Mais de mil estrangeiros pedem para pagar menos impostos em Portugal

O regime fiscal que garante a reformados e profissionais estrangeiros altamente qualificados isenções fiscais sobre pensões e taxas de IRS mais reduzidas já tem 1014 inscritos.

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Às praias do Algarve, ao clima, à gastronomia, aos greens, juntam-se agora os benefícios fiscais Bruno Simões Castanheira

Já não são só os greens, o clima e a gastronomia que atraem turistas para Portugal. Os impostos juntaram-se à lista dos atributos que nos tornam mais simpáticos aos olhos dos estrangeiros desde que entrou em vigor o regime fiscal dos residentes não habituais (RNH), que já tem 1014 inscritos e 433 processos em análise, segundo revelou ao PÚBLICO a secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais.

Desde que o mecanismo que garante isenções fiscais e taxas reduzidas de IRS a determinadas profissões (consideradas de elevado valor acrescentado) foi criado, em 2009, o Estado recebeu 1630 pedidos de adesão (dos quais 183 foram rejeitados), 1078 só no ano passado, o que se explica pelo facto de apenas em 2012 terem sido simplificados alguns procedimentos administrativos que vieram clarificar as condições de acesso, mas também pela introdução da regra que isenta de tributação em Portugal as pensões obtidas no estrangeiro. Neste momento “estão inscritos RNH de todos os continentes, mas o continente mais relevante é a Europa”, estando a Polónia, a Holanda, a Irlanda, a Suíça, o Brasil e a França entre os países com mais inscritos, indicam os dados disponibilizados ao PÚBLICO pelo gabinete do secretário de Estado Paulo Núncio.

O regime, que foi desenhado com o objectivo de “fomentar a competitividade da economia” e atrair profissionais estrangeiros altamente qualificados que “ajudem a elevar a produtividade das empresas” portuguesas tem atraído essencialmente “engenheiros e quadros superiores de empresas”. A secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais revela ainda que, “relativamente ao universo de RNH que apresentaram em 2013 declarações de rendimentos de 2012, regista-se que cerca de 70% são trabalhadores de elevado valor acrescentado [95% com rendimentos de trabalho dependente e apenas 5% com trabalho independente] e 30% são reformados”.

Porém, esta proporção deverá alterar-se já no próximo ano, pois a percepção de vários advogados e especialistas em fisco contactados pelo PÚBLICO é a de que existe um interesse crescente de cidadãos estrangeiros pelo regime dos RNH, mas muitos são reformados, que podem aliar à possibilidade de viver num país seguro, com acesso fácil a qualquer capital europeia, a possibilidade de escapar às elevadas cargas fiscais dos seus países.
Não cabe aqui a generalidade dos cidadãos, mas sim indivíduos de high worth value, ou seja, pessoas com um património considerável, que ao transferirem para Portugal a residência fiscal (condição indispensável para se inscreverem como RNH), garantem uma poupança fiscal, que podem, por exemplo, canalizar para um investimento imobiliário.

Salários mais elevados
Na prática, este regime aplicável a estrangeiros (ou mesmo portugueses, desde que nos últimos cinco anos não tenham tido residência fiscal em Portugal), isenta de tributação as pensões de reforma e outros rendimentos provenientes do estrangeiro como rendimentos do trabalho dependente e rendimentos do trabalho independente em actividades de alto valor acrescentado, rendimentos prediais ou rendimentos de capitais e mais-valias, e oferece a profissionais como arquitectos, investidores, investigadores, gestores, engenheiros, médicos ou artistas, entre outros, uma taxa fixa de IRS de 20% sobre os rendimentos do trabalho dependente e independente resultante dessas actividades em Portugal. Segundo a lei, estão ainda abrangidos os investidores, administradores e gestores, quando integrados em empresas que tenham sido abrangidas pelo regime contratual previsto no Código Fiscal do Investimento.

O regime, que é válido por dez anos, constitui, na opinião de Luís Magalhães, responsável pela divisão fiscal da KPMG, “um forte íman de atracção a Portugal” de profissionais qualificados. São quadros “altamente especializados, essencialmente de origem europeia e norte-americana”, a quem as multinacionais já conseguem oferecer um pacote remuneratório mais atractivo do que o habitual para o mercado português, proporcionando-lhes um rendimento líquido superior. Para as empresas “é uma oportunidade para criarem centros de excelência, com todos os benefícios que isso acarreta para a sua actividade”, nota Martim Gomes, director da área fiscal da PwC.

Rosa Freitas Soares, sócia da área fiscal da Deloitte, destaca o interesse que os pensionistas têm mostrado pelo regime fiscal. “São sobretudo nórdicos, mas também irlandeses, ingleses e, de há um ano para cá, muitos franceses”. Regra geral, quem vem “são pessoas com cursos superiores, que trabalharam no privado e que têm pensões significativas”, nota a especialista.

Equilíbrios difíceis
Seria necessário olhar para todos os outros impostos pagos por estes contribuintes - como os do consumo, o IMI e o IMT, os impostos pagos sobre os depósitos bancários, ou mesmo o IRC, no caso de estas pessoas optarem por constituir sociedades em Portugal - para medir o seu impacto na economia. Todos os especialistas contactados pelo PÚBLICO estão de acordo quanto aos efeitos positivos, em particular no mercado imobiliário.

Ainda assim, Rogério Fernandes Ferreira nota “alguma resistência” da Autoridade Tributária em aplicá-lo plenamente. “Talvez por uma questão de cautela”, os serviços de finanças exigem vária documentação para não serem confrontados mais tarde com um conflito de residência fiscal noutro país”, explica o advogado, fundador do escritório RFF. “Mas é um processo burocrático e todos os procedimentos desta natureza são difíceis de explicar aos clientes estrangeiros”, acrescenta.

Portugal concorre directamente neste campeonato dos regimes mais favoráveis com Malta e Espanha ou ainda com a Bélgica e o Reino Unido, mas nem todos gozam da vantagem competitiva do clima. No caso particular dos franceses, agrada-lhes ainda “a amabilidade e a facilidade com que recebemos estrangeiros e o facto de nos dirigirmos a eles na sua própria língua”, diz Fernandes Ferreira, referindo que a maioria dos interessados desta nacionalidade são pensionistas, mas também existem “empresários ou administradores de empresas, sobretudo do ramo imobiliário ou da consultoria” que aqui se instalaram com as famílias.

Luís Magalhães nota ainda que “muitos dos investidores singulares” abrangidos pelo regime são de origem brasileira e vêem em Portugal “uma porta de entrada no mercado europeu”.

Podem estas benesses ser encaradas pacificamente se as compararmos com a carga fiscal aplicada aos cidadãos portugueses? “É difícil, de facto, justificar este regime nessa perspectiva de equidade social”, admite Fernandes Ferreira, defendendo, no entanto, que a questão deverá ser “abordada de forma diferente”, como “uma medida de atractividade do investimento externo, de que Portugal tanto precisa”. Martim Gomes, nota que “a questão [da equidade] pode ser levantada, mas estas pessoas não estariam cá, a contribuir para a economia, se não houvesse este estímulo”. Por isso defende que o regime para RNH “coloca Portugal em pé de igualdade” com outros países onde este tipo de enquadramento já existia há muito tempo. “E nem se pode argumentar que estamos a perder receita fiscal [com as isenções e taxas reduzidas] porque estas pessoas não estariam cá se o regime não existisse”, sublinha.

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