A prevenção nos baldios

Como se previne um incêndio nos baldios?

Reagir no máximo de sete minutos depois do alerta de um incêndio é o objectivo da equipa de sapadores da Associação de Baldios da Lousã, que o PÚBLICO foi conhecer, e que estará de vigilância aos incêndios nos próximos meses. A limpeza da floresta, a abertura de caminhos ou o abate de árvores doentes são algumas das suas funções nos baldios, hoje também usados pelas populações para lazer ou desporto.

Onde estão os baldios em Portugal?

Fontes: DECIF; ICNF - Março de 2013; SPCF (Estudo de Maria Adelaide Germano, Junho 2013); Associação de Baldios da Lousã

Os baldios já foram o mealheiro das famílias

É às seis da manhã, todos os dias da semana, que os seis sapadores florestais da Associação de Baldios da Lousã começam a trabalhar. São várias as funções diárias para garantir a limpeza e manutenção dos baldios, ou seja, dos terrenos comunitários geridos pela comunidade local. Trabalhar durante todo o ano visa em grande parte antecipar a época de maior risco de incêndios florestais, que se inicia agora.

Esta equipa de sapadores florestais é uma das 45 equipas inseridas em unidades de baldios, a nível nacional, de acordo com os dados de um estudo sobre áreas florestais públicas e comunitárias, da autoria de Maria Adelaide Germano, apresentado no Congresso Florestal Nacional em Junho.

O objectivo é prevenir incêndios e facilitar os acessos à serra, tanto na vigilância e combate de incêndios como simplesmente para potenciar a utilização recreativa que as populações podem fazer dos baldios, sejam piqueniques nos parques de merendas, desportos de natureza (como BTT) ou passeios a pé pela serra.

A Associação de Baldios que gere a equipa de sapadores existe desde 1978 e funciona num sistema de co-gestão com o Estado, embora tenha como objectivo vir a ser auto-sustentável. Para isso também aposta nas limpezas de terrenos particulares: responde a pedidos de proprietários que não têm capacidade para limpar os seus terrenos e contratam os serviços dos sapadores, cada um por 40 euros por dia. "Temos tido muita procura, embora seja sempre mais comum em cima do Verão", diz Joaquim Lourenço, presidente da Associação de Baldios da Lousã. "Temos uma gestão profissional e somos nós próprios os agentes de promoção dos baldios."

De início, quando chegou à associação, era difícil saber o que era e o que não era terreno baldio até terem delimitado as áreas com marcos. " Antes partia-se do princípio que onde havia árvores grandes era baldio."

A estrutura da associação foi aumentando, assim como as suas actividades e responsabilidades. Hoje fazem serviço público, coordenados pela Protecção Civil, o que inclui a limpeza de dez hectares de terreno, o fogo controlado em determinadas faixas, a prevenção, a vigilância e a primeira intervenção num incêndio. Iniciada esta nova fase e consoante os alertas, explica a engenheira florestal Rita Simões, o papel é outro. "Quando está alerta amarelo ou superior, actuamos na área de intervenção definida e entra em acção a vigilância armada, ou seja, com capacidade de combate a incêndio num momento inicial. Temos sempre uma equipa de quatro ou cinco elementos estacionada num local estratégico e conseguimos dar uma resposta imediata."

O mealheiro das famílias

Quanto à parte recreativa da utilização dos baldios, nem sempre foi como é hoje. Entre o final dos anos 1930 e os anos 1970, eles não eram pensados para serem usados pelas populações. Em 1938, a Lei do Povoamento Florestal veio mudar a história dos baldios. Até então eram terrenos comunitários, onde os habitantes das zonas circundantes iam buscar tudo aquilo de que precisavam, como o pasto para o gado. Mas iam buscar mais, como é descrito num artigo sobre a florestação dos baldios, publicado em 1983, na revista Análise Social. "Do baldio vinha ainda o mato (carquejas, estevas, giestas, tojo, torga, urze, etc.), que, após ter servido de cama aos animais estabulados, em conjugação com o esterco, proporcionava o estrume para fertilização das terras", escreve o autor João Antunes Estêvão. Em algumas zonas, os baldios serviam para o cultivo de centeio e deles também era tirada lenha, carvão, madeira e até mel. "A serra era o mealheiro das famílias", diz Joaquim Lourenço, também ele natural da Lousã.

