Visões sobre a industrialização
Numa altura em que Álvaro Santos Pereira se encontra em ronda de recolha de ideias junto do mundo empresarial, o PÚBLICO perguntou a 15 personalidades quais devem ser as prioridades de um plano de reindustrialização do país, que exemplos e lições devemos ter em conta e se o ministro vai conseguir concretizá-lo. As respostas são de ex-ministros da Indústria e da Economia, dirigentes empresariais e associativos, economistas e investigadores.
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A reindustrialização faz sentido. Há uma intuição por detrás do conceito que é importante, que é o efeito de arrastamento da indústria em outras actividades, da investigação e desenvolvimento ao emprego. A motivação é essa, mas temos de lhe acrescentar uma visão mais aberta. Em rigor, fazer hoje um discurso destes serve para as primeiras páginas dos jornais e exigiria mais cuidado. A procura de soluções para a economia podia, por exemplo, começar pelos serviços, um software que exige equipamentp. O iphone é software ou equipamento?
Hoje temos pouca indústria, muito pouca indústria com serviços e tecnologia incorporados. O futuro passa por aí. Sectores tradicionais têm um potencial de crescimento de 1, 2 ou 3% ao ano e mais pelo valor do que pela quantidade.
Temos insuficiências. Baixas qualificações, ligações precárias entre a investigação e a aplicação, não sabemos desenhar os sistemas de incentivos. Não conseguimos fechar o círculo. Será um problema de cultura? Certo é que há falta de novas empresas na área das novas tecnologias. Por isso acho que é importante atrair investimento estrangeiro. Não temos uma classe empresarial, em termos de massa crítica, suficiente para induzir um crescimento significativo. Precisávamos de mais dez mil empresas como as melhores que já temos.
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A reindustrialização do pais deve ter como prioridade manter o que de bom existe em Portugal, que está em risco de sobrevivência por causa de uma conjunto de factores, como elevados impostos sobre empresas e trabalho, e dificuldades de recebimentos e de financiamento das empresas. A preocupação de manter o que de bom existe em Portugal deve ser complementada com o alinhamento com a Estratégia Europa 2020, de aposta numa indústria de alta densidade tecnológica e em prol do crescimento verde, para poder maximizar o aproveitamento dos fundos comunitários disponíveis.
Entendo que melhor exemplo de reindustrialização continua a ser a Irlanda, que conseguiu criar uma base industrial que não existia, através da captação de investimento estrangeiro. A exemplo da Irlanda, se queremos atrair investimento estrangeiro, temos de oferecer um conjunto de condições atractivas, onde se inclui obrigatoriamente a estabilidade política, um enquadramento fiscal e de legislação do trabalho competitivos e de acesso das empresas a fontes de financiamento.
No que se refere ao papel do ministro da Economia, entendo que apolítica de reindustrialização de um país inserido numa união europeia depende pouco do ministro da economia. Depende mais do Governo como um todo, a quem compete criar condições competitivas, capazes de atrair investimento estrangeiro. Neste domínio, o único papel importante que o ministro da Economia poderia ter seria na gestão dos fundos comunitários.
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Um plano de reindustrialização deverá integrar três grandes vertentes: condições que permitam o reforço do investimento empresarial nos sectores produtores de bens e serviços transaccionáveis; estímulo à competitividade e inovação; estratégia coerente de internacionalização da economia.
Na primeira vertente, é prioritário ultrapassar a presente situação de escassez de financiamento e de baixos níveis de capitalização da generalidade das empresas. No domínio da fiscalidade, é necessário sinalizar a prioridade de promoção do investimento e de atracção de investimento estrangeiro. A CIP espera que a reforma no IRC não ponha em causa o reforço do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento, incluindo uma componente de dedução de lucros retidos e reinvestidos.
Relativamente à segunda vertente, a médio e longo prazo, as empresas terão de aumentar a produtividade, o que exige investimento e uma forte aposta na afirmação de marcas, no design, na inovação, na organização e na capacidade de gestão. Este esforço cabe, em primeiro lugar, às próprias empresas, mas só poderá concretizar-se num ambiente propício à actividade empresarial e se combatermos o nosso mais sério handicap: o atraso na qualificação dos recursos humanos, que refreia a produtividade. No curto prazo, a contenção de custos é incontornável. Não apenas os salariais, mas também outros custos que pesam sobre as empresas.
