Sector da construção apela para a necessidade de alargar testes a todo o país

As especificidades de um sector onde há muita mobilidade de trabalhadores justifica a instalação de um plano de contingência alargado. Associações querem fazer parte da solução, oferecendo-se para avançar com uma plataforma digital que certifique estaleiros e empresas

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Francisco Romao Pereira

O anúncio por parte do Governo da intenção de intensificar a testagem nos estaleiros da construção civil na área metropolitana de Lisboa mereceu aplausos por parte dos representantes das associações do sector, que apenas lamentam que ela não tenha sido posta no terreno há mais tempo.

“Devo recordar que o sector da construção aguentou sempre a trabalhar, durante três estados de emergência e dois de calamidade. Nunca parou. E fomos os primeiros a reconhecer que é um sector com especificidades que merecem preocupação e atenção, nomeadamente a mobilidade dos trabalhadores, não só geográfica, entre obras, mas também entre empresas. Há muitas empresas que contratam subempreiteiros, a rotação é grande”, reconhece Reis Campos, presidente da Associação dos Industriais de Construção Civil e Obras Públicas (AICCOPN) .

De acordo com a Direcção-Geral da Saúde há cerca de 140 pessoas infectadas no sector da construção civil, um número “provisório” que poderá aumentar na próxima semana, assim que arranque uma campanha de testagem.

Reis Campos recebe a contabilidade com naturalidade, admitindo que os testes vão encontrar ainda mais trabalhadores nessas condições. Por isso volta a sublinhar a importância de colocar em marcha o Plano de Resiliência e Contingência que as duas principais associações de construção apresentaram ao Governo logo após o eclodir da pandemia - para além da AICCOPN, também a Associação de Empresas de Construção Civil e Obras Públicas (AECOPS) trabalhou no documento. Recorde-se, ainda, que as duas associações estão a trabalhar numa fusão que já foi anunciada, e que dará lugar a uma única estrutura associativa.

“Somos os primeiros interessados em dar segurança aos trabalhadores e a toda a população, que tem de continuar a confiar que nos estaleiros das obras se tem cuidado e se cumprem regras. Por isso, montámos um plano de contingência e de resiliência para todo o sector, a nível nacional, e queremos ser parceiros do Governo na sua aplicação”, argumenta.

Como o PÚBLICO noticiou, este plano de acção permitiria a instituição de um sistema de gestão de controlo de acesso e permanência dos trabalhadores na obra, respeitando os regulamentos e orientações de privacidade dos dados, permitindo também a criação de “comunidades de segurança” por grupos de profissionais, de forma a que estes se agrupem de forma segura para realizar as viagens de casa-trabalho-casa. “Nós estamos preparados para criar esta plataforma e para a levar ao terreno, mas tem de ser o Governo a garantir a obrigatoriedade destas medidas e a sua fiscalização”, defende o presidente da AICCOPN. 

Estas duas medidas activas permitiriam um outro efeito, passivo, mas igualmente necessário: usando o mesmo sistema de gestão de dados, acoplado a um sistema de iinteligência artificial que analisasse os dados das diferentes empresas e estaleiros em obra, poderia emitir índices de alertas assim que detecta uma maior probabilidade de contágio. O objectivo final é "certificar" as zonas seguras - com informação “anonimada” dos testes, e com o processamento de dados, que permite calcular graus de risco e definir medidas de segurança, assim como certificar a empresa pela gestão sanitária e de saúde dos seus trabalhadores.

“Acreditamos que é importante fazer esta certificação, para que toda a sociedade tenha confiança neste sector. E não fique apreensivo, ao pensar como é que estes trabalhadores se deslocam, em carrinhas particulares, sem controlo, por exemplo”, afirma Reis Campos.

Nesta matéria, e de acordo com a lei em vigor, mantém-se o limite de 1/3 da capacidade dos veículos na Área Metropolitana de Lisboa, onde se estabelece que as viaturas com lotação superior a cinco pessoas apenas podem circular, “salvo se todos os ocupantes integrarem o mesmo agregado familiar, com dois terços da sua capacidade, devendo os ocupantes usar máscara ou viseira”.

O que o sector da construção pediu ao Governo, de acordo com a proposta a que o PÚBLICO teve acesso, foi a permissão para usar um fundo de emergência já constituído, “para implementar uma rede de análises (em parceria) e uma plataforma digital, que permitam a manutenção segura da actividade no contexto actual e futuro próximo, e a preservação da vida do nosso principal activo, que são os trabalhadores, conseguindo assim evitar perdas avultadas no quadro das pessoas e empresas e evitar sobrecargas financeiras elevadas para o Estado”.

“Queremos participar de forma construtiva e activa no apoio à manutenção da economia, preservando os nossos trabalhadores e o futuro e sustentabilidade das suas famílias. É importante avançar com este plano, porque com ele se aumenta o controlo da disseminação do vírus, se evita o aumento da imposição de quarentenas e paragens de obra, se diminui o estado de medo e ansiedade entre trabalhadores, diminui a falta de produtividade e aumenta a resiliência das empresas”, argumenta Reis Campos.

Por enquanto, a rede de análises e a testagem imediata que as associações sectoriais defenderam para todo o país vão ser levadas ao terreno apenas nos concelhos da região de Lisboa e Vale do Tejo, onde surgiram nos últimos dias 85% dos novos casos. Loures, Odivelas, Lisboa, Amadora e Sintra são as principais preocupações, diz a ministra da Saúde.

O presidente da AICCOPN desconhece quais são as empresas ou estaleiros em questão, mas diz que sem ter tido notícias de casos alarmantes de focos de contágio, a pandemia de covid foi sempre atingindo “as empresas de um sector que nunca deixou de trabalhar".

De acordo com o ultimo Inquérito Rápido e Excepcional às Empresas - covid-19, promovido pelo INE, e analisando os resultados apurados na semana de 20 a 24 de Abril (em pleno estado de emergência), verificou-se que 8,5% das empresas de construção declararam ter suspendido temporariamente a actividade ou encerrado definitivamente. 

Do total das empresas, 62,9% registaram uma redução no volume de negócios, e num terço dessas essa diminuição foi superior a 50%. O INE aponta ainda o facto de 45% das empresas terem visto reduzido o número de pessoas efectivamente a trabalhar, sendo que 24,1% dessas empresas admitiram que a redução no numero de trabalhadores era superior a 50% . 

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