O que acontece em 1938 é que a gestão dos baldios fica entregue ao Estado, sob o argumento de que essa exploração pelas populações era um obstáculo ao progresso económico e agrícola do país. Os baldios passavam assim a ser geridos de forma única e sem interlocutor, como explica Maria Adelaide Germano no seu estudo.

Houve tempos em que era preciso ter uma senha, passada por um guarda-florestal, para entrar na floresta e para retirar dela o mato. A devolução dos baldios ao povo ocorreu com o fim do Estado Novo, através da Constituição de 1976. Passam a ser administrados num regime de co-gestão, entre os moradores (ou autarquias) e o Estado, ou então em regime de autogestão pelos moradores (ou as autarquias). Essas opções de gestão mantiveram-se com a Lei dos Baldios de 1993, e que está actualmente em vigor.

Quanto à nova Lei dos Baldios, que tem vindo a ser alvo de discussão, a presidente da Sociedade Portuguesa de Ciências Florestais, Maria do Loreto Monteiro, sublinha a importância de assegurar os interesses das comunidades locais, "com particular ênfase nas áreas baldias, tema sobre o qual existe a necessidade de uma profunda discussão pública. É imprescindível estabilidade no território antes de decisões políticas precipitadas".

Hoje existem 1107 unidades de baldios concentradas sobretudo em Vila Real, Viseu e Viana do Castelo, com uma extensão total de 278.100 hectares de área de terreno. "Há uma necessidade urgente de intervenção nos baldios a nível florestal e essa é a nossa maior preocupação", conclui Joaquim Lourenço. Quanto à prevenção de incêndios, o presidente da associação sublinha que a capacidade de actuar no início, tentando cumprir o objectivo de actuar nos primeiros sete minutos tem sido eficaz. "Não tem havido tantos incêndios na zona da serra porque tem havido uma protecção maior, ainda que na zona urbana, mais perto das populações, continue a haver."

Como se protegem habitações em zonas florestais

Deve-se proceder à gestão de combustível numa faixa de 50 metros à volta das edificações ou instalações. A faixa é medida a partir da alvenaria exterior da edificação. Por combustível entende-se não apenas os matos mas também as árvores, que devem ser desramadas ou desbastadas até à distância mínima de pelo menos cinco metros entre o edifício e as copas das árvores e pelo menos quatro metros entre as copas das árvores.

Fonte: Baldios da Lousã
  • Limpeza com capinadeira

    É um dos equipamentos usados para a limpeza dos terrenos com maior dimensão. Funciona com a movimentação de correntes que rodam e cortam a vegetação por onde passa, sem que haja mobilização do solo.

  • Uso da roçadoura

    É usada individualmente por um sapador e serve para fazer a limpeza em pequenas zonas, cortando a vegetação mais pequena.

  • Abate de árvores

    Em caso de ser necessário abater uma árvore, por motivo de doença, cabe aos sapadores fazê-lo. É o caso do que tem acontecido aos pinheiros doentes com Nemátodo. Após o abate, a árvore é serrada.

De "sol a sol": a vida de um serrano na floresta

O trabalho na floresta marcou desde cedo a vida de José Bernardo, hoje com 78 anos. Nasceu no Candal, uma aldeia na serra da Lousã, apenas com um habitante. Ele próprio já não vive lá. Tinha 15 anos quando começou a abrir covas na floresta para plantar árvores. Cada homem tinha de abrir entre 55 e 60 covas por dia e cada dia de trabalho começava quando o Sol nascia e acabava quando o Sol se punha. Era de sol a sol. "Ao nascer do Sol já tínhamos de estar a agarrar na enxada e só parávamos ao arrear do Sol. Se chovesse, tínhamos de dar um quarto de hora ao outro dia seguinte."