A CIP continua a considerar que a redução selectiva da TSU é da maior importância para aumentar a competitividade das empresas produtoras de bens e serviços transaccionáveis.
Relativamente aos custos não salariais, destacam-se, pela sua escalada e pelo peso que representam na estrutura de custos das empresas, os custos energéticos.
Finalmente, a reindustrialização do País, no quadro do aumento do peso dos sectores produtores de bens e serviços transaccionáveis, pressupõe obviamente uma estratégia coerente de internacionalização da economia.
A CIP espera do Governo uma atenção acrescida para a política de internacionalização, sobretudo em termos de melhoria da eficácia dos seus instrumentos e em termos de adopção de uma estratégia nacional.
Relativamente a experiências de outros países citaria o exemplo da Irlanda nos anos noventa do século passado, onde o grande desenvolvimento de que beneficiou foi acompanhado por um acréscimo do peso da indústria na economia, através de uma estratégia bem sucedida de atracção de investimento estrangeiro. Também o caso da Alemanha, que tem conseguido manter uma base industrial forte, é bem a prova de que é possível reindustrializar a Europa e produzir de forma competitiva no solo europeu.
No entanto, não existem receitas que se possam copiar. Portugal terá de encontrar a sua própria estratégia de reindustrialização, inserida num processo mais vasto de reindustrialização e recuperação económica da Europa. De facto, a economia portuguesa não está isolada; está inserida numa economia europeia e global e só poderemos obter resultados verdadeiramente satisfatórios num enquadramento internacional (e sobretudo europeu) de crescimento económico, que crie procura para os bens e serviços que produzimos.
Sobre o papel do ministro da Economia consider que a reindustrialização do país deverá ser um desígnio nacional, que vai para além da vontade de um único ministro. Será obra das empresas portuguesas, não de qualquer Governo. Como referi, nem tudo depende na nossa vontade. O crescimento económico dos nossos parceiros comerciais é fundamental. Contudo, esse desígnio só será concretizado mediante uma política económica que crie as condições necessárias para tal. É isso que defendemos, é isso que esperamos do Governo. Sabemos que o ministro da Economia está profundamente convicto que este é o caminho certo para a recuperação económica e isso dá-nos ânimo para continuar a trabalhar para atingir os nossos objectivos.
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A reindustrialização é mais uma moda, embora seja certo de que precisamos de criar mais riqueza, de pensar em novas maneiras de criar riqueza. A indústria é hoje um conceito vago. Ninguém sabe o que é a agricultura, a indústria ou os serviços. Dentro da indústria, ou da agricultura, há hoje muitos serviços incorporados. As fronteiras praticamente acabaram. Em todo o lado há uma mistura entre bens e serviços. Está tudo articulado.
Rendustrializar é uma mensagem pouco interessante. Sugere um regresso ao passado. Há aqui o perigo de se querer fazer tudo, ou uma tentativa de responder à disseminação do outsourcing internacional, uma atracção pelo low-cost. Um regresso ao passado faz pouco sentido. Por isso eu presfiro o redesenvolvimento à reindustrialização. Não nos podemos deixar prender a uma indústria limitada á manipulação de máquinas. Temos de seguir a lógica da cadeia de abastecimento. O valor não está na transformação. Transformar qualquer um transforma hoje em dia.
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O processo de reindustrialização do tecido empresarial português não pode ser desenvolvido de forma “massificada”. Deve passar, antes de mais, pela análise dos sectores que apresentem elevado potencial para vencer nos mercados europeus ou até mesmo mundiais. O investimento a realizar deverá concentrar-se em primeira linha nestas áreas, sem esquecer naturalmente os sectores nos quais Portugal já alcançou resultados positivos ao nível de exportação e internacionalização. A criação de novos clusters industriais deve acontecer em paralelo com o apoio aos clusters de sucesso já existentes. Não pode haver o favorecimento de uns em detrimento dos outros.
Na análise dos factores de competitividade devem, naturalmente, ser valorizados os factores positivos. Mas os factores negativos não podem ser minimizados, sob risco de o processo ficar aquém do sucesso esperado. Estes factores que condicionam a competitividade do país, como a falta de recursos humanos qualificados em áreas específicas, a necessidade de modernização de alguns processos produtivos ou a localização geográfica, exigem especial atenção, soluções concretas ou, quando estas não são possíveis, estratégias para os contornar.
