regresse a taxas de crescimento positivas. Para que isto aconteça, é preciso que se confirme a subida nos indicadores de clima económico e se garanta que Portugal não é afectado por um qualquer novo momento de instabilidade nos mercados. Relativamente ao consumo, depois de o efeito da reposição de vencimento ter ficado aquém do previsto, o Governo assume para 2017 uma previsão prudente. S.A.

Autárquicas e o OE: um equilíbrio difícil

4. O efeito borboleta é explicado pela dependência das diferentes condições numa conjuntura de caos: a mais pequena alteração de uma condição pode desencadear o caos em todas as outras. Em Outubro de 2017, Centeno estará perante o bater de asas de uma borboleta, com as autárquicas a porem pressão sobretudo no PCP, e terá de evitar o tufão de uma crise política no Governo. Teorias físicas à parte, o ministro das Finanças terá o desafio de conseguir um equilíbrio difícil de alcançar entre as condições para o Orçamento do Estado e a vontade dos partidos. O que António Costa lhe pede é que tenha a arte política de fazer além do possível. Enquanto prepara o Orçamento para 2018, o país (e os partidos) estão focados nas eleições autárquicas que se realizam no final de Setembro ou início de Outubro, e são talvez as mais importantes para os aparelhos partidários. E Centeno conta com reivindicações certas que terá de gerir não só politicamente como em termos de comunicação: o PCP já disse que não passa do próximo ano a decisão por um aumento dos salários dos funcionários públicos, o BE quer “destroikar” o Código do Trabalho e haverá outra pressão, saída também dos próprios socialistas, que passa pela revisão dos escalões do IRS. O cocktail servirá para alimentar o Verão político. Por coincidência, serão os meses durante os quais o Governo já vai dar duas ajudas à esquerda para fazerem uso na campanha eleitoral: o aumento faseado das pensões que terão o seu aumento extraordinário em Agosto e o fim da sobretaxa de IRS. Liliana Valente

Uma equipa, três “ministros”

5. Um dos desafios que Mário Centeno continua a ter pela frente passa pela gestão e equilíbrio da equipa das Finanças. Ao longo de 2016, por vezes mais do que o próprio ministro, foram dois secretários de Estado com força no elenco governamental que mais apareceram nas notícias, por boas mas sobretudo por más razões. Fernando Rocha Andrade, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, foi bombardeado por causa do aumento de impostos indirectos, que promoveu nos dois orçamentos do Estado, e acabou por ser o personagem principal das notícias na “silly season”. Em Agosto, foi noticiado pela revista Sábado que Rocha Andrade tinha ido a França ver jogos de Portugal no Euro a convite da Galp. Abanou, mas não caiu. Já durante o ano, Mourinho Félix, secretário de Estado adjunto e das Finanças, foi o responsável por vários momentos do Governo: a gestão do Banif, as nomeações para a Caixa, mas esteve principalmente debaixo de fogo por causa da excepção que assumiu para que os gestores da CGD não entregassem declarações de rendimentos e de património ao Tribunal Constitucional. O protagonismo dos dois ajudantes e o equilíbrio da equipa serão uma das tarefas de Centeno em 2017. Liliana Valente

Integração de precários no Estado

6.  Mário Centeno tem de garantir, no próximo ano, que os trabalhadores precários que desempenham funções permanentes nos serviços e organismos públicos passarão a ter um vínculo permanente com o Estado. O ponto de partida para este trabalho será o relatório que fez um levantamento destas situações, mas que ainda não foi divulgado pelo Ministério das Finanças.

No OE para 2017, o Governo comprometeu-se a apresentar, até final de Março, um programa de regularização extraordinária de vínculos precários no Estado, de modo a que, até Outubro, se inicie a colocação dos trabalhadores nos lugares criados para o efeito.

À partida, nem todos os precários têm lugar garantido, uma vez que a intenção é que o programa abranja apenas que está a assegurar necessidades permanentes dos serviços, “com sujeição ao poder hierárquico, de disciplina ou direcção e horário completo, sem o adequado vínculo jurídico”. De fora ficam, além das “verdadeiras” prestações de serviços que têm motivos justificáveis, situações em que o trabalho não é prestado a tempo inteiro. Ora é aqui que reside um dos primeiros desafios de Centeno: convencer o BE e o PCP de que só podem ser abrangidos os trabalhadores com horário completo.

Outro dos desafios é regulamentar a forma como a integração será feita, nomeadamente definir os critérios de selecção. No caso dos professores contratados os critérios apresentados não agradaram aos sindicatos, embora o ministro da Educação já tenha admitido revê-los.

Finalmente, será necessário decidir se a integração dos precários será feita através de um concurso especial criado para o efeito ou se será adoptada uma solução semelhante à que foi seguida pela câmara de Lisboa, quando António Costa era o presidente, com a criação de tribunais arbitrais. Raquel Martins

Recapitalizar a CGD e vender o Novo Banco

7. O sistema bancário continua a estar no centro das atenções do ministro das Finanças, dos partidos e dos depositantes. A OPA do Caixabank ao BPI ainda está a decorrer, enquanto no BCP Fosun e Sonangol querem reforçar as suas posições de domínio. E se isso irá trazer estabilização, trará também mudanças estruturais aos dois bancos, que têm um forte envolvimento na economia nacional. Negócios privados à parte, a preocupação fulcral de Centeno é a efectiva recapitalização da CGD, incluindo os mil milhões de euros de dívida que o banco público terá de ir buscar ao mercado. Depois, falta ainda saber como será aplicado o corte de postos de trabalho e de balcões, isto numa altura em que a CGD precisa de serenar os ânimos. E se a recapitalização do banco público já tem uma factura conhecida, com o Estado a avançar com cerca de quatro mil milhões, a do Novo Banco ainda é desconhecida. Primeiro, é preciso saber se o banco que ficou com os melhores activos do BES é ou não vendido no mercado. Depois, quanto é que será pago pela instituição, tendo em conta que logo em Agosto de 2014 levou uma injecção de 4900 milhões de euros, dos quais 3900 milhões foram emprestados pelo Estado ao Fundo de Resolução (ou seja, aos bancos). O pagamento deverá ser simbólico, e os bancos já sabem que terão muitos anos para pagar o dinheiro de volta ao Estado. Haverá também, espera-se, boas notícias por parte da banca: o Governo conta com a devolução de uma garantia que tinha sido executada no caso do BPP, no valor de 450 milhões, para ajudar as contas públicas de 2017. E o BCP deve estar prestes a devolver os 750 milhões que ainda deve ao Estado, o que dá sempre jeito ao financiamento (embora acabe uma boa fonte de receitas, via juros). Luís Villalobos

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