Trabalhava para o Estado e começou por receber 17 escudos, um escudo a menos do que os adultos, que trabalhavam durante mais tempo e tinham de abrir mais covas. Partilhava os dias na serra com o irmão, dois anos mais novo, que como ele tinha deixado a escola quando acabou a quarta classe. Assim foram os seus dias durante quase 20 anos.

Só que a fase de trabalho na floresta surge depois de um período em que a população da aldeia não podia sequer entrar nos baldios sem autorização. Viviam-se os anos 1940. "Nem mato davam, nem para o gado. Não entrava lá ninguém. Se íamos, apanhávamos multa. Cheguei a pagar uma multa de 14 escudos." Era entre os terrenos baldios que pastavam os dois rebanhos: "Um com 1200 cabeças e o outro rebanho com 800, era o rebanho grande e o pequeno." Cada um tinha dois pastores e tinham de conseguir controlar as ovelhas para não deixar entrar nenhuma nos baldios. "Mas ali era sempre o mato mais mimoso. Lá íamos com um pau, às vezes alguma lá escapava ou ficava para trás, se o guarda a visse, pumba, já era uma multa. Às vezes, o pessoal estava sem dinheiro, mas lá tinha de pagar. Era duro."

Um tempo mais tarde, conta José Bernardo, começaram a autorizar a entrada nos baldios. Tinha de se pedir uma senha para ir recolher mato, e era só "às terças e sextas".

Só mais tarde, então, é que "começaram a dar trabalho ao pessoal na floresta, era um horror o caminho daqui para lá para o serviço". Nessa altura, dois dos seus irmãos partiram para o Brasil, "aquilo não dava nada". A mãe trabalhava em casa e o pai, "muito habilidoso", trabalhava como pedreiro, sobretudo para os vizinhos. "Mas não era bem pedreiro fino. Ele ajeitava-se. Ia ao mato também, mas era para os vizinhos. Ganhava pouco. O patrão dava-lhe de comer todo o dia e por isso pagavam-lhe metade do ordenado, em vez de 20 eram 10 escudos. Ao fim de seis dias, eram 60 escudos que ele trazia."

José Bernardo casou-se e teve duas filhas. Depois de quase 20 anos a trabalhar na floresta, pediu para entrar nos quadros, "para ter uma reformazita". Disseram-lhe que não. Foi procurar trabalho como cantoneiro e começou a trabalhar no alto da serra num posto de vigia, "uma barraca de madeira em cima de umas pedras grandes". Entrava às oito e meia da manhã e demorava uma hora e meia a chegar lá. Ia a pé, numa estrada de terra batida. "Lá fazia frio como um raio. Uma vez pedi ao senhor engenheiro uma braseira. Puseram lá um aquecedor a gás, mas já foi quase no fim. Ganhava 35 escudos por dia."

Um dia desistiu e foi trabalhar como jornaleiro. Também abriu uma taberna na sua aldeia, toda feita por ele, sem ajuda de nenhum pedreiro. Ali esteve até 1979, quando deixou a aldeia e se mudou para a Lousã, pelas filhas. Queria arranjar-lhes trabalho. Vendeu tudo o que tinha: as cabras, os porcos, o gado todo. Acabou com o resto do vinho que tinha para vender. "Custou-me bastante, mas a gente faz tudo pelos filhos."

A vida diminuiu-lhe a quantidade de trabalho. Só que pelo meio perdeu uma filha, vítima de cancro, e viu a outra filha ficar paraplégica, depois de ter sido mordida por um cão e ter sido infectada por tétano. Desde então vive na Lousã e só passa no Candal para conversar com quem, como ele, lá passa de vez em quando.

Ainda vive perto da serra, mas a proximidade das pessoas à floresta já não tem comparação com o passado. Sobretudo, diz José Bernardo, porque já não precisam do que a floresta dá, como se precisava antes. Recorda com pormenor esse tempo, ainda que sem saudades da dureza dos dias de trabalho. E hoje já só lamenta ver mal. "Antes gostava de ler, até romances. Agora nem jornais leio, estou quase ceguinho. O coração também tem um sopro, diz o médico. Mas o coração eu até desculpo."