Enquanto representante da Câmara Luso-Alemã não posso deixar de citar o exemplo alemão. Salvaguardando as características específicas e a dimensão dos dois países, é possível identificar na história económica alemã numerosos exemplos positivos de medidas e iniciativas que também podem ser aplicadas em Portugal. Há muito que as empresas alemãs se expandiram além-fronteiras, contribuindo para que a exportação seja hoje um dos pilares mais importantes da economia. Também Portugal não está limitado ao mercado interno – esse sim, reduzido – mas tem a possibilidade de atravessar fronteiras para os parceiros europeus, sem os condicionantes jurídicos e fiscais a que está sujeito quando avança para outros continentes.
Depois há outros exemplos de países com dimensões aproximadas da de Portugal que, num momento da sua história, realizaram um processo de reindustrialização com sucesso assinalável (citamos como casos europeus a Suécia e a Finlândia e, no continente asiático, Taiwan) e que podem servir de exemplo para o processo português. Estes exemplos são sobretudo os países que, em dada altura, apostaram numa orientação tecnológica como principal vantagem da sua produção em detrimento da vantagem preço. Neste contexto entram outros factores que são igualmente relevantes como a organização e a optimização da produção ou a aposta na qualificação dos recursos humanos e, como já referi, a identificação de sectores com potencial de desenvolvimento.
O Ministro Álvaro Santos Pereira teve o mérito de reconhecer a necessidade de Portugal revalorizar o seu sector industrial como via para sair da actual situação económica e resolver um conjunto de problemas estruturais do país. Um processo desta natureza não pode ser concretizado em poucos anos, nem sequer no período de uma legislatura. O sucesso do processo de reindustrialização vai depender de muitos intervenientes, de outras áreas governamentais, de governos futuros, das empresas, etc. Vai também depender da forma como o processo será desenvolvido, se o será feito de forma consistente, tendo em vista os objectivos a alcançar, com uma estratégia clara e definida, que não esteja sujeita a alterações e inversões súbitas.
O sucesso da reindustrialização e do processo agora iniciado vai depender de outros aspectos como a formação que irá assegurar a disponibilidade de recursos humanos devidamente qualificados e em números adequados para as empresas de produção. A formação dos recursos humanos tem de ser feita em função as necessidades das empresas e em parceria com elas, para que corresponda às suas necessidades em termos de qualidade, mas também de quantidade, não dando origem a excessos e desaproveitamento de recursos valiosos.
A energia é outra área que merece especial atenção, seja ao nível de custos – enquanto influenciadores directos dos custos finais do produto –, seja também ao nível de garantia de fornecimento.
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A União Europeia, e a Europa em geral (como os Estados Unidos) têm um problema de crescimento – crescimento cada vez menor, que lhes escapa, fugindo para a Ásia e, em geral, para geografias de mais baixo custo de produção. Esta fuga verifica-se sobretudo na indústria transformadora mais convencional, criando, nos países, atingidos uma espécie de “saudade dos bons velhos tempos. A reindustrialização surge como uma resposta a esta “saudade” e, mais no fundo, a esta dificuldade de crescimento – não apenas em Portugal, mas na maior parte dos países europeus.
Com excepção de alguma indústria suportada sobretudo por recursos naturais (de que constitui expoente, entre nós, a pasta e papel), acredito sobretudo no que os alemães designam de “indústrias de engenharia”: indústria, talvez, suportada por doses maciças de investigação e desenvolvimento, e de engenharia – e em que o valor vem destes “serviços”, muito mais do que da manufactura propriamente dita. Portugal tem argumentos para competir nestas novas indústrias, parecendo apenas muito atrasado neste processo (talvez porque, durante muitos anos, se vendeu tudo e mais alguma coisa num mercado interno alavancado por dívida pública e privada, dispensando a indústria portuguesa de buscar os factores de competitividade hoje exigíveis no mercado global);
Portugal pode chegar a valores mais altos em termos do peso da indústria no PIB. Mas, atenção: a indústria que na Alemanha atinge esse peso no PIB não é uma indústria tradicional, manufactureira, mas uma actividade muito intensiva em conhecimento, em investigação e desenvolvimento, e em engenharia (muitas vezes, a actividade manufactureira propriamente dita nem sequer é realizada na Alemanha).
