Concentrar gastos no combate gera fogos mais intensos

Concentrar os gastos no combate aos incêndios florestais em detrimento da prevenção tem efeitos perversos a longo-prazo, levando a um aumento da intensidade dos fogos e tornando mais comum anos com uma maior área ardida. Esta é a principal conclusão de um estudo científico publicado recentemente no Journal of Environmental Management, intitulado Gestão de fogos florestais para evitar consequências indesejáveis: estudo do caso português usando dinâmica de sistemas.

O projecto faz parte do Programa MIT Portugal, uma parceria do Governo português com o Instituto de Tecnologia de Massachusetts que tem como objectivo promover as capacidades científicas e tecnológicas nacionais e reforçar a cooperação entre as universidades portuguesas e o sector empresarial. O estudo foi financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia e pelo grupo Portucel Soporcel, produtor de papel.

Para estudar os efeitos da distribuição de recursos no combate e na prevenção dos fogos florestais, foi desenvolvido um modelo computacional, que inclui uma multiplicidade de variáveis, como a meteorologia, o êxodo rural, a área ardida por ano, a média de área ardida por ocorrência, o número anual de ignições e a eficiência do combate aos incêndios. Os autores do estudo partem do pressuposto que o orçamento é limitado (o montante considerado foi 150 milhões de euros, uma estimativa dos gastos feitos em 2009 e 2010), o que significa que quando se gasta mais em combate isso tem um efeito directo no orçamento da prevenção e vice-versa.

Os investigadores concluíram que orçamentos que concentram os gastos quer no combate quer na prevenção têm consequências adversas no longo-prazo. Aconselha-se, por isso, os governantes a distribuir os recursos de uma forma equilibrada entre o combate e a prevenção, para minimizar o total de área ardida. “Enquanto um grande ênfase no combate pode ser contra produtivo, um montante insuficiente também é prejudicial porque os fogos duram mais tempo e causam mais perdas humanas e materiais”, lê-se no estudo.

A exacta proporção dos gastos não é considerada relevante pelos investigadores, já que o modelo não procura uma precisão numérica, mas uma tendência. O estudo explica que um investimento muito maior no combate que na prevenção tem bons efeitos a curto prazo, porque diminuiu a duração dos fogos e, por isso, a área ardida. Contudo, apresenta efeitos indesejáveis a longo prazo. Como os meios são escassos, apostar muito no combate retira recursos à prevenção, que fica praticamente sem expressão. “Com a remoção preventiva de combustível a baixar, a carga combustível cresce na floresta, o que leva ao aumento da intensidade dos fogos e da taxa de propagação. Esta combinação de factores traduz-se numa maior área ardida e numa maior pressão para gerir os fogos com mais medidas de combate”, escrevem os autores.

Com a área ardida a aumentar, a reacção política, muitas vezes influenciada pela pressão social, é reforçar o combate o que acaba por gerar um ciclo vicioso que os investigadores chamam “armadilha do combate aos fogos”. “Instintivamente ou por pressão pública o investimento extremo no combate conduz a um investimento ainda mais extremo na supressão”, nota João Claro, investigador do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores do Porto e um dos autor do estudo. E acrescenta: “É preciso olhar para o problema dos incêndios de forma integrada e articulada”.

O modelo indica que, de algum modo, isto é o que tem acontecido em Portugal. O estudo não ignora as dificuldades de inverter esta situação e identifica três razões para isso: a resistência das organizações associadas ao combate, a falta de efeitos visíveis do investimento na prevenção no curto prazo e a dificuldade dos governantes receberem créditos por evitarem problemas que não se chegam a manifestar.

“No passado temos assistido a uma posição por parte dos Governos no sentido de tentar resolver as consequências do problema e não as suas causas. Após épocas difíceis de incêndios, e apesar de se anunciarem reforços na prevenção, são as medidas do âmbito do combate que recebem os orçamentos mais significativos e que acabam por ser implementadas”, lamenta o engenheiro florestal Tiago Oliveira, outro dos autores do estudo. Por isso realça: “Este estudo ilustra cientificamente as vantagens do reforço da prevenção para a defesa da floresta. Se existir um reforço das políticas de prevenção, durante todo o ano, com uma coordenação real de esforços entre todos os agentes do sector, é possível reduzir os danos, o impacto das áreas ardidas e custos associados”. Por isso, Tiago Oliveira sustenta que deveria existir um compromisso plurianual, baseado numa forte fundamentação técnica, que confira estabilidade aos orçamentos para prevenção e combate.