Acredito no potencial do nosso País numa área como a da intercepção entre a saúde e a terceira idade – uma área de serviços transaccionáveis, com um grau de sofisticação moderado, tendo por mercado os países do Norte da Europa (como se vê, agora de forma inteiramente assumida, uma área de actividade tudo menos industrial);
A indústria nacional (e outras actividades, em Portugal) tem sido capaz de incorporar tecnologia e inovação – encontrando-se o seu ponto fraco mais a jusante, nas áreas comercial, de marketing e, em termos mais gerais, em tudo o que se relaciona com a comercialização e o mercado – aí, no “saut perilleux”, como Karl Marx gostava de o designar, no momento da “realização” (também poderíamos designar da “consumação”), em que o valor pode ser apropriado, transformado em “cash in” (sendo que tudo o que pode passar-se antes, por mais “belo” que seja, não passa ainda de “cash out”).
Luís Mira Amaral conduziu uma das políticas industriais mais eficazes no nosso País, que nos fez chegar ao automóvel e, em geral, ao material de transporte. Depois dessa data, não houve praticamente política industrial (para o que também contribuíram, e muito, as políticas da União Europeia”.
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A modernização da indústria portuguesa é fundamental para o desenvolvimento sócio-económico do país, nomeadamente para a criação de postos de trabalho. Para se conseguir esta modernização industrial, em particular nos bens transaccionáveis de alto valor acrescentado, é necessário captar investimentos nacionais e estrangeiros que promovam um aumento da produtividade e competitividade, nomeadamente um aumento da incorporação tecnológica (i+d+i), diferenciação e individualização dos produtos, e melhoria da qualidade destes, além de uma maior especialização dos recursos humanos ou mesmo uma cultura de exigência, como por exemplo, o cumprimento de prazos de entrega para mercados exigentes. E todo este esforço deve estar integrado, e aqui a responsabilidade do governo, num novo modelo de desenvolvimento que coloque a indústria portuguesa a competir no mercado global, numa visão de longo prazo.
É evidente que Portugal pela sua dimensão tem que se abrir aos mercados internacionais e portanto criar ao nível das pequenas e médias empresas um tecido industrial competitivo e exportador, como acontece com mercados tão competitivos como o holandês ou o belga, ou outros da Europa Central e Norte, por exemplo.
Sobre este último ponto gostaria de destacar as inegáveis vantagens que uma maior cooperação entre a indústria portuguesa e espanhola podem trazer para as duas economias, aliás existem diversos programas de âmbito europeu e nacional de dinamização da cooperação empresarial, pois países como Portugal e Espanha, pela sua dimensão terão muita dificuldade em competir, por exemplo, em mercados muito massificados com produtos com pouco valor.
Por diversos factores e circunstâncias é difícil identificar os sectores mais atractivos, até porque em Portugal existem exemplos de sucesso em industriais tradicionais que alguns previam o seu fim como o calçado, os têxteis, o vidro ou a cerâmica, etc. e que nos últimos anos se têm vindo a afirmar nos mercados internacionais. Existem no entanto sectores onde Portugal apresenta inegáveis vantagens competitivas como por exemplo alguns sectores da indústria agro-alimentar e a biotecnologia alimentar, indústria ligada ao mar e às florestas, recursos geológicos, industria de alta tecnologia, engenharia de produto, indústria do molde, ferramentas equipamentos e robótica, etc. Portanto, o potencial existe e por parte dos empresários a vontade e a capacidade também existem, o que se pede a quem legisla e governe é que não dificulte o seu desenvolvimento com cargas fiscais desproporcionadas, burocracias ou restrição ao crédito, entre outros factores.
Creio que entre os empresários existe a percepção de que o Ministério da Economia tem vindo a implementar uma série de medidas positivas e sérias de apoio à reindustrialização de Portugal, apesar desta enorme tarefa implicar também medidas de âmbito europeu, mas todos somos conscientes que face ao actual contexto de ajustamento das contas públicas e controle orçamental torna-se difícil garantir o cumprimento deste ambicioso e legitimo programa de reindustrialização aprovado por este governo. Só desejo que os resultados alcançados sejam muito positivos e que a indústria portuguesa se continue a desenvolver.
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Não acho correcto falar-se em reindustrialização – embora a opção por este termo possa ser explicada por objectivos políticos e de comunicação. A inovação tecnológica alterou de forma muito significativa as fontes de criação de valor económico. Parece-me haver uma confusão entre indústria e sectores transaccionáveis. Alguns dos sectores mais competitivos da economia portuguesa são serviços – estes representam cerca de 30% das exportações portuguesas. A atenção dos governantes deve centrar-se na criação de condições que tornem a economia portuguesa mais competitiva e atraente para os investidores nacionais e internacionais.
No que se refere a exemplos de outros países (bons ou maus), defendo que à semelhança da Irlanda devemos procurar atrair projectos de investimento junto dos membros bem-sucedidos da nossa diáspora. As redes de pequenas e médias empresas de Itália em sectores ‘tradicionais’ que utilizam modernas tecnologias devem também merecer a atenção dos nossos empresários e governantes.
No que se refere ao papel do ministro no processo de reindustrialização, admito que as mudanças na legislação do mercado de trabalho e alguns sinais de mudança na concorrência de sectores muito importantes para os custos das empresas, como é o energético, vão no bom sentido. No entanto, factores como a concorrência externa (dos países emergentes, por exemplo) ou a capacidade de inovar das empresas portuguesas não são determinados pela acção do Ministro da Economia.
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O Estado Novo tinha como pilar de política industrial o condicionamento industrial, privilegiando na sua fase final apenas as principais indústrias: as de maior intensidade capitalística, maior grau de concentração e algumas das de maior peso, como o têxtil. Isto no quadro de uma economia protegida da concorrência externa pela protecção aduaneira. A entrada na EFTA contribuiu para um grande aumento do investimento estrangeiro.
A seguir ao 25 de Abril, o Estado passou a ter que ter também uma política industrial porque nacionalizou as empresas e precisou de definir estratégias. As empresas públicas industriais eram o primeiro pilar da política industrial. O Estado ficou com os cimentos, com a química, ou as cervejas, por exemplo. O conjunto de participações fez do Estado um potentado industrial. O segundo pilar assentou na política de desvalorização cambial, e os dois acordos do FMI, nas crises de 1977-1978 e 1983-1985 foram marcantes. Isto incentivou a indústria, pois tornou mais caros os bens importados e mais baratas as exportações. Como os bens industriais representavam a maioria das nossas exportações, passou por aí a promoção da indústria. O terceiro pilar era constituído pelas pautas aduaneiras que favoreciam o desenvolvimento de uma certa indústria de substituição de importações. Quarto pilar foram os incentivos ao investimento, antecessores do PEDIP e com muito menos dinheiro.
Depois veio a CEE e dos pilares anteriores manteve-se o da desvalorização por algum tempo. O PEDIP foi o primeiro grande elemento novo da política industrial. Além disto, com as privatizações, o Estado teve de passar a ter uma política industrial de privatizações e a definir equilíbrios internos sectoriais e de concorrência entre as empresas que passavam para o privado e as que continuavam sob a esfera pública. Daí nasceram muitas das configurações empresariais actuais.
Com o PEDIP e outros sistemas de incentivos, subsidiou-se a indústria e fez-se uma política selectiva de captação de investimento estrangeiro. A desindustrialização começou a sentir-se em finais dos anos 90, por efeito do choque da abertura ao leste europeu, do mercado único europeu e da entrada da China, Índia e do resto do sudeste asiático no mercado mundial. Para esta perda de competitividade contribuíram alguns erros de política económica, como nos anos 90, quando aumentaram os salários reais sem ganhos de produtividade correspondentes, para o que teriam sido necessárias melhores técnicas de gestão e mais inovação. Dizer que não se fez nada na altura também não é verdade: muitas empresas cresceram, internacionalizaram-se, modernizaram-se mas não foram em número suficiente para o que era necessário.
Mas baixos salários também não garantiam nem garantem competitividade. O que determina a localização das empresas é não é só os salários, mas também as licenças, a burocracia, o sistema legal, as infra-estruturas, os transportes e comunicações, etc. Nestas décadas da adesão acabámos por ter uma política industrial muito baseada em subsídios e pouco centrada em custos de contexto e em factores que determinam a produtividade global das empresas. Ao mesmo tempo, esquecemo-nos dos sectores de bens transaccionáveis: as obras públicas foram privilegiadas, os bancos concentraram-se nas obras públicas, porque era esse o sinal de especialização da economia, e descuidaram o financiamento à indústria.
A política económica devia ser vista como um processo de aprendizagem dos erros. Um erro que não pode ser cometido de novo é voltar a haver um desequilíbrio tão grande na balança de transacções correntes. A vantagem de olhar para trás é perceber que doravante, a reorientação política e os mecanismos de incentivos devem estar virados para a exportação de bens agrícolas e, na sua grande parte, industriais, de serviços, como transportes e serviços especializados, para o turismo e em geral para a abertura da economia ao exterior. Arranjamos dinheiro para pagar as importações com o dinheiro das exportações. Este é um facto a que temos de nos habituar e é, em certa medida, novo. Não foi assim nos últimos 25 anos. Pagámos as importações com receitas de privatizações, com fundos comunitários, com remessas de emigrantes e com endividamento. Agora, temos provavelmente de exportar mais do que importamos. As remessas dos emigrantes e transferências correntes comunitárias não chegam para financiar o pagamento de juros e dividendos ao exterior.
Quanto mais temos de exportar? Admito que um excedente de 3 a 4% do PIB garantiria alguma auto-suficiência da economia face às obrigações resultantes dos financiamentos externos.
(depoimento recolhido por Lurdes Ferreira)
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Antes de tudo, [um plano de reindustrialização deve ter como prioridade] assegurar um enquadramento favorável à atracção de investimentos produtivos, única forma - após a falência do recurso à despesa pública e ao endividamento - de assegurar novos empregos, maior base tributária e suporte do estado social. No quadro global, são praticamente ilimitadas as iniciativas empresariais, as competências técnicas e os recursos financeiros ao nosso alcance. Dependem apenas das condições que soubermos criar.
Como exemplos, devemos olhar para todos os pequenos países europeus e asiáticos que têm sido capazes de assegurar elevados ritmos de exportação, de crescimento do produto e de multiplicação do emprego.
Entendo que a reindustrialiazação não é responsabilidade do Ministro da Economia. É responsabilidade do Governo e da AR , que devem assegurar o conjunto das condições capazes de atrair investimentos, poupanças e quadros técnicos portugueses e estrangeiros. E é da responsabilidade dos portugueses - eleitores, trabalhadores e futuros trabalhadores - que o devem exigir.
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Nos últimos cinco ou dez anos o ritmo de transferência de tecnologia das universidades e dos centros de investigação melhorou vertiginosamente. Há inúmeros exemplos em que a actual capacidade das empresas reflecte esse processo. No calçado, nas soluções tecnológicas que a Efacec foi buscar s universidades, mas também na REN, na EDP ou na PT. Só no nosso caso há contratos de investigação com mais de 300 empresas na nossa base de dados.
Infelizmente, porém, e ao contrário do que acontece no Reino Unido ou nos Estados Unidos, as grandes empresas não acompanharam este processo. Em percentagem da facturação, uma empresa como a Frezite gasta mais do que a Amorim, a Sonae ou a EDP
A indústria do futuro não pode ser a indústria do passado. Se o “re” significa recuperar o que havia, eu não acredito. Mesmo as tecnológicas vão ter de fazer coisas diferentes. Vão ter de procurar sempre novos produtos ou de procurar alianças internacionais.
O Governo não tem um modelo e nem sei se deve ter uma grande estratégia para a reindustrialização. Se eu mandasse poria os sistemas de estímulos a apoiar os casos de sucesso, os actores que são capazes de por em marcha uma nova indústria.
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Um plano de reindustrialização do país deverá ter como ambição fazer evoluir Portugal para um país produtor e exportador de tecnologia associada a produtos transaccionáveis de elevado valor acrescentado. A aposta deverá centrar-se em sectores que desenvolvem e produzem soluções inovadoras para produtos globais com capacidade de internacionalização e indutores de efeitos de demonstração para a totalidade da economia.
Depois de um período de forte desenvolvimento dos sectores de bens não transaccionáveis, o Estado deverá criar condições favoráveis para o desenvolvimento dos sectores de bens transaccionáveis com potencial competitivo e inovador, o que é especialmente crítico numa era de crise económica, social e ambiental. A aposta na reindustrialização deverá estar também articulada com as estratégias de inovação regionais para uma especialização inteligente, em coerência com o defendido pela Comissão Europeia, no sentido de valorizar as potencialidades endógenas dos territórios.
O mercado em crescimento associado às cidades inteligentes constitui também uma oportunidade para as empresas portuguesas, devendo traduzir-se numa prioridade estratégica do processo de reindustrialização. Inclui o desenvolvimento e produção de soluções urbanas integradas e inovadoras para as cidades, em domínios como a mobilidade, reabilitação sustentável, redes de energia, tecnologias de informação e comunicação, etc. A mobilidade inteligente é uma área promissora, estando a INTELI e o CEIIA já a trabalhar na cidade de São Paulo no sentido da valorização e internacionalização da oferta nacional.
Acresce que as cidades portuguesas, dada a sua escala, poderão funcionar como espaços de teste e experimentação dessas soluções numa lógica de inovação aberta, podendo as mesmas ser depois exportadas à escala global.
Portugal deverá criar o seu próprio modelo de reindustrialização adaptado às características do padrão de especialização e da estrutura industrial nacional. Temos uma indústria marcada por empresas fornecedoras de componentes e raramente de produtos finais para o mercado global, com fraca presença de OEM [fabricantes de primeira linha] e centros de decisão em Portugal.
Os países que têm promovido políticas industriais mais proactivas também seguiram o seu modelo, como é o exemplo da França. Neste caso, apoiando grandes projectos mobilizadores e lançando uma política activa de pólos de competitividade que originou a criação de cerca de 67 clusters dispersos pelo país.
O projecto de reindustrialização do país não pode ser um projecto de um ministro, mas do país. Esta estratégia necessita da intervenção dos pólos de competitividade, clusters, empresas, universidades, parceiros sociais, entre outros actores.
Além do mais, é um projecto de médio prazo, onde os efeitos dificilmente serão visíveis de forma imediata, nomeadamente o cumprimento da meta de crescimento do peso da indústria no PIB de 16 para 20%.
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Um instrumento poderoso para vencer a crise é ter um binómio Estado-sociedade bastante criativo e cheio de confiança. Não é uma confiança baseada em fait divers, propaganda fácil, promessas não cumpridas. Na base de tudo está o estudo, a análise comparativa e, devíamos ter um Estado inteligente e uma sociedade organizada em função de interesses legítimos e não em função das fraquezas do Estado.
Neste momento, para fazer uma viragem, não temos um Estado inteligente que possa dar aos cidadãos programas devidamente fundamentados com análises comparativas de decisões. Não é ser Estado maior ou menor, é ser inteligente.
Interrogo-me sobre as razões pelas quais os gabinetes de planeamento do Estado, os laboratórios do Estado ao serviço do bem comum foram sucessivamente decepados. Hoje, os ministros não têm a apoiá-los gabinetes que lhes proponham soluções alternativas para depois eles decidirem politicamente.
Quando se fala em reindustrialização, não é voltar ao passado, porque temos um elemento essencial para o desenvolvimento que é o conhecimento. Por isso, prefiro chamar uma nova industrialização, com uma nova base.
Não tem sentido copiar o passado. Reindustrializar, hoje, tem de ser na base da sociedade do conhecimento.
Nos últimos 20 anos, quisemos imitar os grandes países, descurámos os sectores de bens transaccionáveis, apostámos na modernização dos não transaccionáveis, mesmo até com investimento directo estrangeiro, num conjunto de sectores favorecidos: construção, telecomunicações e banca. Como se tivéssemos um mercado interno como o dos grandes países.
Temos de transmitir aos portugueses a grandeza deste desafio e dizer o que falta atingir: se não atingirmos a média europeia do peso das exportações em relação ao PIB (acima de 60%), não temos Estado social [em 2010, as exportações portuguesas eram de 30,9% do PIB, enquanto os pequenos países europeus mais dinâmicos estavam acima de 80%]. Temos de fazer um grande esforço. A nova industrialização tem de abranger a exportação de bens e serviços, uma nova carteira de actividades exportadoras.
Considero que as rondas que o ministro tem feito são positivas. Vejo-o cheio de boas intenções mas interrogo-me se o Governo está solidário com ele. É um ponto fundamental. Em questões da mesma natureza, como a descida do IRC, que interessam simultaneamente aos ministérios da Economia e das Finanças, tivemos um ministro em Bruxelas a tentar fazer passar a descida de IRC e o seu colega a criar um grupo de trabalho para a estudar, revelando à opinião púbica uma contradição séria.
Quando pertenci ao governo do Bloco Central e chamámos o FMI, eu era ministro da Indústria e Energia e Ernâni Lopes das Finanças. As nossas visões nem sempre coincidiam e eu para argumentar tinha que ter uma base. O que negociei com Ernâni Lopes foi então um aumento do imposto sobre os combustíveis para que entre cinco e sete por cento das receitas fossem para o desenvolvimento tecnológico e energético do país. A Indústria passava a ter um fundo para a indústria e energia mas era gerido pelas Finanças. Havia uma janela de esperança e no meio das dificuldades mobilizaram-se os empresários para este plano. Era dinheiro que era semente.
Depois como ministro, levei esse plano a Conselho de Ministros. O Governo publicou as orientações e os programas inerentes ao plano. O Governo foi solidário.
(depoimento recolhido por Lurdes Ferreira)
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A prioridade é apostar em sectores de bens transaccionáveis, dando ainda mais competitividade a casos de sucesso como o do calçado.
Não se trata de desenhar sectores, mas de dar condições de competitividade, nomeadamente o preço da energia e uma maior ligação da investigação e desenvolvimento à inovação empresarial.
Em relação ao preço da energia. Há um problema global, não só português, com o shale gas dos EUA. Se se acentuar o diferencial de preços, a deslocalização não se fará apenas para a Ásia mas também para os EUA. O shale gas veio dar gás natural e electricidade mais baratos às empresas e com esta revolução energética, há um problema de deslocalização de empresas europeias para os EUA.
A Europa tem também muitas necessidades em matéria de competência científica ligada às empresas. Voltemos aos EUA: a capacidade do seu ecossistema gerar inovação e de a aplicar às empresas é fabulosa. Um bom exemplo é a dificuldade da Nokia face à Apple, devido à ausência desse ecossistema na Europa.
O centro tecnológico do sector do calçado foi criado com o PEDIP [no tempo da tutela de Mira Amaral], em S. João da Madeira. Hoje o sector exporta máquinas para a China. Passámos de produtos de consumo corrente para a produção de máquinas. O sector do calçado é um bom exemplo de sectores tradicionais: as empresas precisam de engenharia, inovação, universidades ligadas a elas. Só se mantêm empresas se estas sentirem centros de competência à sua volta.
[Quanto ao impulso que a economia recebeu com a Autoeuropa], não é realista atrair outro construtor automóvel [ocidental], mas talvez asiático, chinês. Depois da porta aberta aos chineses na REN e EDP, por que não fazerem a expansão na Europa a partir de Portugal? A Embraer é um bom caso. É de um país emergente.
Como ministro da Indústria, tive um programa focado para a indústria. O PEDIP foi o programa ajustado naquela altura ao país, e que a CEE veio a replicar. Agora terá de ser um pedip ajustado ao século XXI.
Se será este o ministro a concretizar a reindustrialização? Tem tido pontos positivos, como o da descida de IRC em 10%. Com a ideia da reindustrialização autonomizou-se em relação ao ministro das Finanças. Politicamente agiu bem. Agora, se vai a tempo não sei, o dia de amanhã dirá.
(depoimento recolhido por Lurdes Ferreira)
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Na AEP já há muito que esse tema nos preocupa. Em causa está uma pergunta: pode uma economia pequena sustentar-se com uma queda persistente da sua indústria? Portugal tem vindo a perder peso no sector industrial, como aliás todas as economias do ocidente. Mas, apesar de tudo, tem sido a indústria com vocação exportadora que nos tem sustentado nos últimos três ou quatro anos.
A indústria portuguesa tem músculo. Tem competências que podem ser um bom suporte para dar o salto da reindustrialização. O maior constrangimento para o futuro é o financiamento, porque em causa estão investimentos com retorno a médio e longo prazo. Mas não podemos voltar a ser apenas uma indústria manufactureira. Temos de valorizar mais o produto do que a produção.
A têxtil é um exemplo importante. Portugal é dos poucos países da Europa que conseguiu manter uma fileira industrial moderna e competitiva. Talvez só a Turquia tenha uma situação comparável. Mas faltam-nos as marcas da França ou da Itália.